Número 8 - Janeiro 2006 - Faap
Número 8 - Janeiro 2006 - Faap
Número 8 - Janeiro 2006 - Faap
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
serviços que ele provê”. O registro minucioso dos diferentes cargos e funções<br />
de uma quadrilha de traficantes mostra-se interessantíssimo do ponto de vista<br />
didático, constituindo excelente material de ensino para os cursos de Administração.<br />
Tivemos um plebiscito recente sobre a proibição da venda de armas no<br />
Brasil, cujo resultado mostrou que a população é contrária à proibição. É<br />
interessante saber que, nos Estados Unidos, morrem mais crianças afogadas em<br />
piscinas residenciais do que por acidentes com armas de fogo. É claro que a<br />
proporção de piscinas em casas é muito menor no Brasil, assim como o número<br />
de armas. Mas, para quem estava em dúvida sobre como votar, será que o livro<br />
trouxe alguma contribuição?<br />
Na minha opinião, o capítulo mais instigante do livro é o que aborda a<br />
tese, defendida pelos autores, de que a legalização do aborto nos EUA, em<br />
1973, teve forte impacto sobre a redução da criminalidade nos anos 90. Essa<br />
tese custou aos autores muitos ataques de grupos religiosos e também de<br />
intelectuais de esquerda, por ter associado crime à pobreza. Esse é um tema<br />
carregado de “sabedorias convencionais”, onde o crime é resultado da pobreza<br />
e do desemprego, e é fundamental controlar a venda de armas, gerar empregos,<br />
aumentar o efetivo policial etc. Mas o fato de haver fortes correlações entre<br />
esses fatores não leva necessariamente a relações corretas de causa e efeito. Vários<br />
fatores contribuíram para a queda nos níveis de criminalidade naquele país, e os<br />
autores mostram as explicações presentes em artigos publicados nos dez jornais<br />
de maior circulação no país entre 1991 e 2001: aumento do efetivo policial,<br />
estratégias policiais inovadoras, leis mais severas (novamente os incentivos),<br />
envelhecimento da população, economia mais forte, leis mais rígidas de controle<br />
de armas etc. A explicação de Levitt e Dubner não foi mencionada nem uma vez<br />
sequer pelos especialistas que escreveram esses artigos, mas ela é fundamental<br />
para se entender o fenômeno da redução da criminalidade. No primeiro ano<br />
após a legalização do aborto em todo o país, 750 mil mulheres fizeram abortos.<br />
Em 1980, esse número chegou a 1,6 milhão, patamar em que estacionou. Qual<br />
o perfil feminino mais provável de se beneficiar da nova lei? Em geral, a mulher<br />
solteira, menor de 20 anos e pobre, algumas vezes reunindo as três características.<br />
Que tipo de futuro o bebê dessa mulher teria? Essa criança estaria 50% mais<br />
propensa que a média a viver na pobreza; teria uma probabilidade 60% maior de<br />
ser criada por apenas um dos pais. Esses dois fatores estão entre os mais fortes<br />
determinantes de um futuro criminoso. Dito de outra forma, os próprios fatores<br />
que levaram milhões de norte-americanas a fazer aborto também representam<br />
indicadores de que seus filhos, caso tivessem nascido, teriam vidas infelizes e<br />
possivelmente criminosas.<br />
A lei teve outras conseqüências. O infanticídio diminuiu drasticamente,<br />
assim como os casamentos forçados e o número de bebês entregues para adoção.<br />
Todavia, o efeito mais surpreendente, e que levou anos para se fazer sentir, foi o<br />
seu impacto sobre a criminalidade. E os autores demonstram, por meio da análise<br />
de dados de criminalidade em cinco estados norte-americanos que já haviam<br />
legalizado o aborto antes da lei federal de 1973, que o vínculo aborto-crime<br />
apresenta uma relação de causa e efeito e não apenas uma correlação, nem muito<br />
Freakonomics: o lado oculto e inesperado de tudo que nos afeta, Eva Stal, p. 146-150.<br />
149