Não apreciava aquela intrusão. Nos anos mais recentes, poucos o tinhami<strong>do</strong> visitar por razões sociais, e menos ainda o tinham convida<strong>do</strong>para alguma festa ou banquete. Normalmente, tratava os visitantes inespera<strong>do</strong>scomo uma fonte de irritação, um <strong>as</strong>sunto que podia despacharrapidamente e depois ignorar. Sentia uma tremenda l<strong>as</strong>situde nos ossos, epouco lhe agradava ver-se força<strong>do</strong> a aban<strong>do</strong>nar o lugar junto ao fogo ondeplaneava p<strong>as</strong>sar a noite. Se aquele homem, Philippe de Nanterre, lhe tinhai<strong>do</strong> apresentar alguma oferta para prestar serviço militar, partiria desaponta<strong>do</strong>.Thom<strong>as</strong> já fizera a sua paz com o mun<strong>do</strong>, e com os seus inimigos, esó queria que o deix<strong>as</strong>sem também em paz. Afagou a barba bem aparada eolhou para o cria<strong>do</strong>.— Conseguiste adivinhar de que <strong>as</strong>sunto se trata?— Consegui, de facto. — John sorriu. — Traz-vos uma carta, senhor.Avistei-a na sacola enquanto levava o cavalo para o estábulo. Já lhe foi devolvidacom toda a discrição e segurança.Thom<strong>as</strong> não evitou sorrir por sua vez.— Calculo que a sacola estava entreaberta, por singular ac<strong>as</strong>o.— Senhor, não me podem ser <strong>as</strong>sacad<strong>as</strong> responsabilidades por a fivelaestar mal apertada. Preocupei-me apen<strong>as</strong> em trazer-vos alguma informação.— E bem o fizeste. E de que trata a carta que por ac<strong>as</strong>o tiveste n<strong>as</strong>mãos?— É um pergaminho, d<strong>obra</strong><strong>do</strong> e sela<strong>do</strong>. No exterior não havia qualquerindicação <strong>do</strong> remetente.— Por ac<strong>as</strong>o reconheceste o selo?— Não, senhor.— Descreve-mo, então.— Uma cruz, senhor. Uma cruz com uma dentada em cada ponta.Thom<strong>as</strong> sentiu uma espécie de tontura e fechou brevemente os olhos,lutan<strong>do</strong> contra a maré de memóri<strong>as</strong> e imagens inesperad<strong>as</strong> e indesejad<strong>as</strong>que ameaçavam subjugá-lo. Ao mesmo tempo havia uma esperança an<strong>as</strong>cer-lhe no peito, alimentada pela curiosidade. Respirou profundamenteantes de voltar a abrir os olhos e contemplar o cria<strong>do</strong>.— Leva-o para a cozinha e dá-lhe de comer.— Senhor? — John arregalou os olhos. — M<strong>as</strong> trata-se de um estrangeiro.Não podemos confiar nele. Mandá-lo-ia embora sem delong<strong>as</strong>, sefosse a vós, senhor.— Ainda bem que não és, então. Depressa reinará a escuridão, e a estradapara Bishops Stortford deve estar gelada e escorregadia. Não seriaaceitável enxotá-lo. Nem seguro. Se <strong>as</strong>sim o pretender, diz-lhe que podep<strong>as</strong>sar aqui a noite. Dá-lhe comida e um leito. E diz-lhe que gostaria de falarcom ele, daqui a pouco.54
John resmungou, m<strong>as</strong> sabia perfeitamente que não devia contrariar oseu senhor. Thom<strong>as</strong> sorriu levemente.— Deve ter feito uma longa jornada para me encontrar. O mínimo quepodemos fazer é oferecer-lhe a hospitalidade desta c<strong>as</strong>a. Agora vai, e trata<strong>do</strong> homem.John baixou a cabeça e deixou o estúdio, fechan<strong>do</strong> a porta atrás de si.Enquanto os seus p<strong>as</strong>sos ecoavam pelo salão revesti<strong>do</strong> a painéis de carvalho,Thom<strong>as</strong> cofiou a barba, pensativo. Reconhecera perfeitamente a descriçãoque John fizera <strong>do</strong> selo. Era o emblema <strong>do</strong>s Cavaleiros Hospitalários.Ao fim de tantos anos de espera, a Ordem quebrava por fim o seu silêncio.Assim que abriu a porta da cozinha e entrou, percebeu que a rotina e isolamentoque tinham caracteriza<strong>do</strong> a sua vida nos anos mais recentes estavamtermina<strong>do</strong>s. Com <strong>as</strong> cost<strong>as</strong> para o fogo, o mensageiro estava debruça<strong>do</strong> sobreuma malga fumegante. Os olhos levantaram-se, curiosos, ao sentir aentrada <strong>do</strong> senhor da c<strong>as</strong>a, e levantou-se de imediato, enquanto limpava oslábios às cost<strong>as</strong> da mão. Era um sujeito entronca<strong>do</strong>, e uma cicatriz esbranquiçadacruzava-lhe a testa. O rosto era curti<strong>do</strong>, e a expressão firme m<strong>as</strong>educada; ainda <strong>as</strong>sim, Thom<strong>as</strong> percebeu que se tratava de um jovem, poucoalém <strong>do</strong>s vinte anos de idade. Um solda<strong>do</strong>, envelheci<strong>do</strong> antes de tempo,como sucedia com to<strong>do</strong>s os noviços que conseguiam sobreviver aos seusprimeiros anos na Ordem. Ainda envergava um manto pesa<strong>do</strong> e escuro,próprio de quem cavalgava pela noite. No ombro notava-se uma cruz branca,suja e manchada, cujos braços se alargavam antes de se dividirem emdu<strong>as</strong> pont<strong>as</strong>, uma por cada língua falada na Ordem.— Sir Thom<strong>as</strong> Barrett? Tenho uma mensagem para vós. Do Grão-Mestre.— O inglês era bom, embora com um sotaque carrega<strong>do</strong>, <strong>do</strong> Sul deFrança, calculou. Thom<strong>as</strong> anuiu e fez um gesto ao visitante, indican<strong>do</strong>-lheque se sent<strong>as</strong>se.Falou em francês.— Se não vos importardes, usaremos a língua mais comum na Ordem.— Com agra<strong>do</strong> o faço — retorquiu o mensageiro também em francês.Thom<strong>as</strong> acenou na direção <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is servos.— Eles pouco sabem da minha vida p<strong>as</strong>sada. Não gostaria que fossemespalhar boatos na aldeia. As cois<strong>as</strong> já são difíceis para os que se mantêmfiéis à Igreja de Roma.— Compreen<strong>do</strong>.Thom<strong>as</strong> virou-se para John.— Podes deixar-nos. E tu também, Hannah.Quan<strong>do</strong> a porta se cerrou, Thom<strong>as</strong>, de pé junto à ponta da mesa, encarouo mensageiro.55
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chard assentiu e apressou-se a desc
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elmo. Richard usava um modelo comum
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ferro penetrou no casco da galera e