Manual de Metodologia e Boas Práticas para a Elaboração de um ...
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O encontro fortuito com o “outro” é a pedra <strong>de</strong> toque da cida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong>mocrática1 . A apropriação tecnocrática do meio urbano através <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
pan<strong>de</strong>mónio <strong>de</strong> sinalética, progressiva fragmentação pelas infraestruturas<br />
rodoviárias e ocupação selvática pelo automóvel, põe em causa<br />
o pouco espaço cívico que nos resta. Uma das formas mais simples <strong>de</strong><br />
medir a saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> é através da dimensão<br />
dos seus passeios.<br />
A qualida<strong>de</strong> dos espaços <strong>de</strong> encontro em sítio público permite a verda<strong>de</strong>ira<br />
interacção entre gerações, classes sociais e comunida<strong>de</strong>s. Sem eles o<br />
cidadão isola-se, <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> se sentir parte da “coisa pública” e <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong><br />
participar em “causas comuns” 2 . Sem eles a cida<strong>de</strong> torna-se mais pobre e<br />
a <strong>de</strong>mocracia vítima <strong>de</strong> arbitrarieda<strong>de</strong>s que gradualmente dirigem o espaço<br />
público <strong>para</strong> o uso da máquina e não das pessoas. É a morte do “Homem<br />
Público” <strong>de</strong>monstrada todas as eleições pelo a<strong>um</strong>ento da abstenção e a<br />
progressiva, mas inexorável erosão da esfera pública, empurrando-nos<br />
<strong>para</strong> a “ética” do salve-se quem pu<strong>de</strong>r. Nos subúrbios da área metropolitana<br />
em que quase todas as viagens são realizadas em automóvel e o peão mal<br />
consegue atravessar as ruas, é difícil conseguir que os condóminos <strong>de</strong>sçam<br />
dos seus andares <strong>para</strong> participar nas poucas reuniões que ainda se realizam.<br />
Os peões e a comunida<strong>de</strong><br />
Segundo o famoso estudo realizado por Appelyard3 nas ruas <strong>de</strong> São<br />
Francisco, o número <strong>de</strong> interacções sociais n<strong>um</strong>a rua está directamente<br />
relacionado pelo número dos automóveis que por lá passam. Dizendo <strong>de</strong><br />
outra forma, a nossa solidão a<strong>um</strong>enta com o número <strong>de</strong> automóveis à<br />
nossa porta. Os peões são os “glóbulos vermelhos” da cida<strong>de</strong>, caso <strong>de</strong>ixem<br />
<strong>de</strong> percorrer e irrigar <strong>um</strong>a rua ela entra em dificulda<strong>de</strong>s, <strong>de</strong>gradando-se,<br />
tornando-se insegura, gangrenando e finalmente morrendo. Sem peões<br />
a rua per<strong>de</strong> o seu carácter simbólico <strong>de</strong> “partilha” - <strong>um</strong> território que os<br />
cidadãos sentem que lhe pertence e têm orgulho e responsabilida<strong>de</strong>s.<br />
Sem peões os resi<strong>de</strong>ntes ten<strong>de</strong>m a tratar menos da rua, das suas árvores<br />
e flores. A velocida<strong>de</strong> dos automóveis afugenta os peões, sem peões a<br />
velocida<strong>de</strong> dos automóveis a<strong>um</strong>enta. A rua sem “olhos” torna-se insegura,<br />
prosseguindo assim o seu círculo <strong>de</strong> morte: quanto menos peões há,<br />
menos peões haverá.<br />
103<br />
Mário J Alves<br />
mariojalves@gmail.com<br />
Engenheiro Civil pelo Instituto<br />
Superior Técnico com o grau <strong>de</strong><br />
Mestre em Transportes pelo<br />
Imperial College London. Trabalhou<br />
no Centro <strong>de</strong> Sistemas Urbanos e<br />
Regionais da Universida<strong>de</strong> Técnica<br />
<strong>de</strong> Lisboa e no Centre for Transport<br />
Studies of the University of London<br />
como Investigador Associado. Como<br />
consultor <strong>de</strong> transportes e gestão da<br />
mobilida<strong>de</strong> foi coor<strong>de</strong>nador<br />
operacional do Plano <strong>de</strong> Mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Almada. Escreveu artigos e fez<br />
inúmeras comunicações e seminários<br />
em vários países europeus sobre<br />
diversas temáticas relacionadas com<br />
transportes e mobilida<strong>de</strong> sustentável.<br />
† Notas escritas <strong>para</strong> o programa “Causa das<br />
Coisas” na RTP2.<br />
1 Richard Sennett, The Conscience of the Eye -<br />
The Design and Social Life of Cities, Alfred A.<br />
Knopf, New York, 1991<br />
2 Jürgen Habermas, The Structural<br />
Transformation of the Public Sphere, MIT<br />
Press, Cambridge, MA, 1991<br />
3 Appleyard, D. Liveable Streets. Berkeley:<br />
Univ. of California Press, 1981