13.05.2013 Views

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

REVELL – Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Literários da UEMS, Ano 01, número 1. ISSN: 2179-4456<br />

sabemos não se tratar <strong>de</strong> nenhum fato <strong>de</strong> sua vida pessoal, por não po<strong>de</strong>rmos afirmar nada<br />

acerca <strong>de</strong> seu passa<strong>do</strong>, a não se que Santiago mesmo nos conta em algumas entrevistas 33 .<br />

Entretanto, Lejeune em sua máxima <strong>de</strong>terminista <strong>do</strong> gênero chega a nos afirmar que “[...] a<br />

autobiografia não comporta graus: é tu<strong>do</strong> ou nada” (LEJEUNE, 2008, p. 25), mesmo assim,<br />

quero resgatar textos anteriores as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> Lejeune, em que esse tipo <strong>de</strong> discussão que a<br />

autoficção vem a nos suscitar ainda não tinha lugar teórico, como é o caso das obras <strong>de</strong> Jean<br />

Genet ou mesmo <strong>de</strong> André Gi<strong>de</strong>, somente para citar <strong>do</strong>is exemplos. De Jean Genet, escolhi<br />

um trecho, que além <strong>de</strong> contestar a afirmativa <strong>de</strong> Lejeune, será subsídio para minha proposta<br />

baseada em Jacques Derrida sobre o tempo e a memória, como veremos na parte seguinte:<br />

Se tento recompor com palavras a minha atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> então, o leitor, não mais <strong>do</strong> que<br />

eu, se <strong>de</strong>ixará enganar. Sabemos que a nossa linguagem é incapaz <strong>de</strong> sequer lembrar<br />

o reflexo daqueles esta<strong>do</strong>s <strong>de</strong>funtos, estranho. O mesmo se daria com este diário<br />

inteiro se ele tivesse <strong>de</strong> ser a notação <strong>do</strong> que eu fui. Por isso esclareço que ele <strong>de</strong>ve<br />

informar sobre quem sou hoje quan<strong>do</strong> o escrevo. Não constitui uma busca <strong>do</strong> tempo<br />

passa<strong>do</strong>, mas uma obra <strong>de</strong> arte cuja matéria-pretexto é minha vida <strong>de</strong> outrora. Há <strong>de</strong><br />

ser um presente fixa<strong>do</strong> com a ajuda <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, não o inverso. Saiba-se, pois, que os<br />

fatos foram o que eu <strong>de</strong>screvo, mas a interpretação que <strong>de</strong>les extraio é o que sou –<br />

agora. (GENET, 1983, p. 68)<br />

Notável é a luci<strong>de</strong>z <strong>de</strong> Genet ao nos confessar que po<strong>de</strong> informar sobre o passa<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong>le com vistas ao que ele é hoje. O autor <strong>de</strong>ixa claro que não há o resgate <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>, apesar<br />

<strong>de</strong> tratar <strong>de</strong> fatos que ocorreram em sua vida <strong>de</strong> outrora.<br />

Porém a <strong>de</strong>monstração teórica <strong>de</strong> Lejeune para negar a possibilida<strong>de</strong> da leitura <strong>de</strong><br />

uma autobiografia com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ficcionalização cria conceitos que a distanciam <strong>de</strong><br />

sua <strong>de</strong>finição <strong>do</strong> gênero, e esses conceitos têm muito a contribuir para exatamente abrir um<br />

espaço <strong>de</strong> leitura ficcionais para estes textos, o primeiro <strong>de</strong>les é o pacto fantasmático, opon<strong>do</strong><br />

ao pacto autobiográfico, fruto <strong>de</strong> suas elaborações teóricas: “[...] a[o] ler os romances não<br />

apenas como ficções remeten<strong>do</strong> a uma verda<strong>de</strong> da ‘natureza humana’, mas também como<br />

fantasmas revela<strong>do</strong>res <strong>de</strong> um indivíduo. Denominarei essa forma indireta <strong>de</strong> pacto<br />

autobiográfico, pacto fantasmático.” (LEJEUNE, 2008, p. 43, grifos <strong>do</strong> autor). Percebemos<br />

aqui uma preocupação com a verda<strong>de</strong>, porém essa verda<strong>de</strong> não existe para o sujeito<br />

fragmentário, po<strong>de</strong>ria existir verda<strong>de</strong>s, ou a verda<strong>de</strong> poética, como <strong>de</strong>terminará o próprio<br />

Silviano Santiago ao fim <strong>de</strong>sta parte. Portanto, esses fantasmas, e porque não espectros, para<br />

nos utilizarmos da <strong>de</strong>sconstrução, criam uma fissura no corpo teórico <strong>de</strong> Lejeune, o pacto<br />

fantasmático é a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma autobiografia na qual o ficcional tem espaço, mesmo<br />

33 Cf. entrevista concedida em 2 <strong>de</strong> maio <strong>de</strong> 2002 a Helena Bomery e Lúcia Lippi Oliveira com Silviano<br />

Santiago. Mesmo nessa entrevista que consi<strong>de</strong>ro como mais uma história mal contada, o escritor se permite mais<br />

<strong>de</strong> uma elaboração <strong>de</strong> si mesmo, por exemplo, ao reconsi<strong>de</strong>rar o efeito <strong>de</strong> seu trauma relaciona<strong>do</strong> a sua mãe em<br />

sua própria história.<br />

110

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!