<strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>: um arquitecto português do século XX Capítulo 3 As Multiplicida<strong>de</strong>s do Traço — Análise sistemática da obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> Quanto ao olho do arquitecto, é tão inocente como o lote que lhe é dado para lhe é dado para construir ou o papel em branco on<strong>de</strong> <strong>de</strong>senha o primeiro esboço. O espaço „subjectivo‟ <strong>de</strong> que dispõe carrega significados <strong>de</strong>masiado objectivos. Trata-se <strong>de</strong> um espaço visual, um espaço reduzido a cópias, a meras imagens — àquele “mundo da imagem” que é o inimigo da imaginação.” Henri Lefebvre, “The space of architects”, cit. por Neil Leach em A Anestética da Arquitectura, trad. <strong>de</strong> Carla Oliveira, Lisboa, Antígona Editores Refractários, Setembro <strong>de</strong> 2005, p. 26
As multiplicida<strong>de</strong>s do traço — uma análise sistemática da obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> 55 Capítulo 3 Após a construção do percurso <strong>de</strong> vida do arquitecto <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, impõe-se a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma análise sistemática da sua obra, a qual sumariamente já fomos apresentando. Propomos uma estrutura <strong>de</strong> análise diacrónica, baseada nas fases idiossincráticas da obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, das quais anteriormente já <strong>de</strong>mos conta, e que aqui preten<strong>de</strong>mos sistematizar. Parece ser seguro afirmar, na linha do que já foi exposto, terem existido três fases distintas na obra <strong>de</strong>ste arquitecto 217 . Nesse sentido, o período entre 1925 a 1932 constituiria uma primeira fase, associada ao chamado ―estilo tradicional português‖. Nesta fase, como já <strong>de</strong>monstramos no capítulo anterior, <strong>de</strong>nota-se uma clara influência dos postulados estéticos da corrente ―casa portuguesa‖ 218 , ligada ao arquitecto Raúl Lino, subsistindo, num ou noutro caso, necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> recorrer aos mo<strong>de</strong>los revivalistas do fim <strong>de</strong> século. A segunda fase, que consi<strong>de</strong>rarmos ―mo<strong>de</strong>rnista‖ — ou integrada no que Nuno Portas consi<strong>de</strong>rou o efémero mo<strong>de</strong>rnismo 219 —, correspon<strong>de</strong>rá ao período entre 1933 (conclusão dos edifícios da Emissora Nacional) e 1942 (inauguração do Teatro-Cine <strong>de</strong> Gouveia). Tratou-se <strong>de</strong> um período marcado por uma ruptura total com uma linguagem estética tradicional e pela adopção <strong>de</strong> novos mo<strong>de</strong>los formais. Tornou-se interessante constatar que a quase totalida<strong>de</strong> dos projectos <strong>de</strong>ste período (resultante <strong>de</strong> iniciativa estatal ou privada) se <strong>de</strong>stinou à edificação <strong>de</strong> equipamentos públicos. Por último, existiu uma terceira fase, na obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, que <strong>de</strong>correu entre 1944 a 1966. Neste período, é manifesta a recuperação do tradicional. Tratou-se <strong>de</strong> uma fase marcada pela construção (ou reabilitação) <strong>de</strong> moradias, nas quais uma simplificação das formas <strong>de</strong>corativas acompanha um regionalismo bastante <strong>de</strong>clarado. Na realida<strong>de</strong>, não se po<strong>de</strong> <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que esta divisão em fases estilísticas, por assim dizer, da obra <strong>de</strong> <strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong> possa ser consi<strong>de</strong>rada estanque ou entendida <strong>de</strong> um ponto <strong>de</strong> vista dogmático. Tal divisão pressupõe, isso sim, a observação <strong>de</strong> uma tendência geral em cada um <strong>de</strong>stes períodos. Para todos os períodos haverá excepções — como por exemplo: o pavilhão a firma Ach. Brito (1927), <strong>de</strong>senhado ainda numa fase <strong>de</strong> predominante tradicionalismo; ou projecto para o Cine-Teatro <strong>de</strong> Alcácer do Sal (1948), 217 LOPES, Tiago Soares; NORAS, José R., ―<strong>Amílcar</strong> <strong>Pinto</strong>, um arquitecto na província‖, em Monumentos, Lisboa, Instituto da Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU/ex-DEGMN), n.º 29, Julho 2009, p. 172 a 179 218 veja-se LINO, Raul, Casas Portuguesas – Alguns apontamentos sobre o arquitectar das casas simples, Lisboa, Livros Cotovia, 10.ª edição, 1992. 219 PORTAS, Nuno, ob. cit., p. 177