— Sim, senhor — respondeu o sargento, sem surpresa.— Prossiga. — Thom<strong>as</strong> já não conseguia aguentar o cheiro daquel<strong>as</strong>criatur<strong>as</strong> e <strong>do</strong> lugar que ocupavam. — Estarei lá em cima.— E quanto àquele? — Men<strong>do</strong>za apontou para o encarrega<strong>do</strong>, que aindatentava p<strong>as</strong>sar despercebi<strong>do</strong> junto à popa, sem se atrever a enfrentar oolhar <strong>do</strong>s homens que mantivera sob a lei <strong>do</strong> chicote. Thom<strong>as</strong> olhou-o pormomentos e reparou que o homem não tinha larga<strong>do</strong> o instrumento <strong>do</strong>seu poder.— Ele? Deixe que sejam os homens que libertar a decidir o seu destino.Virou-se e af<strong>as</strong>tou-se ao longo <strong>do</strong> p<strong>as</strong>sadiço a caminho da escada, lutan<strong>do</strong>contra o desejo de correr e sair daquele buraco infernal o mais depressapossível. Subiu para o convés, apressou-se a chegar-se à amurada,onde podia sentir o vento fresco na cara, e respirou profundamente paratentar expulsar os últimos resquícios <strong>do</strong> ar pestilento da coberta. Apesar desaber perfeitamente como se p<strong>as</strong>savam <strong>as</strong> cois<strong>as</strong> no interior de uma galera,só o tinha visto com os próprios olhos num par de oc<strong>as</strong>iões. O que viradeixara-o desgostoso, m<strong>as</strong> os homens que remavam n<strong>as</strong> embarcações daOrdem eram criminosos, pirat<strong>as</strong> e segui<strong>do</strong>res de fés fals<strong>as</strong>. E por muito másque fossem <strong>as</strong> condições n<strong>as</strong> galer<strong>as</strong> cristãs, nunca tinha visto homens trata<strong>do</strong>sde uma forma tão vil como naquela galera de corsários. Sentiu umacólera profunda ao pensar no inimigo, e um desejo ardente de fazer a suaparte para varrer o Islão da face da Terra.Um repuxo na superfície <strong>do</strong> mar ali perto fê-lo olhar à volta; alguns<strong>do</strong>s seus homens lançavam os cadáveres pela borda fora. Os corpos tinhamsi<strong>do</strong> desarma<strong>do</strong>s e despoja<strong>do</strong>s de quaisquer peç<strong>as</strong> de roupa que pudessemvaler um preço decente nos merca<strong>do</strong>s de Malta. Dois outros homens vigiavamum punha<strong>do</strong> de prisioneiros feri<strong>do</strong>s, senta<strong>do</strong>s no convés junto à b<strong>as</strong>e<strong>do</strong> m<strong>as</strong>tro de ré. Ao contemplá-los, Thom<strong>as</strong> sentiu o coração endurecere tornar-se apen<strong>as</strong> uma pedra fria no seu peito. Af<strong>as</strong>tou-se da amurada edirigiu-se para junto deles, acenan<strong>do</strong> a outro grupo de solda<strong>do</strong>s para queo acompanh<strong>as</strong>sem. Ao chegar junto <strong>do</strong>s prisioneiros, parou e avaliou-os,sem esconder o ódio que sentia. Eram mais de vinte, e a maior parte aindaenvergava algum género de armadura, além d<strong>as</strong> bainh<strong>as</strong> vazi<strong>as</strong> que lhespendiam <strong>do</strong>s cintos. Qu<strong>as</strong>e to<strong>do</strong>s tinham ferid<strong>as</strong> tratad<strong>as</strong> sem grande cuida<strong>do</strong>,apen<strong>as</strong> embrulhad<strong>as</strong> em tir<strong>as</strong> de pano. Eram ferid<strong>as</strong> superficiais eto<strong>do</strong>s recuperariam, pelo menos o suficiente para ocuparem lugares nosbancos de rema<strong>do</strong>res daquela ou de outra galera.— Deixem aqui os oficiais. Os outros, lá para baixo, para os remos —ordenou, em tom firme. Os homens separaram os prisioneiros, levan<strong>do</strong> amaior parte a caminho da escotilha, enquanto um pequeno grupo ficava34
senta<strong>do</strong> no convés. Thom<strong>as</strong> contemplou-os por momentos antes de darnova ordem. — Matem-nos. Lancem os corpos borda fora.Um <strong>do</strong>s homens que tinham esta<strong>do</strong> a guardar os prisioneiros deitouum olhar a um companheiro, antes de reunir coragem para pigarrear e inquirir.— Senhor? Os oficiais valem bom dinheiro.Thom<strong>as</strong> sentiu a mão a tremer, e agarrou-a com firmeza.— Dei-te uma ordem. Mata-os! Fá-lo!Soaram p<strong>as</strong>sos n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> cost<strong>as</strong>, e Stokely interpôs-se entre ele e os prisioneiros.— Não podeis <strong>as</strong>s<strong>as</strong>sinar os oficiais. São nossos prisioneiros.Thom<strong>as</strong> engoliu em seco e respondeu com azedume.— São o inimigo. São turcos, infiéis.— Não deixam de ser criatur<strong>as</strong> de Deus, mesmo que ainda não tenhamabraça<strong>do</strong> a verdadeira fé — ripostou Stokely. — Aceitámos a sua rendição.Não podemos chaciná-los <strong>as</strong>sim. Seria uma ofensa às tradições da cavalaria.— Cavalaria? — Thom<strong>as</strong> fez uma careta, que se transformou num sorriso.— Não há lugar para tais ideais na guerra contra o Turco. A morte é oque eles merecem.— Não podeis…Thom<strong>as</strong> silenciou-o com a mão erguida.— Estamos a perder tempo. Quero pôr-me a caminho o mais depressapossível. M<strong>as</strong> primeiro temos de nos livrar desta… praga.Empunhou a lâmina, e antes que alguém pudesse detê-lo, p<strong>as</strong>sou a fiode espada o mais próximo <strong>do</strong>s corsários, um jovem num corpete finamentedebrua<strong>do</strong>, ainda dem<strong>as</strong>ia<strong>do</strong> novo para ostentar uma barba. O corsáriosuspirou e tombou para o convés enquanto uma mancha escarlate se espalhavarapidamente pelo algodão branco d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> vestes. Com gestos fracos,tentou agarrar uma ponta <strong>do</strong> corpete para fazer pressão sobre a ferida eestancar o sangue que corria. Thom<strong>as</strong> avançou, cego a tu<strong>do</strong> pelo seu desejode sangue. Voltou a golpeá-lo, desta vez no pescoço, cortan<strong>do</strong> a espinha equ<strong>as</strong>e lhe decepan<strong>do</strong> a cabeça. Olhou em re<strong>do</strong>r, para os seus homens.— Agora tratem de cumprir <strong>as</strong> ordens que vos dei! Matem-nos a to<strong>do</strong>s.Tu, começa. — Apontou para um <strong>do</strong>s homens que tinham esta<strong>do</strong> a vigiaros prisioneiros.O solda<strong>do</strong> baixou o pique e cravou-o no peito <strong>do</strong> corsário mais próximo.Os outros começaram a gritar, pedin<strong>do</strong> clemência em francês e espanhol,bem como n<strong>as</strong> su<strong>as</strong> língu<strong>as</strong> nativ<strong>as</strong>. Depois de os <strong>do</strong>is primeirosserem executa<strong>do</strong>s, os outros solda<strong>do</strong>s juntaram-se à matança. Thom<strong>as</strong>af<strong>as</strong>tou-se e Stokely continuou a <strong>as</strong>sistir à cena com o horror e a relutânciabem expressos no trejeito <strong>do</strong>s lábios.35
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esponder não apenas ao seu rei, ma
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— Não. Do que sei de vós, Sir T
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nhecer melhor o jovem. Sabia bem, p
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12Ocaminho pelo Norte de Espanha pa
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coluna e chegar antes dela ao port
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— Glória, pois, é para isso que
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quenta e muitos anos. O cabelo era
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chard assentiu e apressou-se a desc
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elmo. Richard usava um modelo comum
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ferro penetrou no casco da galera e