13.05.2013 Views

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

Anais do I- EEL - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

REVELL – Revista <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Literários da UEMS, Ano 01, número 1. ISSN: 2179-4456<br />

Segun<strong>do</strong> Julio Jeha, "[...] os monstros <strong>de</strong>sempenham, reconhecidamente, um papel<br />

político como mantene<strong>do</strong>r <strong>de</strong> regras sociais" (2007, p. 18); eles constituem uma manobra para<br />

<strong>de</strong>limitar fronteiras, estabelecen<strong>do</strong> proibições para alguns comportamentos e valorizan<strong>do</strong><br />

outros. O corpo monstruoso constitui "[...] uma narrativa dupla, duas histórias vivas: uma que<br />

<strong>de</strong>screve como o monstro po<strong>de</strong> ser e outra – seu testemunho – que <strong>de</strong>talha a que uso cultural o<br />

monstro serve" (COHEN, 2000, p. 42).<br />

Em Um rio chama<strong>do</strong> tempo, uma casa chamada terra, <strong>de</strong> Mia Couto, a personagem<br />

Dito Mariano, ao se transformar em um monstro – um morto-vivo a quem a terra rejeita – em<br />

<strong>de</strong>corrência da perda <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, adverte <strong>do</strong>s caminhos pelos quais não se <strong>de</strong>ve seguir,<br />

chaman<strong>do</strong> atenção para fronteiras que não se <strong>de</strong>vem cruzar. Ele materializa um castigo<br />

funda<strong>do</strong> em uma transgressão.<br />

Com o intuito <strong>de</strong> realizar a tarefa <strong>de</strong> exorcizar o monstro em que se transformou Dito<br />

Mariano, cabe a Marianinho – manifestação física <strong>do</strong> duplo <strong>do</strong> avô – a reinvenção da<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural, por meio <strong>do</strong> resgate <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> e das tradições, sem que com isso se<br />

conduza à recuperação <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> cultural anterior pura, fundada em formas <strong>de</strong><br />

representação e significação imutáveis e estáveis.<br />

O monstro corporifica um momento cultural e possibilita a realização <strong>de</strong> uma leitura<br />

da cultura a partir das relações que o geram. Sen<strong>do</strong> assim, os comportamentos que<br />

<strong>de</strong>monstram o extravio da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Dito Mariano e que levaram à sua transformação em<br />

um ser monstruoso revelam limites e traçam fronteiras que não <strong>de</strong>vem ser transpostas na<br />

busca pela construção <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> moçambicana.<br />

2. A MONSTRUOSA TRANSFORMAÇÃO<br />

Um rio chama<strong>do</strong> tempo, uma casa chamada terra, <strong>de</strong> Mia Couto, conta a trajetória <strong>de</strong><br />

Marianinho ao retornar à ilha <strong>de</strong> Luar-<strong>do</strong>-Chão, por motivo <strong>do</strong> falecimento <strong>do</strong> avô, Dito<br />

Mariano. Como neto preferi<strong>do</strong>, her<strong>de</strong>iro <strong>do</strong> nome, Marianinho foi escolhi<strong>do</strong> pelo avô para<br />

conduzir as cerimônias <strong>do</strong> funeral. Entretanto, o esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> faleci<strong>do</strong> – porta<strong>do</strong>r assintomático<br />

<strong>de</strong> vida – requer a postergação in<strong>de</strong>finida das cerimônias fúnebres. A dificulda<strong>de</strong> <strong>de</strong> transição<br />

<strong>do</strong> morto transforma-o em um monstro, um ser híbri<strong>do</strong> – nem morto, nem vivo – que resiste a<br />

uma "[...] classificação construída com base em uma hierarquia ou em uma oposição<br />

meramente binária"; ele "[...] <strong>de</strong>sintegra a lógica silogística e bifurcante <strong>do</strong> 'isto ou aquilo',<br />

por meio <strong>de</strong> um raciocínio mais próximo <strong>do</strong> 'isto e/ou aquilo'" (COHEN, 2000, p. 30-32).<br />

O monstro corporifica uma advertência, uma interdição <strong>de</strong> um comportamento. Ele<br />

38

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!