11Bilbau, EspanhaVéspera de Ano <strong>Novo</strong>, 1565Thom<strong>as</strong> ficou a olhar, mal conten<strong>do</strong> a frustração, enquanto o seu escudeirose envolvia numa discussão com o capitão <strong>do</strong> porto. Já se tinhamp<strong>as</strong>sa<strong>do</strong> muitos anos desde que falara aquela língua pela última vez; mesmonessa altura o seu conhecimento dela fora b<strong>as</strong>tante incompleto, e agora nãoconseguia mais <strong>do</strong> que apanhar algum<strong>as</strong> palavr<strong>as</strong> trocad<strong>as</strong> entre Richarde o oficial, sem conseguir apreender o que quer que fosse <strong>do</strong> senti<strong>do</strong> daconversa. E entretanto ali ficara de pé sobre <strong>as</strong> reluzentes pedr<strong>as</strong> <strong>do</strong> cais,enquanto a chuva fina e persistente lhe decorava a capa com gotícul<strong>as</strong> fri<strong>as</strong>.Tinham desembarca<strong>do</strong> <strong>do</strong> navio dinamarquês por volta <strong>do</strong> meio-dia, e deimediato tinham si<strong>do</strong> interpela<strong>do</strong>s por uma patrulha. O sargento que comandavao grupo de solda<strong>do</strong>s espanhóis tinha queri<strong>do</strong> saber qual o propósitodaquela viagem, e recusara-lhes autorização para se movimentarematé lhe ser apresentada <strong>do</strong>cumentação que prov<strong>as</strong>se que Sir Thom<strong>as</strong> tinhap<strong>as</strong>sagem livre pelo território espanhol. À carta de Sir Oliver pouca consideraçãotinha si<strong>do</strong> dada, e fora envia<strong>do</strong> um homem para chamar o capitão<strong>do</strong> porto.Thom<strong>as</strong>, Richard e os solda<strong>do</strong>s que compunham a patrulha tinham-sevisto força<strong>do</strong>s a esperar ali, no meio <strong>do</strong> rebuliço <strong>do</strong> cais, enquanto n<strong>as</strong> su<strong>as</strong>cost<strong>as</strong> os barcos de pesca e os cargueiros dançavam ao sabor da ondulaçãocinzenta que entrava pelo porto, vinda <strong>do</strong> Golfo da Biscaia. Ao fim de algumtempo, o sargento tinha decidi<strong>do</strong> recolher-se numa taberna próxima,deixan<strong>do</strong> ordens para que os <strong>do</strong>is ingleses fossem manti<strong>do</strong>s sob vigilância,e para que ninguém saísse dali até se saber qual a decisão <strong>do</strong> capitão <strong>do</strong> porto.E <strong>as</strong>sim o grupo tinha-se resigna<strong>do</strong> a ficar à espera, Thom<strong>as</strong> e o escudeirosenta<strong>do</strong>s sobre os seus sacos de viagem e embrulha<strong>do</strong>s nos seus mantos,enquanto os solda<strong>do</strong>s espanhóis se apoiavam nos postes de atracação e achuva escorria sem cessar d<strong>as</strong> bord<strong>as</strong> <strong>do</strong>s seus capacetes pratea<strong>do</strong>s.Era inverno, e a atividade no porto era reduzida, pelo que a carga deartigos em vidro da Dinamarca e lã de Londres tinha si<strong>do</strong> rapidamente descarregadae levada para um armazém, antes de a tripulação se ter retira<strong>do</strong>para a coberta e para o relativo conforto d<strong>as</strong> su<strong>as</strong> redes de <strong>do</strong>rmir. No caistu<strong>do</strong> se mostrava tranquilo, à exceção <strong>do</strong> som da chuva e <strong>do</strong> <strong>as</strong>sobio <strong>do</strong>84
vento que se levantava em rajad<strong>as</strong>. Alguns <strong>do</strong>s habitantes locais p<strong>as</strong>savam,deitan<strong>do</strong> olhares desconfia<strong>do</strong>s aos <strong>do</strong>is ingleses sob vigilância. Por seu la<strong>do</strong>,Thom<strong>as</strong> sentia-se bem feliz por estar de novo em terra firme. Nos anos quep<strong>as</strong>sara embarca<strong>do</strong> ao serviço da Ordem raramente tinha navega<strong>do</strong> empleno inverno, e nunca em águ<strong>as</strong> tão expost<strong>as</strong> à fúria própria da estação noOceano Atlântico.O galeão dinamarquês tinha deixa<strong>do</strong> a foz <strong>do</strong> Tamisa e atravessara oCanal da Mancha antes de seguir ao longo da costa francesa. Uma violentatempestade tinha-os empurra<strong>do</strong> para o mar alto, e nos cinco di<strong>as</strong> seguintespouco descanso houvera para a tripulação, que combatera o mar alteroso,ten<strong>do</strong> perdi<strong>do</strong> muito velame e madeir<strong>as</strong> na luta. A água gelada corria livrementepelo convés, empapan<strong>do</strong> <strong>as</strong> roup<strong>as</strong>, enquanto o navio estremecia erangia com o impacto de cada onda, empinan<strong>do</strong>-se e mergulhan<strong>do</strong> entreel<strong>as</strong>. O enjoo que sofrera fora o pior de que se recordava, e depois de ele eos outros p<strong>as</strong>sageiros — Richard e três padres que regressavam a Espanha,vin<strong>do</strong>s de Amesterdão — terem deita<strong>do</strong> fora os últimos pedaços sóli<strong>do</strong>sque os seus estômagos continham, tinham-se recolhi<strong>do</strong> à pequena cabinaque partilhavam. Thom<strong>as</strong> sentara-se com <strong>as</strong> cost<strong>as</strong> apoiad<strong>as</strong> numa d<strong>as</strong> espess<strong>as</strong>vig<strong>as</strong> e pusera os braços em torno <strong>do</strong>s joelhos para tentar aquecer-se.Richard fizera o mesmo, com a cabeça baixa, enquanto os padres tinhampega<strong>do</strong> nos terços e tinham-se posto a rezar, até <strong>as</strong> vozes lhes falharem e sevirem reduzi<strong>do</strong>s a pouco mais <strong>do</strong> que preces murmurad<strong>as</strong>, pedin<strong>do</strong> misericórdiaao Senhor.Fora nesse momento de maior vulnerabilidade que Thom<strong>as</strong> procederaa uma cuidada apreciação <strong>do</strong> seu companheiro, observan<strong>do</strong>-o comtoda a atenção enquanto ele se mantinha imóvel, de cabeça entre os braços.Apesar da juventude, que não devia ultrap<strong>as</strong>sar os vinte anos, pelo cálculode Thom<strong>as</strong>, parecia ostentar uma maturidade, uma evidente presença deespírito, que o levava a observar com atenção o que o rodeava e <strong>as</strong> gentesque com ele contactavam. Até ali pouco dissera a Thom<strong>as</strong>, para lá <strong>do</strong> absolutamentenecessário e próprio de gente educada. Só quan<strong>do</strong> o galeãoenfrentara <strong>as</strong> revolt<strong>as</strong> águ<strong>as</strong> <strong>do</strong> Canal é que a máscara de imp<strong>as</strong>sibilidadeescorregara por um momento. Estavam no convés quan<strong>do</strong> uma vaga rebentar<strong>as</strong>obre a proa. Richard, apanha<strong>do</strong> de surpresa, vira-se derruba<strong>do</strong>e arr<strong>as</strong>ta<strong>do</strong>. Enquanto era leva<strong>do</strong> pela água ao longo <strong>do</strong> convés, tinha lança<strong>do</strong>um grito de alarme, e olhara para Thom<strong>as</strong> com um apelo mu<strong>do</strong> m<strong>as</strong>instintivo por auxílio. Thom<strong>as</strong> firmara-se, de pern<strong>as</strong> bem abert<strong>as</strong> para seequilibrar e uma mão bem agarrada a uma antepara, e com a outra mãoconseguira alcançar a mão <strong>do</strong> jovem e levantara-o <strong>do</strong> convés. Uma ondaque vinha na esteira da grande vaga fizera-os tropeçar e juntar-se como sefossem <strong>do</strong>is amigos num abraço. Richard respondera com um movimento85
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ordens a serem transmitidas, e um g
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— Sim, senhor — esclareceu Thom
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to, e ouviu-se um estalo quando uma
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equipagem de um dos canhões. Thoma
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avançou, atacando o pique e fazend
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tendão dos seus braços, continuou
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Thomas anuiu.— Senhor, compreendo
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