Número 8 - Janeiro 2006 - Faap
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Aprender a pensar em perspectiva constitui, de algum modo, um<br />
imperativo/uma necessidade – mais que uma conveniência ou um modismo. É<br />
possível filosofar sobre assunto tão banal como o futebol? Parece que sim. Ser<br />
capaz de combinar uma instigante análise do esporte bretão com o modo de ser<br />
do capitalismo globalizado não sugere uma tarefa fácil. Mas o jornalista Franklin<br />
Foer enfrentou o desafio com finura e coragem: olhar para o futebol como<br />
expressão da cultura (modo de sentir, pensar e agir) de alguns povos.<br />
De fato, não é nova a aproximação do futebol e da sociologia, por assim<br />
dizer. Vale mencionar que uma das mais agudas análises do futebol brasileiro<br />
data de 1956: um ensaio de Anatol Rosenfeld (crítico cultural multifacetado<br />
que migrou da Alemanha nazista para o Brasil nos anos 30) sob o título Das<br />
Fussballspiel in Brasilien (O Futebol no Brasil), publicado na famosa Revista<br />
Argumento, da Editora Paz e Terra, em 1974. Sua elegância e perspicácia ajudaram<br />
a ampliar a percepção do esporte, evitando sua simplificação e banalização. É a<br />
primeira obra de um não-brasileiro a tratar das veredas comuns do futebol e das<br />
festas populares mais antigas (seu caráter dionisíaco é ressaltado pelo autor); a<br />
importância do futebol como fator de inserção e ascensão sociais ou a hegemonia<br />
dos afro-brasileiros na prática do esporte (ambas já destacadas por Gilberto<br />
Freyre no clássico Casa-Grande & Senzala). O futebol começava a ser pensado<br />
como fenômeno social, como parte integrante da cultura de um povo que nele,<br />
talvez, sentisse a possibilidade de realizar um etnocentrismo “dependente”.<br />
O livro de Franklin Foer pertence à linhagem de uma literatura que eleva e<br />
aprimora o espírito. Sua linguagem simples e precisa, sem deixar de ser elaborada,<br />
reflete sua condição profissional: o jornalismo deve ser objetivo e investigativo.<br />
Como jornalista político (o autor trabalha para a New Republic, em Washington),<br />
ele se acostumou a exercer o ofício de “muito com pouco”. E, tudo indica, foi<br />
bem-sucedido nessa mais recente empresa.<br />
Seu livro é composto por dez capítulos, todos indicados com o provocativo<br />
bordão “Como o futebol explica...” e, segundo ele próprio, dividido em três partes:<br />
A primeira tenta explicar o fracasso da globalização em reduzir ódios antigos<br />
ainda presentes nas grandes rivalidades em torno do esporte. É a parte hooligan<br />
(grifado no original) do livro. A segunda usa o futebol para abordar questões<br />
econômicas: as conseqüências da migração, a persistência da corrupção e a ascensão<br />
de novos oligarcas poderosos como Silvio Berlusconi, presidente da Itália (sic) 1 e do<br />
Milan. Por fim, o livro usa o futebol para defender as virtudes do nacionalismo ao<br />
estilo antigo – uma forma de evitar o retorno do tribalismo (p.10).<br />
Alguns títulos são muito interessantes e oferecem uma síntese notável do<br />
que virá a seguir: “Como o futebol explica o paraíso dos gângsteres”; “Como o<br />
futebol explica a questão judaica”; “Como o futebol explica o discreto charme<br />
do nacionalismo burguês”; ou “Como o futebol explica a esperança do Islã.”<br />
O autor buscou generoso apoio em diversos jornalistas espalhados pelo<br />
mundo para realizar sua obra, inclusive no Brasil (Juca Kfouri, por exemplo). E<br />
essa peregrinação parece ter favorecido a construção de um texto cosmopolita e<br />
civilizado. Saliente-se, a propósito, o fio que conduz toda a obra, isto é,<br />
1 De fato, Silvio Berlusconi era à época primeiro-ministro italiano.<br />
Como futebol explica o mundo..., Antônio Sérgio Bichir, p. 136-139.<br />
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