Desenhos <strong>de</strong> uma vida: o percurso biográfico <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> 36 Capítulo 2 A Arquitectura Portuguesa este historicismo mereceu um panegírico do redactor para com o proprietário pela opção estética nacional 122 . Confirmamos, assim, que no campo <strong>de</strong> uma chamada arquitectura tradicional, na década <strong>de</strong> 20, subsistia ainda um mo<strong>de</strong>lo histórico- culturalista, baseado no século XVIII. Na realida<strong>de</strong> todos os primeiros trabalhos <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> — em gran<strong>de</strong> parte publicados na revista A Arquitectura Portuguesa 123 — reportam-nos a um cânone tradicional, cujo corolário terá sido o Mercado <strong>de</strong> Ponte <strong>de</strong> Lima 124 , como veremos. Outros edifícios <strong>de</strong>ste período alcançaram notorieda<strong>de</strong>. Nomeadamente, duas habitações <strong>de</strong>stinadas aos magistrados locais, construídas na vila <strong>de</strong> Serpa, em 1928. Referimo-nos a duas pequenas moradias térreas, <strong>de</strong> feição tradicional, mais uma vez perfeitamente imbuídas do espírito ―casa portuguesa‖, construídas em quarteirões contíguos. Entre Agosto e Outubro alguns <strong>de</strong>senhos das mesmas casas foram publicados em A Arquitectura Portuguesa 125 e já em Janeiro <strong>de</strong> 1929 apareciam na revista francesa Comment construire sa maison 126 , surgindo também na revista brasileira A Casa 127 . A divulgação internacional <strong>de</strong>stes projectos, para além do valor técnico dos mesmos, relacionou-se com a manutenção <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>los arquitectónicos tradicionais em contextos culturais estrangeiros, como já apontou Nuno Rosmaninho 128 . 122 ―Arquitectura Tradicional Portuguesa – Casa do Sr. António Joaquim Palma na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Beja‖ em (…), Lisboa, n.º 7, ano XVIII, Julho <strong>de</strong> 1925, p. 25 a 6. 123 Para além dos projectos citados ao longo do texto foram também publicados, na revista A Arquitectura Portuguesa, por or<strong>de</strong>m cronológica: ―Arquitectura Tradicional Portuguesa – (…) Ante-projecto para a transformação <strong>de</strong> uma casa velha existente na rua <strong>de</strong> Mértola, em Beja, pertencente ao Sr. Francisco Romana‖ [arquitectos <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> e Fre<strong>de</strong>rico <strong>de</strong> Carvalho], em A Arquitectura Portuguesa - …, Lisboa, n.º 2, ano XIX, Fevereiro <strong>de</strong> 1926, p. 2,3 e Estampa; ―Arquitectura Tradicional Portuguesa – O gran<strong>de</strong> casino nas Termas <strong>de</strong> S. Pedro do Sul‖, em (…), Lisboa, n.º 1, ano XX, Janeiro <strong>de</strong> 1927, p. 49 a 51 e estampa; ―Arquitectura Tradicional Portuguesa – Projecto <strong>de</strong> um Gran<strong>de</strong> Hotel para as Termas <strong>de</strong> S. Pedro do Sul‖, em (…), n.º 8, ano XX, Junho <strong>de</strong> 1927, p. 21 a 23 e estampa. ―Projecto <strong>de</strong> dois edifícios <strong>de</strong> habitação na Covilhã‖, em (…), Lisboa, n.º12, ano XXI, Dezembro <strong>de</strong> 1928, estampa e n.º 1, ano XXII, Janeiro <strong>de</strong> 1929, p. 5 a 6.―Estilo tradicional português – projecto dum «Monte Alentejano» <strong>de</strong>stinado a habitação do lavrador‖, em (…), Lisboa, n.º 7, ano XXII, Julho <strong>de</strong> 1929, p. 54 a 56; ―Adaptação duma velha construção abarracada a uma boa casa <strong>de</strong> moradia em beja‖, em (…), Lisboa, n.º 3, ano XXIII (2ª série), Março <strong>de</strong> 1930, p. 17 a 18; ―Projecto <strong>de</strong> um asilo para raparigas a construir em Serpa pela Ex. ma Sr.ª D. Mariana Nunes e Castro‖, em (…), Lisboa, n.º 5, ano XXV (2ª série), Maio <strong>de</strong> 1932, p. 35 a 36; ―Projecto <strong>de</strong> uma casa <strong>de</strong> habitação própria, na rua Emília das Neves, 8 - Benfica‖ [arquitecto <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>], em (…), Lisboa, n.º 11, ano XXII, Novembro <strong>de</strong> 1929, p. 90 a 92. 124 ―Mercado Municipal <strong>de</strong> Ponte <strong>de</strong> Lima‖ [arquitecto <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>], em Arquitectura Portuguesa – revista mensal <strong>de</strong> construção e <strong>de</strong> arquitectura prática, Lisboa, n.º 7, ano XXIV (2ª série), Julho <strong>de</strong> 1931, p. 49 a 50 e p. 55 125 Arquitectura Tradicional Portuguesa — Projecto <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> habitação para os magistrados, na vila <strong>de</strong> Serpa‖, em Arquitectura Portuguesa – revista mensal da arte arquitectural antiga e mo<strong>de</strong>rna, Lisboa, n.º8, ano XXI, Agosto <strong>de</strong> 1928, n.º 28, 29 e Estampa; ―Arquitectura Tradicional Portuguesa — Projecto <strong>de</strong> outra habitação para os magistrados, na vila <strong>de</strong> Serpa‖, em (…), Lisboa, n.º8, ano XXI, Outubro <strong>de</strong> 1928, p. 37, 38 e Estampa. 126 ―Project d’habitation pour un magistrat <strong>de</strong> la ville <strong>de</strong> Serpa – M. <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>‖, em Comment construire sa maison, Paris, n.º 49, 6éme année, 1929, p. 29. 127 ―Projecto <strong>de</strong> casa <strong>de</strong> habitação para os magistrados, na vila <strong>de</strong> Serpa‖, A casa - revista mensal ilustrada <strong>de</strong> engenharia, arquitectura e arte <strong>de</strong>corativa, Rio <strong>de</strong> Janeiro, Janeiro <strong>de</strong> 1929, p. 26. 128 ROSMANINHO. Nuno, ―A «Casa Portuguesa» e outras ―Casas nacionais», em Revista da <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Aveiro – Letras, Aveiro, <strong>Universida<strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> Aveiro, n.º 19/20, 2002/2003, p. 225-250.
Desenhos <strong>de</strong> uma vida: o percurso biográfico <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> Imagem 13 Comment construire sa maison – Artigo com projecto <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> “Project d’habitation pour un magistrat <strong>de</strong> la ville <strong>de</strong> Serpa” em Comment construire sa maison, Paris, n.º 49, 6éme année, 1929, p. 29 37 Capítulo 2 Ainda no ano <strong>de</strong> 1928, <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> veria inaugurado o seu pavilhão para a firma <strong>de</strong> cosmética Ach. Brito, no Salão <strong>de</strong> Elegância Feminina e Artes Decorativas, organizado pela revista Voga e pela SNBA 129 . Essa estrutura rompeu com o passado da obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, afirmando o dinamismo do movimento ―art <strong>de</strong>co‖, com o qual o arquitecto já <strong>de</strong>monstrava familiarida<strong>de</strong>. A obra efémera, mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>corador do que <strong>de</strong> arquitecto, anunciava uma viragem estética. Em jeito <strong>de</strong> síntese, a primeira fase da carreira <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, correspon<strong>de</strong>nte grosso modo aos anos 20, foi caracterizada pela adopção <strong>de</strong> um mo<strong>de</strong>lo tradicional, por vezes associado à corrente ―casa portuguesa‖. Será <strong>de</strong> referir a parceria com Fre<strong>de</strong>rico <strong>de</strong> Carvalho, arquitecto ainda <strong>de</strong>sconhecido, mas que nos parece ter tido influência nessa opção programática <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>. Nesta fase inicial, os principais núcleos <strong>de</strong> produção (e <strong>de</strong> origem das encomendas) foram as Beiras e o Alentejo. No final dos anos 20, ainda assistimos a uma aproximação pontual, <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, ao movimento artes <strong>de</strong>corativas. No entanto, somente na próxima década a abertura plena à mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> seria consumada. 129 SANTOS, Rui Afonso, ―O Design e a Decoração em Portugal 1900-1994‖ em História da Arte Portuguesa, dir. Paulo Pereira, Lisboa, Círculo <strong>de</strong> Leitores, 2008, vol. 9, p.87