Linguística Letras e ArtesLÍGIA — Talvez.GUIDA – Moramos num décimo segundo andar. Sevocê se atirar, eu me atiro.LÍGIA – Jura?GUIDA – Juro.LÍGIA – Mentirosa. Deixando teu marido, não. Teumarido é muito mais importante do que a morte. Ouvocê pensa que não sei, não vejo, não escuto?GUIDA – Deixa eu te dizer uma coisa.LÍGIA (violenta) – Quem fala sou eu. Você se lembra donosso casamento? Na mesma igreja, na mesma hora, nomesmo dia, mesmo padre. Quando te olhei na igreja,senti que a feliz eras tu. E senti que amavas mais do queeu, e que eras mais amada do que eu.GUIDA – Mas escuta! Escuta!LÍGIA – É esta a verdade. Você saiu da igreja com essafelicidade nojenta.GUIDA (atônita) – Você está me odiando?LÍGIA (selvagem) – Quantas vezes, você me disse: - “Eusou a mulher mais feliz do mundo”. Só você podia ser amulher mais feliz do mundo. Eu, não.GUIDA – Mas eu não tive nenhuma intenção de…. Lígia,você me conhece e sabe. Eu só quero te ajudar, Lígia.LÍGIA – Você só me daria a vida, a morte, no dia em queeu pedisse para morrer contigo? Ou foi você que pediupara morrer comigo?GUIDA – Lígia, deixa eu te dizer uma palavra?LÍGIA – Fica com tua felicidade e me deixa morrer.GUIDA – Quer me ouvir?LÍGIA – Como você é hipócrita?GUIDA (chorando) – Lígia, nunca duas irmãs se amaramtanto. (Lígia corre para a janela.)GUIDA – Não, Lígia! Volta!LÍGIA – Não dê um passo que eu me atiro. (Elevandoa voz) Você está pensando: - “ Essa fracassada não semata”. Você se julga a mulher mais feliz do mundo e amim a mais infeliz. Tão infeliz, que tive de me deflorarcom um lápis. Quantas vezes, te vi entrando no quartocom teu marido.GUIDA (veemente) – Não precisa contar o que eu façocom o meu marido.LÍGIA – Sai do meu quarto, anda! Ou fazes questão deme ver me atirando daqui? Queres ver, é isso?GUIDA – Lígia, faça o que você quiser, mas escuta umminuto. Você quer ser feliz como eu, quer? Por umanoite? Olhe para mim, Lígia. Quer ser feliz por umanoite?LÍGIA – Você não sabe o que diz.GUIDA – Te dou uma noite, minha noite. E você nuncamais, nunca mais terá vontade de morrer.332LÍGIA – É impossível que…. Fale claro. O que é que vocêestá querendo dizer?GUIDA – É o que você está pensando, sim.LÍGIA (atônita) – Paulo?GUIDA – Paulo. (Lígia sai da janela. Vem conversar comGuida.)LÍGIA – Olha pra mim. Você está me oferecendo umanoite com Paulo? Sexo, como você mesma faz com ele?Por uma noite eu seria mulher de Paulo? É isso?GUIDA – É isso.LÍGIA – Mas nunca houve entre nós nada que… Comouma noite, se ele não me olhou, não me sorriu, nãoreteve a minha mão? E, de repente, acontece tudo entrenós? E ele quer, sem amor, quer?GUIDA – O homem deseja sem amor, a mulher desejasem amar.Ao analisarmos o diálogo literário, verificamos ascaracterísticas que se aproximam da conversação natural.Dessa forma, necessitamos de algumas informaçõesque se referem ao tema, contexto, local, à natureza dosfalantes, da situação de comunicação etc. No caso dotexto teatral, as próprias falas das personagens demonstramsuas características e nos ajudam a compreender asituação conversacional.4 AnáliseO texto de Nelson Rodrigues não nos ofereceinformações sobre o contexto histórico ou geográficoem que o diálogo é realizado. No desenrolar da história,identificamos, nas falas das irmãs Lígia e Guida,algumas informações, tais como o casamento das duasque ocorreu no mesmo dia e o presente de casamentodo pai (um apartamento). Por esse motivo, os dois casaismoram juntos.4.1 MacroanáliseO diálogo das irmãs demonstra que sempre houvebom relacionamento entre as duas. Percebemos tambémque a convivência dos casais era tranquila até ocorrer adiscussão entre Lígia e Décio. Outra característica, quenos é apresentada nesse diálogo, é o fato de Guida estarchegando da missa e encontrar com Décio saindo decasa, o que nos leva a concluir que ela segue uma religião,o catolicismo. Encontramos outro indício sobre a religiãodas duas, ao mencionarem a cerimônia matrimonial.As personagens se envolvem em uma conversaçãocujo desfecho se dá quando Guida, no desespero dever Lígia quase cometendo suicídio, oferece seu maridopara ter uma noite de amor com a irmã. Entendemosque a situação conversacional é muito delicada. Assim,o diálogo das personagens demonstra toda a tensão.III Seminário Nacional de Pesquisa, 2009.
4.2 MicroanáliseAnalisamos as características da conversaçãonatural que nos são apresentadas no diálogo, resultantesde um processo interativo.Sabemos que a língua escrita é planejada, o que adistingue da falada. Podemos dizer que, na oralidade,também é possível existir planejamento. No entanto, ésomente planejamento prévio, pois, ao iniciarem a interação,os interlocutores replanejam constantemente seudiscurso para chegar ao objetivo desejado. Preti (2004)admite, apoiado nos estudos de Kock, que “[…] a conversaçãoé relativamente não planejável de antemão,o que decorre, justamente, de sua natureza altamenteinteracional; assim ela é localmente planejada, isto é,planejada e replanejada a cada novo ‘lance’ do jogo.”Percebemos que as personagens utilizam, conformemencionado no capítulo anterior, “marcadoresconversacionais verbais”. De acordo com Marcuschi(2001), esses marcadores em início de turno e de unidadecomunicativa servem para “monitorar o ouvinte”.No texto analisado, encontramos muitas ocorrênciasdesse tipo de marcador:GUIDA — Você e Décio? E tão de repente? Nãoacredito que vocês tenham se separado. Você teria mefalado antes. Outro dia, eu disse a Paulo: — “Lígia nãome esconde nada”. Mas, escuta. Papai sabe?Trata-se de um marcador verbal pré-posicionadocom ocorrência em início de unidade comunicativa. Afunção deste marcador, de acordo com o que foi anteriormenteposto, é orientar o ouvinte.Em seguida, percebemos outro trecho em queGuida toma o turno de Lígia após esta utilizar um marcadorconversacional:GUIDA — Meu marido é tudo para mim. Você é tudopara mim.LÍGIA — Escuta.GUIDA — Você sabe.LÍGIA — Agora me deixa falar. Sabe o que eu voufazer? Tão fácil, tão simples morrer. Tomei horror davida. Guida, eu não fui feita para viver.É possível identificar a interrupção de Guidaapós a tomada de turno de Lígia. Por isso, Lígia retomao turno usando novamente um marcador “agora medeixa falar”. É importante ressaltar que o texto apresentaoutros marcadores com funções similares, maspretendemos apresentar alguns deles somente paraexemplificar como a língua falada ocorre no diálogoliterário.Outra característica identificada no trecho escolhidopara análise é a “preservação de face”, baseadana teoria de Goffman (2001) anteriormente apresentadaLinguística Letras e Artesneste trabalho. O fragmento abaixo nos leva a compreenderque Lígia se interessa pela proposta da irmã; noentanto, é um assunto muito delicado que põe em riscosua “imagem social”. Diante de tal situação, Lígia utilizauma frase interrompida “mas nunca houve entrenós nada que” para demonstrar seu constrangimento:(Lígia sai da janela. Vem conversar com Guida.)LÍGIA – Olha pra mim. Você está me oferecendo umanoite com Paulo? Sexo, como você mesma faz com ele?Por uma noite eu seria mulher de Paulo? É isso?GUIDA – É isso.LÍGIA – Mas nunca houve entre nós nada que…. Comouma noite, se ele não me olhou, não me sorriu, nãoreteve a minha mão? E, de repente, acontece tudo entrenós? E ele quer, sem amor, quer?GUIDA – O homem deseja sem amor, a mulher desejasem amar.É possível notar que, além de Lígia preservar suaface, Guida tenta, também, salvar a face da irmã, poisela acaba justificando que tanto homem quanto mulherpodem ter relações sexuais, mesmo sem existir amorentre os dois.5 Considerações finaisA análise que realizamos no pequeno trecho daobra A serpente, de Nelson Rodrigues, contribui paraconfirmar a existência de marcas da língua falada nodiálogo literário. Sob essa perspectiva, observamos queas falas das personagens apresentam marcadores conversacionais,característica marcante da modalidadeoral da língua. Identificamos ainda uma estratégia conversacional,muito utilizada pelo falante para manter asua imagem social, a preservação da face.O fragmento que utilizamos, da obra de NelsonRodrigues, possibilita-nos pesquisar outras obras desseautor em busca de mais evidências de marcas de oralidade.Isso porque as falas analisadas parecem ter sidocuidadosamente elaboradas para demonstrar característicasde um diálogo espontâneo.ReferênciasMARCUSCHI, L. A. Análise da conversação. São Paulo:Ática, 2001.PRETI, D. Estudos de língua oral e escrita. Rio de janeiro:Lucerna, 2004.TANNEN, D. Só estou dizendo isso porque gosto de você.Tradução Cláudia Lopes. São Paulo: Arx, 2003.III Seminário Nacional de Pesquisa, 2009. 333
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