— Isto está… erra<strong>do</strong>. — Abanou a cabeça. — Erra<strong>do</strong>.— Se <strong>as</strong>sim pensais, talvez seja melhor reconsiderardes a vossa pertençaà Ordem. — Thom<strong>as</strong> encolheu os ombros e virou-se, enquanto o último<strong>do</strong>s prisioneiros era abati<strong>do</strong>. — Vede se os corpos são atira<strong>do</strong>s fora comoindiquei.Enquanto caminhava para a proa, Thom<strong>as</strong> nada sentiu por momentos.Tinha espera<strong>do</strong> uma sensação de alívio, o vazar da tensão que se tinhaacumula<strong>do</strong> durante a batalha e depois na coberta. M<strong>as</strong> tu<strong>do</strong> o que sentiaera uma <strong>do</strong>rmência fria. O sangue que manchava o convés em re<strong>do</strong>r, <strong>as</strong> arm<strong>as</strong>aban<strong>do</strong>nad<strong>as</strong>, eram apen<strong>as</strong> detalhes, e <strong>as</strong> su<strong>as</strong> recordações <strong>do</strong> combateeram imagens solt<strong>as</strong> e fugazes, limp<strong>as</strong> de qualquer emoção, de remorso ouaté mesmo de qualquer sensação de triunfo. Tu<strong>do</strong> o que sabia era que aindaestava vivo, e que os seus camarad<strong>as</strong> tinham consegui<strong>do</strong> uma pequena vitória.Nada mais <strong>do</strong> que uma alfinetada na grande besta <strong>do</strong> poder turco queavançava sem cessar, fazen<strong>do</strong> daquele mar e d<strong>as</strong> terr<strong>as</strong> que o rodeavam o<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong> Islão. O sangue continuaria a correr, os homens continuariama morrer pela espada ou pela exaustão e pela fome, agrilhoa<strong>do</strong>s aos remosd<strong>as</strong> galer<strong>as</strong> que percorriam aquele mar atormenta<strong>do</strong>. Mulheres e crianç<strong>as</strong>continuariam a ser levad<strong>as</strong> como escrav<strong>as</strong> para se tornarem concubin<strong>as</strong> ouserem educad<strong>as</strong> por muçulmanos, para que um dia trav<strong>as</strong>sem a guerra contraaqueles que em tempos tinham visto como família. E pelo seu la<strong>do</strong>, oscavaleiros de S. João e to<strong>do</strong>s os que com eles partilhavam a causa lutariampela sobrevivência. E <strong>as</strong>sim tu<strong>do</strong> prosseguiria. Espada e cimitarra, pres<strong>as</strong>num duelo infindável e sangrento, cuja única recompensa era a miséria querecaía sobre <strong>as</strong> gentes de amb<strong>as</strong> <strong>as</strong> fações.Dirigiu-se à pequena escotilha sobre o porão de vante, onde matara ogigante negro. Deixou-se sentar pesadamente enquanto desapertava a armadura,tirava <strong>as</strong> manopl<strong>as</strong> e lutava com <strong>as</strong> fivel<strong>as</strong> que lhe apertavam oelmo. Ao fim de algum<strong>as</strong> tentativ<strong>as</strong>, lá conseguiu tirá-lo e colocá-lo sobre<strong>as</strong> tábu<strong>as</strong> <strong>do</strong> convés, a seu la<strong>do</strong>. O suor colava-lhe o cabelo ao escalpe, e abrisa matinal refrescava-lhe a pele agora exposta. Deixou-se recostar porum momento contra a amurada, até que uma sombra lhe caiu sobre o rosto.Piscou os olhos, abriu-os e avistou Stokely à sua frente.— Cumprimos <strong>as</strong> voss<strong>as</strong> ordens. E os cristãos foram liberta<strong>do</strong>s. —Fez um gesto para a parte tr<strong>as</strong>eira <strong>do</strong> convés, onde um<strong>as</strong> quarenta figur<strong>as</strong>esquelétic<strong>as</strong>, embrulhad<strong>as</strong> em trapos, se amontoavam em torno de cest<strong>as</strong>com pão, tentan<strong>do</strong> obter um pedaço a que arrancavam sofregamente nacosque m<strong>as</strong>tigavam com vigor. Stokely contemplou-os por momentos. — Estavamcom fome, m<strong>as</strong> ainda <strong>as</strong>sim tiveram tempo de primeiro fazer o encarrega<strong>do</strong>em pedaços. Não é que ele não merecesse.— Se o dizeis.36
Stokely espreitou para a escotilha.— Já fostes ver o que há aí em baixo?Thom<strong>as</strong> abanou a cabeça.— Talvez haja mais comida que possamos dar àquela gente.Thom<strong>as</strong> acenou com a mão na direção da estreita p<strong>as</strong>sagem.— Fazei como vos aprouver.Stokely meteu pela escada que levava ao diminuto compartimento.Um instante depois, Thom<strong>as</strong> ouviu-o soltar uma imprecação de surpresa,antes de o chamar.— Thom<strong>as</strong>!— Que se p<strong>as</strong>sa?— Chegai cá abaixo!A urgência na voz <strong>do</strong> amigo fez com que Thom<strong>as</strong> rod<strong>as</strong>se de forma <strong>as</strong>altar para o interior <strong>do</strong> porão.— Que é?Virou-se e avistou Stokely agacha<strong>do</strong> junto a um monte de trapos. Nãohavia espaço suficiente para se manter de pé, e Thom<strong>as</strong> avançou tambémagacha<strong>do</strong>. O monte de trapos mexeu-se e, graç<strong>as</strong> aos raios de luz que penetravampela grelha <strong>do</strong> porão, Thom<strong>as</strong> percebeu que se tratava de umamulher. Cobria-a um trapo reduzi<strong>do</strong> e imun<strong>do</strong>, e quan<strong>do</strong> ela se virou paraeles, o teci<strong>do</strong> escorregou e expôs <strong>as</strong> marc<strong>as</strong> em carne viva que lhe percorriamos ombros e <strong>as</strong> cost<strong>as</strong>. O cabelo era longo e escuro, e uma d<strong>as</strong> mãosestava presa a um aro de ferro na parede <strong>do</strong> porão. Olhou para os <strong>do</strong>is homens,os olhos cheios de desconfiança. A pele dela era pálida, e exibia umanó<strong>do</strong>a negra no rosto. Os lábios greta<strong>do</strong>s entreabriram-se e a língua tentouhumedecê-los antes de ela murmurar:— Quem sois?— Cristãos — retorquiu Sir Oliver. — Tomámos esta galera.— Cristãos — repetiu ela, enquanto examinava o <strong>as</strong>peto <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is homens.Fez-se um silêncio breve enquanto a mulher e os <strong>do</strong>is cavaleiros seavaliavam. Ao contemplá-la, Thom<strong>as</strong> percebeu que era muito bela, mesmonaquele esta<strong>do</strong>, espancada, magoada e acorrentada, a viver na sua própriaporcaria. Algo se alterou na profunda frieza que tomara conta <strong>do</strong> seucoração. Virou-se de forma a alcançar o aro e puxou da adaga. A mulherencolheu-se ao avistar a lâmina, e ele apressou-se a apontar para a peça queprendia <strong>as</strong> correntes ao anel crava<strong>do</strong> n<strong>as</strong> tábu<strong>as</strong> <strong>do</strong> c<strong>as</strong>co.— Vou tirar-vos daqui.Ela <strong>as</strong>sentiu, e Thom<strong>as</strong> inseriu a ponta da adaga e começou a tentarsoltar o pino. Fez uma breve pausa e olhou para ela.— Como vos chamais?37
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esponder não apenas ao seu rei, ma
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— Não. Do que sei de vós, Sir T
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nhecer melhor o jovem. Sabia bem, p
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12Ocaminho pelo Norte de Espanha pa
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coluna e chegar antes dela ao port
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de gaivotas, pontos negros contra o
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— Glória, pois, é para isso que
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quenta e muitos anos. O cabelo era
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mou as outras potências europeias
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chard assentiu e apressou-se a desc
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elmo. Richard usava um modelo comum
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ferro penetrou no casco da galera e