Linguística Letras e Artes1 IntroduçãoÉ importante considerar que a forma mais comumde analisar a linguagem falada é por meio de gravaçõesde conversas entre pessoas. No entanto, de acordo comos estudos de Tannen (2003), as gravações nem semprecontribuem para um diálogo real, pois, ao saberem queestão sendo gravados, os informantes não agem comnaturalidade, o que se reflete na fala. Para que isso nãoaconteça, seria necessário fazer gravações secretas, massabemos que é uma medida que, além de não ser ética,encontra impedimentos legais.Diante dessa dificuldade de fazer gravações,escolhemos analisar um fragmento do texto teatral Aserpente, de Nelson Rodrigues, sob a ótica da “análise daconversação” e das estratégias observadas em conversaçõesreais. Essa escolha foi possível a partir do momentoque percebemos que as falas das personagens demonstramcaracterísticas próximas às naturaais. Nestetrabalho, cuidaremos somente da “preservação da face”,apoiados nos estudos de Goffman (2001) e de Marcuschi(2001) sobre os “marcadores conversacionais”.2 O diálogo literárioAo analisarmos um diálogo literário, precisamosnos ater, primeiro, ao contexto histórico em que é realizado.Essa informação é necessária para que possamoscompreender eventuais problemas linguísticos ligadosaos papéis sociais das personagens. Outras informações,como faixa etária, sexo, contexto geográfico (paraidentificar variação regional), grau de escolaridade,status e profissão, podem revelar-nos variações de linguagemdas personagens.É importante ressaltar ainda a “[…] situação decomunicação” (PRETI, 2004, p. 169), que apresenta elementospragmáticos antecedentes ou acompanhantesdas falas. Além disso, podemos encontrar também interatividadedurante o diálogo, tais como frases reticentes,expressões formulaicas, marcadores conversacionais,gírias e repetições, utilizados pelas personagens (querepresentam “falantes”) para demonstrar dissimulação,proximidade, afastamento ou intimidade.Conforme Preti (2004), é temerário afirmar que,estudando as obras literárias, estaríamos retratando alinguagem falada de uma determinada época. A partirdo momento que analisamos um texto literário, estamosescolhendo um autor que se deixou influenciar pela oralidadee registrou variantes que poderiam ocorrer emseu tempo.As variantes linguísticas podem ou não ter sidousadas propositadamente pelo autor. Isso, de fato, nãoimporta, pois nosso objetivo é verificar se há traços deoralidade nesse diálogo por ele construído e quais assemelhanças existentes com a fala natural das pessoas.330Dependendo da situação conversacional, em geral,existe alguma razão que leva uma pessoa a transmitiràs outras a impressão que lhe interessa (GOFFMAN,2001). O autor afirma que o indivíduo utiliza “máscarassociais”, que entendemos ser sua representação nocotidiano. As “máscaras” servem, por exemplo, paraajudá-lo em seu desempenho profissional. É relevantelembrar que, durante a interação, não é necessáriosomente construir essa imagem, mas também mantêla.Goffman identifica essa imagem social como “face”.Durante a interação, o falante usa estratégias (verbais ounão-verbais) para evitar ou corrigir situações de risco, oque chamamos de estratégias de “preservação da face”.Outra característica analisada no nosso trabalhosão os “marcadores conversacionais”. Apoiados nosestudos de Marcuschi (2001), tais marcadores podemser “verbais pré-posicionados e pós-posicionados” utilizadospelo falante para orientar o ouvinte, que, por suavez, pode utilizá-los também para orientar o falante.Assim, o autor indica os seguintes sinais do ouvinte:convergentes, indagativos e divergentes. O estudo aquidesenvolvido analisará somente os “marcadores verbaispré-posicionados”, que podem ocorrer em início deturno ou de unidade comunicativa. Ele assevera aindaque “[…] o poder comunicativo de tais sinais é imenso, eum ouvinte, mesmo entendendo mal uma língua, podesustentar um ‘diálogo’ por longo tempo, emitindo corretamenteos sinais do ouvinte”(MARCUSCHI, 2001). Oautor cita: “olha, veja, bom, mas eu, eu acho, não não,peraí, certo,mas, você esquece, como assim?”, comoalguns exemplos desses marcadores.É importante destacar que, ao analisarmos a obra,não estamos utilizando nenhum tipo de crítica literária.Nosso objetivo é verificar como a língua literária podeoferecer exemplos expressivos de interação entre as personagense como elas se aproximam da fala natural.3 Metodologia/Materiaise métodosPara realizarmos a análise, escolhemos um trechoda peça A serpente (p. 58-63), de Nelson Rodrigues,que retrata a conversa das irmãs Lígia e Guida. Asduas moravam, com seus respectivos maridos, em ummesmo apartamento (presente de casamento do pai).Lígia e seu marido tiveram uma discussão, que levou ocasal a se separar. Guida entra no apartamento e Lígiainicia o relato do acontecimento:LÍGIA — Ah, Guida! Você chegou no pior momento.Nunca houve um momento tão errado!GUIDA — Não fala assim. Olha para mim, Lígia. Vocêe Décio brigaram?LÍGIA — O que você acha?III Seminário Nacional de Pesquisa, 2009.
GUIDA — Não acho nada. Parece que está todomundo louco nesta casa. Cheguei da missa quandoDécio ia saindo. Não falou comigo, aquele imbecil.Cumprimentei, e nem deu bola. Você me recebe comonem sei o quê. Afinal, o que houve?LÍGIA — Nos separamos.GUIDA — Quem?LÍGIA — Ora, quem! Guida, quer me fazer um favor? Vápara o seu quarto. Depois conversaremos.GUIDA — Você e Décio? E tão de repente? Não acreditoque vocês tenham se separado. Você teria me faladoantes. Outro dia, eu disse a Paulo: — “Lígia não meesconde nada”. Mas, escuta. Papai sabe?LÍGIA — Sabe como? Nem desconfia.GUIDA — E o amor?LÍGIA — Que amor?GUIDA — O amor de vocês. Nunca, até este dia, vocêse queixou do seu casamento. Até agora, você não disseuma palavra contra o Décio.LÍGIA — Um canalha.GUIDA — Só hoje você descobriu que é um canalha?LÍGIA — Você fala do nosso amor. Quero que saiba oseguinte. Décio disse, antes de ir embora, que papaié uma múmia, com todos os achaques das múmias.(Violenta) E, então, eu descobri tudo. Papai é a múmia.Por isso ele podia achar que eu e Décio éramos felicíssimos.Mas você, que não é múmia, você tinha obrigaçãode enxergar a verdade, Guida!GUIDA — Mas criatura, nós moramos no mesmo apartamento.Uma parede separa as tuas intimidades dasminhas.LÍGIA — Por isso mesmo. Ouve-se no meu quarto tudoo que acontece no teu. Chega a ser indecente. Ouço osteus gemidos e os de Paulo. Mas você nunca ouviu osmeus. Simplesmente porque no meu quarto não há isso.Esse mistério nunca te impressionou?GUIDA — Mas Paulo, que também não é múmia, achavocê felicíssima.LÍGIA — Se parecíamos felizes, é porque somos doiscínicos.GUIDA — Não acredito.LÍGIA — Está me chamando de mentirosa?GUIDA — Lígia, vamos fazer o seguinte. Você quer queeu fale com teu marido?LÍGIA (chocadíssima) — O quê?GUIDA – Ou que Paulo fale?LÍGIA — Você acha que eu devo fazer as pazes com umcanalha? Você sabe quando o nosso casamento acabou?GUIDA — Não chora.Linguística Letras e ArtesLÍGIA (chorando) — Na primeira noite em que dormimosna mesma cama. Quando ele disse para mim:— “Vamos dormir”, eu me senti perdida.GUIDA — Você quer dizer que Décio não é homem?LÍGIA — Para as outras, talvez. Para mim, nunca.GUIDA —Tão másculo!LÍGIA — Você sabe, a olho nu, quando o homem é másculo?GUIDA — E, agora, o que é que você vai fazer?LÍGIA — Nada.GUIDA — Não é resposta.LÍGIA — Então, me diga: — o que é que vou fazer?(Novo tom) Eu sei o que vou fazer. Mas é uma coisa quesó eu sei.GUIDA – Segredo. E eu não posso saber?LÍGIA — Não pode saber.GUIDA — Quer dizer que você não acredita mais emmim? (Lígia baixa a cabeça. Pausa. Fala.)LÍGIA — Acredito mais do que nunca.GUIDA — Quero saber tudo o que houve entre você eseu marido.LÍGIA (aos gritos) — Ele me esbofeteou. Torcia meu braçoe com a mão livre me batia na cara. Eu guardei a minhavirgindade para o bem-amado. E o tempo passando, eeu cada vez mais virgem. Hoje, ele falou, rindo: — “Dizque és uma puta”. Respondi: — “Sou uma prostituta”.Berrou: — “Puta!” E eu disse: — “Sou uma puta!” Basta!(Lígia cai de joelhos. Guida vai fazer sua ária.)GUIDA — Você foi sempre tudo para mim. Um dia, eute disse: — “Vamos morrer juntas?” E você respondeu:— “Quero morrer contigo”. Saímos para morrer. Derepente eu disse: — “Vamos esperar ainda”. E eu preferiaque todos morressem. Meu pai, minha mãe, menosvocê. E se você morresse, eu também morreria. Mas tivemedo, quando você se apaixonou e quando eu me apaixonei.(Lígia levanta-se. Guida recua.)GUIDA (arquejante) — Você não pode ficar sozinha.LÍGIA — Já estou sozinha.GUIDA — E eu?LÍGIA — Você tem seu marido. Seu marido é tudo paravocê. Eu não sou tudo para você. Ou sou?GUIDA — Meu marido é tudo para mim. Você é tudopara mim.LÍGIA — Escuta.GUIDA — Você sabe.LÍGIA — Agora me deixa falar. Sabe o que eu vou fazer?Tão fácil, tão simples morrer. Tomei horror da vida.Guida, eu não fui feita para viver.GUIDA — Se você se matar. Você está pensando emmorrer?III Seminário Nacional de Pesquisa, 2009. 331
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