Número 8 - Janeiro 2006 - Faap
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Definindo assim como questão subjacente e essencial a racionalidade dos<br />
agentes, devido a uma necessidade de explicitar o que se entende por ação racional,<br />
optou-se por analisar em primeiro lugar o processo de explicação das ações que<br />
os agentes e observadores efetuam por meio da invocação das razões.<br />
Ou seja, em que consiste o processo de racionalização? Racionalizar é tornar<br />
explícitas as causas 1 da ação, sendo estas canonicamente consideradas como<br />
conjuntos crenças-desejos, onde há, pelo menos, um desejo e uma crença<br />
relevante. Neste sentido, para racionalizar uma ação é sempre necessário atribuir<br />
a um agente uma intenção. Todavia, quem pode tornar explícita a causa da ação,<br />
isto é, dar conta da intenção do agente? Aparentemente existem apenas duas<br />
hipóteses: o próprio agente ou um observador. Parece ingênuo crer nas razões<br />
da ação expostas pelo agente, assim como nas observações do observador, mesmo<br />
que estas sejam as únicas fontes possíveis. Para isto, seria necessário crer<br />
conscientemente que o agente ou o observador têm capacidade de recolher<br />
todos os dados acerca das causas da ação e processá-los, de maneira perfeita.<br />
Partimos do pressuposto de que isto não é possível. Assim sendo, a racionalização<br />
sempre será uma camuflagem, num sentido freudiano 2 . Uma das conseqüências<br />
disto é que, independentemente dos critérios instituídos por qualquer uma das<br />
Teorias da Racionalidade 3 , não será possível dizer se uma determinada ação é<br />
racional ou irracional. Esta é uma posição radical, mas que procura responder<br />
aos indícios empíricos acerca da não-conformidade dos agentes reais aos cânones<br />
da racionalidade 4 .<br />
Portanto, a finalidade deste artigo é propor, da maneira mais objetiva possível<br />
e de forma embrionária, uma alternativa às já citadas concepções de racionalidade.<br />
Essas concepções, desenvolvidas numa grande parte da investigação filosófica<br />
da racionalidade, têm procurado um quadro conceitual que permita iniciar os<br />
seus trabalhos em modelos de racionalidade, tais como a teoria da decisão, a<br />
lógica e a teoria das probabilidades. Não pretendendo negar a validade desses<br />
quadros conceituais, enquanto constituindo as teorias mais representativas e<br />
profundamente desenvolvidas do estudo da racionalidade, o presente trabalho<br />
1 Causas = razões da ação. Sobre isto ver MIGUENS, S. Racionalidade. Porto: Campo das Letras, 2004, p.<br />
95 e MADEIRA, P. O que é o modelo crença-desejo. Intelectu, Lisboa, n.º 9, p. 1-3, out 2003. Esse artigo<br />
serve, para aqueles pouco familiarizados como o modelo crença-desejo, como uma excelente introdução.<br />
2 Aceitamos esta definição de racionalização como aquela que expressa melhor nosso pensamento. “Quando<br />
uma sugestão feita durante a hipnose tem efeito só depois, e provoca um ato surpreendente num sujeito, ele<br />
freqüentemente alega um motivo plausível para sua conduta, a fim de lhe dar uma aparente coerência. O<br />
mesmo fenômeno se produz cada vez que uma explicação aparentemente racional é utilizada para justificar<br />
uma intenção ou um ato cuja determinação inconsciente permanece desconhecida. (…) Trata-se, portanto,<br />
de um procedimento de camuflagem, que, tal como a elaboração secundária do sonho, resultaria de uma<br />
pressão para a unificação do eu: de fato, com ele o sujeito tenta estabelecer um controle sobre seus pensamentos<br />
e seus sintomas, o que mascara a causa inconsciente destes e institui uma lógica do semblante. Essa razão<br />
imposta se opõe, portanto, ao reconhecimento da racionalidade dos fenômenos ligados ao saber inconsciente<br />
que ultrapassa o sujeito ou lhe escapa. E, evidentemente, a construção de uma teoria é propícia à racionalização:<br />
assim, só é possível desmontá-la na elaboração analítica na medida em que esta se mostra capaz de pôr em<br />
xeque aquilo que, em si mesmo, é indício dos efeitos do inconsciente.” (KAUFMANN, P. Dicionário<br />
Enciclopédico de Psicanálise: o legado de Freud e Lacan. Rio de <strong>Janeiro</strong>: Jorge Zahar Editor, 1998, p.443)<br />
3 Lógica, teoria da decisão racional e teoria das probabilidades.<br />
4 “O problema é que essas investigações aparentemente ‘refutam ou desmentem’ princípios normativos da<br />
racionalidade. Refiro-me, especificamente e antes de mais, ao programa de investigação ligado aos nomes de<br />
Amos Tversky e Daniel Kahneman...”; Miguens (2004), p. 25.<br />
Racionalidade na ação..., Carlos E. E. Mauro e José P. Maçorano, p. 72-83.<br />
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