elembrar aquel<strong>as</strong> cen<strong>as</strong>. Mostrou o cotovelo esquer<strong>do</strong>. — Esta foi de umaqueimadura, quan<strong>do</strong> atacámos um forte de corsários ao pé de Tripoli. Oinimigo estava a empregar uns potes incendiários. Um rebentou na muralha,ao la<strong>do</strong> da escada por onde eu estava a trepar, e a nafta a arder p<strong>as</strong>soupela cota de malha e pelo gibão, e chegou-me à pele. — Estremeceuao lembrar a terrível e intensa <strong>do</strong>r que tinha suporta<strong>do</strong> durante a longanoite que durara o <strong>as</strong>salto ao forte.— E essa aí na vossa testa? — indagou Richard, em voz baixa.— Isto? — Thom<strong>as</strong> ergueu a mão e seguiu a fina cicatriz desenhadaalguns centímetros abaixo <strong>do</strong> cabelo. Manteve-se em silêncio por instantes,enquanto p<strong>as</strong>seava o de<strong>do</strong> para trás e para a frente, e Richard olhou-o, expectante,os olhos a rebrilhar com o reflexo <strong>do</strong> fogo que aquecia o quarto.Thom<strong>as</strong> pigarreou. — Esta, arranjei-a quan<strong>do</strong> escorreguei no chão gela<strong>do</strong> ebati com a cabeça na porta de uma estalagem.O queixo de Richard descaiu e o jovem acabou por soltar sonor<strong>as</strong> gargalhad<strong>as</strong>a que Thom<strong>as</strong> se juntou, enchen<strong>do</strong> o quarto de boa disposição.O riso prosseguiu para lá <strong>do</strong> que seria de esperar, traduzin<strong>do</strong> o amainarda tensão entre os <strong>do</strong>is homens, pela primeira vez desde que se tinhamencontra<strong>do</strong>. Por fim, enquanto o riso esmorecia, Richard pareceu rec<strong>obra</strong>ra noção da situação; levantou-se, pegou em du<strong>as</strong> cadeir<strong>as</strong> que levou parajunto <strong>do</strong> fogo e pendurou <strong>as</strong> roup<strong>as</strong> a secar; hesitou um momento, m<strong>as</strong>acabou por fazer o mesmo com a capa, c<strong>as</strong>aco e camisa de Thom<strong>as</strong>. Entretanto,Thom<strong>as</strong> pegara na pequena faca que levava sempre no cinto por trásd<strong>as</strong> cost<strong>as</strong> e cortava o pão em nacos e o queijo em fati<strong>as</strong>, oferecen<strong>do</strong> metadea Richard.— Obriga<strong>do</strong>. — O jovem levantou-se e apontou para a cama. — Creioque esta é a vossa.Thom<strong>as</strong> abanou a cabeça.— Podes ficar com ela. — Deu uma palmada no colchão onde se sentara.— Isto serve muito bem.Richard sentou-se e começaram a comer. Em muit<strong>as</strong> seman<strong>as</strong>, era aprimeira refeição que não incluía o sabor a maresia e que não era estragadapelo balançar enjoativo <strong>do</strong> galeão a avançar lentamente pel<strong>as</strong> ond<strong>as</strong> escur<strong>as</strong>debaixo de um céu cinzento. Em consequência, e apesar de não p<strong>as</strong>sar depão e queijo, o sabor parecia-lhe inigualável, e ao sentir o corpo aqueci<strong>do</strong>e o estômago cheio, Thom<strong>as</strong> não pôde deixar de se sentir satisfeito. Issodevia-se também à perspetiva de algum companheirismo onde antes nadamais existira <strong>do</strong> que uma tolerância azeda, entre ele e Richard. Thom<strong>as</strong>queria saber mais sobre o agente de Cecil, em parte porque queria descobrirtu<strong>do</strong> o que pudesse sobre o <strong>do</strong>cumento e a natureza precisa d<strong>as</strong> ordens queRichard recebera, m<strong>as</strong> também por simples curiosidade e um desejo de co-90
nhecer melhor o jovem. Sabia bem, porém, que querer saber tu<strong>do</strong> dem<strong>as</strong>ia<strong>do</strong>depressa poderia levar Richard a erguer de novo <strong>as</strong> su<strong>as</strong> defes<strong>as</strong>. Pegouno jarro de vinho e encheu uma taça para cada um. P<strong>as</strong>sou-a a Richard. Asroup<strong>as</strong> começavam a fumegar, enchen<strong>do</strong> o quarto de um aroma salga<strong>do</strong>.— Foste bem escolhi<strong>do</strong> para esta missão — considerou Thom<strong>as</strong>. — Sefalares tão bem <strong>as</strong> outr<strong>as</strong> língu<strong>as</strong> como fal<strong>as</strong> espanhol, serás por certo muitoútil.Richard lançou um sorriso.— Útil? Talvez um homem da minha condição social devesse consideraressa observação como um elogio.Thom<strong>as</strong> sentiu-se tenta<strong>do</strong> a lançar algum<strong>as</strong> pergunt<strong>as</strong>, m<strong>as</strong> havia navoz <strong>do</strong> jovem um traço de cólera e de vergonha, e decidiu não insistir naquelemomento.— Desempenh<strong>as</strong>te bem o teu papel — prosseguiu Thom<strong>as</strong>. — M<strong>as</strong>teremos de ser tão bons como os melhores atores de Londres se quisermosconvencer os outros membros da Ordem quan<strong>do</strong> chegarmos a Malta.Não b<strong>as</strong>ta que te comportes como um escudeiro. Tens de começar a pensarcomo um. Tens de fazer o que te pedir sem hesitar e sem mostrar aqueleressentimento que por vezes deix<strong>as</strong> transparecer. Terás de tratar de mantera minha armadura, equipamento e roup<strong>as</strong> limpos. Terás de mostrar a cortesiadevida a quem encontrares, seja qual for a sua cl<strong>as</strong>se social. Terás de teportar em to<strong>do</strong>s os momentos como um cavalheiro que <strong>as</strong>pira a tornar-seum cavaleiro. E não um qualquer cavaleiro, m<strong>as</strong> um membro da Ordem. Seconseguires fazer isso, p<strong>as</strong>sarás facilmente por escudeiro.A expressão de Richard tornou-se amarga.— Nesse c<strong>as</strong>o, terei de p<strong>as</strong>sar por aquilo que nunca serei, muito menosum cavaleiro.— Porquê essa ideia?— A nobreza é um estatuto reserva<strong>do</strong> aos que nada têm a sujar-lheso p<strong>as</strong>sa<strong>do</strong>. De pouco serve o valor de um homem se há no seu nome umanó<strong>do</strong>a que nada pode apagar.— M<strong>as</strong> tu és de n<strong>as</strong>cimento nobre — retorquiu Thom<strong>as</strong>. — Isso é bemevidente. És tanto um cavalheiro como eu, vejo-o claramente.— Exceto pelo facto de eu ter n<strong>as</strong>ci<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> erra<strong>do</strong> da rua, Sir Thom<strong>as</strong>.E isso é algo que ninguém poderá alguma vez alterar. Sou um b<strong>as</strong>tar<strong>do</strong>,reconheci<strong>do</strong> por quem me educou. Foi por isso que escolhi esta vida. Eagora, se me per<strong>do</strong>ais, estou cansa<strong>do</strong> e gostaria de <strong>do</strong>rmir bem antes da jornadaque começaremos amanhã. — Esvaziou a taça e deitou-se, viran<strong>do</strong>-sede la<strong>do</strong>, de forma a oferecer <strong>as</strong> cost<strong>as</strong> a Thom<strong>as</strong> e ao lume.Thom<strong>as</strong> deixou-se ficar a contemplá-lo por algum tempo, tentan<strong>do</strong>imaginar <strong>as</strong> origens <strong>do</strong> jovem. Como seria carregar o peso de um tal es-91
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— Sim, senhor — esclareceu Thom
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to, e ouviu-se um estalo quando uma
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tendão dos seus braços, continuou
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Thomas anuiu.— Senhor, compreendo
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Alguns limitaram-se a tombar e chor
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sentado no convés. Thomas contempl
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Stokely espreitou para a escotilha.
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