Cerca <strong>do</strong> meio-dia <strong>do</strong> quinto dia <strong>do</strong> novo ano, p<strong>as</strong>saram a última cristad<strong>as</strong> montanh<strong>as</strong> que <strong>do</strong>minavam a estreita planície onde Barcelona se banhavano Mediterrâneo. As nuvens tinham desapareci<strong>do</strong> ainda de manhã,e o Sol brilhava solitário no céu de um azul profun<strong>do</strong>. Apesar de estarem nopino <strong>do</strong> inverno, o oceano tinha forma de parecer brilhante e convidativo,e Thom<strong>as</strong> sentiu uma mágoa no coração ao lembrar a ilha no meio daquelemar, um lugar que em tempos acreditara que viria a ser a sua c<strong>as</strong>a durantetoda a vida, no seio de um ban<strong>do</strong> de irmãos de arm<strong>as</strong> que combatiam porDeus contra inimigos muito mais poderosos. Nessa altura tu<strong>do</strong> lhe pareceraclaro e nobre, até que Maria tinha irrompi<strong>do</strong> pela sua vida dentro e elecomeçara a compreender lentamente que pouca nobreza havia a conseguirnuma interminável guerra em que o progresso consistia apen<strong>as</strong> em infligirnovos horrores ao inimigo. Belo como era, aquele esplen<strong>do</strong>roso mar era narealidade um campo de batalha tão velho como a História. Muito antes <strong>do</strong>conflito em que estavam mergulha<strong>do</strong>s, o <strong>do</strong>mínio daquele mar tinha leva<strong>do</strong>romanos, egípcios, cartagineses, gregos e pers<strong>as</strong> a tremen<strong>do</strong>s combates.Quem saberia quant<strong>as</strong> naves de guerra jaziam no fun<strong>do</strong>, a desfazerem-se?Era um mar tempera<strong>do</strong> pel<strong>as</strong> lágrim<strong>as</strong> e pelo sangue de sucessiv<strong>as</strong> geraçõesde seres humanos, refletiu, com um estremeção.Deu um estalo com a língua e carregou com os calcanhares nos flancos<strong>do</strong> cavalo.— Vamos, não vale a pena ficarmos aqui para<strong>do</strong>s a apreciar a paisagem.Richard fez precisamente isso por mais uns momentos antes de o seguir,e foram percorren<strong>do</strong> o caminho que serpenteava pela colina abaixo.No sopé, a cidade de Barcelona estendia-se à sombra de uma cidadela fortificada.No porto avistavam-se um<strong>as</strong> trinta ou quarenta galer<strong>as</strong> ancorad<strong>as</strong>;outr<strong>as</strong> du<strong>as</strong> equilibravam-se em cima de espessos toros nos estaleiros reais,uma série de barracões compri<strong>do</strong>s com telha<strong>do</strong>s altos, que <strong>do</strong>minavam amargem. Na parada no exterior da fortaleza havia vári<strong>as</strong> companhi<strong>as</strong> de piqueirosa treinar sob <strong>as</strong> cores ondulantes <strong>do</strong>s seus estandartes. Era evidenteque decorriam preparativos para enfrentar a ameaça que se erguia na outraponta <strong>do</strong> Mediterrâneo. M<strong>as</strong> seriam suficientes?, questionou-se Thom<strong>as</strong>.Por experiência própria, sabia bem que os Turcos eram capazes de apresentarv<strong>as</strong>t<strong>as</strong> forç<strong>as</strong>, quer em homens quer em navios. Eram seus os melhoresartilheiros e engenheiros de cerco <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>, e o tamanho e capacidadedestrutiva <strong>do</strong>s seus canhões não tinham paralelo.Quan<strong>do</strong> se aproximaram d<strong>as</strong> muralh<strong>as</strong> da cidade, o trilho juntou-sea uma estrada que seguia a costa. Pouco adiante, os <strong>do</strong>is cavaleiros p<strong>as</strong>sarampor um lento comboio de vagões carrega<strong>do</strong>s de barris de pólvora emetralha metálica. Thom<strong>as</strong> espicaçou a montada, de forma a adiantar-se à94
coluna e chegar antes dela ao portão principal da cidade. Fez um gesto a Richardpara se colocar ao seu la<strong>do</strong> e pegou no salvo-conduto, que entregoua um <strong>do</strong>s solda<strong>do</strong>s de plantão. O catalão ficou a olhar para o <strong>do</strong>cumentosem nada entender, até que lhes deu uma ríspida ordem para que aguard<strong>as</strong>seme foi em busca de um oficial à c<strong>as</strong>a da guarda. Thom<strong>as</strong> saltou da selae deixou-se escorregar para o solo com um grunhi<strong>do</strong> de cansaço. Richardimitou-o de imediato e pegou n<strong>as</strong> réde<strong>as</strong> <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is cavalos, como competiaa um escudeiro, reparou Thom<strong>as</strong> com satisfação.O guarda regressou pouco depois com um homem de porte altivo quelimpava a boca com uma mão enquanto contemplava o salvo-conduto quelevava na outra. Deitou um olhar minucioso aos <strong>do</strong>is ingleses antes de sedirigir a Thom<strong>as</strong>, que apontou para o escudeiro.— Richard, por favor.À medida que os <strong>do</strong>is conversavam, Thom<strong>as</strong> tentava seguir o que eradito, m<strong>as</strong> a língua catalã era-lhe estranha aos ouvi<strong>do</strong>s. A situação fazia-osentir-se desconfortável e até vulnerável; não tinha ainda total confiançano jovem cuja companhia lhe fora imposta por Cecil e Walsingham.Richard sabia mais <strong>do</strong> que ele sobre o propósito daquela missão e sobre anatureza <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento sensível que estava no seu âmago. Se o <strong>do</strong>cumentofosse localiza<strong>do</strong> e recupera<strong>do</strong>, quais seriam, perguntava-se Thom<strong>as</strong>, <strong>as</strong>ordens que o seu companheiro teria para depois? Ele não teria mais qualquerutilidade para Cecil; podia muito bem ser que <strong>as</strong> ordens de Richardincluíssem a eliminação discreta de um homem cujo conhecimento sobrea missão, embora limita<strong>do</strong>, poderia vir a revelar-se embaraçoso nummomento ulterior. Teria de se precaver contra tal possibilidade de traição,até mesmo quan<strong>do</strong> estivesse envolto numa batalha contra os Turcos. Opensamento fê-lo tornar-se amargo quanto a Richard e aos seus patronosem Londres.Richard interrompeu-lhe os pensamentos.— Senhor, expliquei ao capitão os motivos da nossa viagem. Diz eleque, uma vez que viajamos para Malta, seria melhor anunciar a nossa chegadana cidadela. Lá encontraremos Don Garcia de Tole<strong>do</strong>. O seu exércitoestá a aprontar-se para embarcar para a Sicília, e poderemos seguir com <strong>as</strong>ua esquadra.— Sicília?— É lá que o rei Filipe está a concentrar forç<strong>as</strong> para enfrentar os Turcos.Os Espanhóis serão reforça<strong>do</strong>s por mercenários de Itália, incluin<strong>do</strong> <strong>as</strong>galer<strong>as</strong> <strong>do</strong> clã Doria. Aqui o capitão diz que ouviu dizer que será o maiorexército jamais reuni<strong>do</strong> para combater em nome de Cristo. E Don Garcia éo melhor general de toda a Europa. Diz ele que os Turcos serão esmaga<strong>do</strong>sde vez.95
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Thomas anuiu.— Senhor, compreendo
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