vera dantas guerrilha tecnológica - MCI
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C<br />
CAPÍTULO 6<br />
A BANDEIRA<br />
omo em todo início de ano, o Rio era uma festa de sol e calor no verão de 1976.<br />
As praias estavam apinhadas de gente bronzeada e bonita. Os hotéis, cheios de<br />
turistas vermelhões. Somente aquele alemão, de terno, sentado no saguão do suntuoso<br />
Hotel Sheraton, desde as 9 horas da manhã, destoava. Ele esperava - e já esperava<br />
há duas horas - por alguns brasileiros com os quais deveria acertar os últimos<br />
detalhes de uma importante negociação. Niels Eskelson, o alemão, era procurador<br />
jurídico da Nixdorf, o maior fabricante de computadores de seu país, prestes a<br />
aceitar uma associação minoritária com o estado brasileiro. Esperava por técnicos<br />
da Digibrás, a empresa nascida da cabeça do ministro Velloso e que, três anos<br />
depois de criada, ainda não conseguira cumprir o seu objetivo de pôr para funcionar<br />
uma fábrica nacional de computadores. Certamente, pensando que se confirmaram as<br />
advertências que recebera quanto ao pouco amor dos brasileiros pelo relógio,<br />
Eskelson decidiu que o melhor a fazer era botar um calção, mergulhar na piscina e<br />
afastar a contrariedade com "marravilhosas caipirrinhas".<br />
Às duas horas da tarde, quando Eskelson se preparava para enfrentar uma<br />
feijoada, chegam com as caras mais sorridentes e as desculpas mais esfarrapadas,<br />
Jacques Scvirer e Victor Moreno, respectivamente, gerente de Operações Industriais<br />
e assessor da Diretoria Técnica da Digibrás. Tinham por tarefa identificar<br />
oportunidades industriais para a fabricação de equipamentos digitais no país. Era<br />
um trabalho bastante abrangente e, para eles, educativo, envolvendo desde a<br />
sensibilização do empresário nacional em relação à potencialidade da informática<br />
como uma indústria lucrativa até a condução de todo o processo de escolha de<br />
produto e negociação da tecnologia.<br />
Obviamente, eles não disseram a Eskelson os verdadeiros motivos de tanto<br />
atraso. Haviam passado toda a manhã discutindo os prós e contras daquela<br />
associação, na qual viam mais contras do que prós. Não só eles mas a maioria do<br />
corpo técnico da Digibrás punha sérias dúvidas na formação de qualquer jointventure,<br />
como a melhor opção para deslanchar uma indústria de computadores no<br />
Brasil. Preferiam acordos de cessão de tecnologia. Além do mais, entenderam que as<br />
negociações com a Nixdorf atendiam, em primeiro lugar, às necessidades da<br />
Volkswagen que queria utilizar, no Brasil, os mesmos computadores de entrada de<br />
dados empregados em suas revendas na Alemanha. E, para reforçar suas antipatias, a<br />
Nixdorf se recusava a ceder a tecnologia de sua máquina mais avançada, de 16 bits.<br />
Só concordava com a fabricação aqui do computador 8820, de oito bits. Ora, o Brasil<br />
já tinha capacitação para projetar uma máquina de oito bits, essa tecnologia não<br />
interessava! Conclusão: além de atrasados, Jacques e Victor, foram para o encontro<br />
com Eskelson decididos a bombardear a negociação. E, assim, tudo o que o alemão<br />
conseguiu de melhor foi conhecer as excelências de um prato de feijão com forte<br />
tempero.<br />
Embora não tivessem maiores ligações com a comunidade acadêmica ou com o<br />
pessoal da Capre, Jacques, Vitor e outros técnicos da Digibrás não estavam alheios<br />
ao que se passava e, sobretudo, descreviam-se na apolítica obrigação de defender o<br />
que consideravam ser o melhor para a empresa onde trabalhavam. Acontece que a<br />
possibilidade de um acordo entre a Digibrás e a Nixdorf, ainda mais naqueles<br />
termos, não só desagradava o corpo técnico da estatal, como era motivo de muita<br />
irritação para gente mais graúda: Saur e Marcos Vianna. Este inclusive já fizera o