03.09.2013 Views

Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um ...

Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um ...

Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O encontro fortuito com o “outro” é a pedra <strong>de</strong> toque da cida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática1 . A apropriação tecnocrática do meio urbano através <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

pan<strong>de</strong>mónio <strong>de</strong> sinalética, progressiva fragmentação pelas infraestruturas<br />

rodoviárias e ocupação selvática pelo automóvel, põe em causa<br />

o pouco espaço cívico que nos resta. Uma das formas mais simples <strong>de</strong><br />

medir a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> é através da dimensão<br />

dos seus passeios.<br />

A qualida<strong>de</strong> dos espaços <strong>de</strong> encontro em sítio público permite a verda<strong>de</strong>ira<br />

interacção entre gerações, classes sociais e comunida<strong>de</strong>s. Sem eles o<br />

cidadão isola-se, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se sentir parte da “coisa pública” e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />

participar em “causas comuns” 2 . Sem eles a cida<strong>de</strong> torna-se mais pobre e<br />

a <strong>de</strong>mocracia vítima <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong>s que gradualmente dirigem o espaço<br />

público <strong>para</strong> o uso da máquina e não das pessoas. É a morte do “Homem<br />

Público” <strong>de</strong>monstrada todas as eleições pelo a<strong>um</strong>ento da abstenção e a<br />

progressiva, mas inexorável erosão da esfera pública, empurrando-nos<br />

<strong>para</strong> a “ética” do salve-se quem pu<strong>de</strong>r. Nos subúrbios da área metropolitana<br />

em que quase todas as viagens são realizadas em automóvel e o peão mal<br />

consegue atravessar as ruas, é difícil conseguir que os condóminos <strong>de</strong>sçam<br />

dos seus andares <strong>para</strong> participar nas poucas reuniões que ainda se realizam.<br />

Os peões e a comunida<strong>de</strong><br />

Segundo o famoso estudo realizado por Appelyard3 nas ruas <strong>de</strong> São<br />

Francisco, o número <strong>de</strong> interacções sociais n<strong>um</strong>a rua está directamente<br />

relacionado pelo número dos automóveis que por lá passam. Dizendo <strong>de</strong><br />

outra forma, a nossa solidão a<strong>um</strong>enta com o número <strong>de</strong> automóveis à<br />

nossa porta. Os peões são os “glóbulos vermelhos” da cida<strong>de</strong>, caso <strong>de</strong>ixem<br />

<strong>de</strong> percorrer e irrigar <strong>um</strong>a rua ela entra em dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>gradando-se,<br />

tornando-se insegura, gangrenando e finalmente morrendo. Sem peões<br />

a rua per<strong>de</strong> o seu carácter simbólico <strong>de</strong> “partilha” - <strong>um</strong> território que os<br />

cidadãos sentem que lhe pertence e têm orgulho e responsabilida<strong>de</strong>s.<br />

Sem peões os resi<strong>de</strong>ntes ten<strong>de</strong>m a tratar menos da rua, das suas árvores<br />

e flores. A velocida<strong>de</strong> dos automóveis afugenta os peões, sem peões a<br />

velocida<strong>de</strong> dos automóveis a<strong>um</strong>enta. A rua sem “olhos” torna-se insegura,<br />

prosseguindo assim o seu círculo <strong>de</strong> morte: quanto menos peões há,<br />

menos peões haverá.<br />

103<br />

Mário J Alves<br />

mariojalves@gmail.com<br />

Engenheiro Civil pelo Instituto<br />

Superior Técnico com o grau <strong>de</strong><br />

Mestre em Transportes pelo<br />

Imperial College London. Trabalhou<br />

no Centro <strong>de</strong> Sistemas Urbanos e<br />

Regionais da Universida<strong>de</strong> Técnica<br />

<strong>de</strong> Lisboa e no Centre for Transport<br />

Studies of the University of London<br />

como Investigador Associado. Como<br />

consultor <strong>de</strong> transportes e gestão da<br />

mobilida<strong>de</strong> foi coor<strong>de</strong>nador<br />

operacional do Plano <strong>de</strong> Mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

Almada. Escreveu artigos e fez<br />

inúmeras comunicações e seminários<br />

em vários países europeus sobre<br />

diversas temáticas relacionadas com<br />

transportes e mobilida<strong>de</strong> sustentável.<br />

† Notas escritas <strong>para</strong> o programa “Causa das<br />

Coisas” na RTP2.<br />

1 Richard Sennett, The Conscience of the Eye -<br />

The Design and Social Life of Cities, Alfred A.<br />

Knopf, New York, 1991<br />

2 Jürgen Habermas, The Structural<br />

Transformation of the Public Sphere, MIT<br />

Press, Cambridge, MA, 1991<br />

3 Appleyard, D. Liveable Streets. Berkeley:<br />

Univ. of California Press, 1981

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!