Política cultural na Bahia: o caso do Fazcultura - Universidade ...
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e moradia de um povo feliz” (MOURA, 2001, p. 9), transforman<strong>do</strong>-se num poderoso<br />
dispositivo que passará a ser acio<strong>na</strong><strong>do</strong> vividamente <strong>na</strong> propaganda gover<strong>na</strong>mental e pela<br />
indústria <strong>do</strong> turismo nos diferentes ciclos de hegemonia da frente carlista no coman<strong>do</strong> da<br />
política local. É ilustrativo dessa orientação política o seguinte trecho extraí<strong>do</strong> de um relatório<br />
oficial referente às atividades desenvolvidas pelo governo baiano no perío<strong>do</strong> de 1971-1974.<br />
Em tom poético, o texto de apresentação <strong>do</strong> relatório si<strong>na</strong>liza para uma tendência discursiva<br />
que viria a estar presente <strong>na</strong>s <strong>na</strong>rrativas oficias – ora mais, ora menos – nos últimos anos de<br />
atividade da <strong>Bahia</strong>tursa. Ainda que seja longo vale a pe<strong>na</strong> reproduzi-lo aqui:<br />
113<br />
O turismo <strong>na</strong> <strong>Bahia</strong> acontecia. A negra alma da cidade exerceu sempre<br />
fascínio e atração irresistíveis. Alguns ficaram. E enriqueceram ainda mais a<br />
vivência baia<strong>na</strong>. Carybé, Hansen <strong>Bahia</strong> que se apropriou <strong>do</strong> nome da terra,<br />
Floriano, Walter Smetak e tantos outros. Muitos vem e voltam. E em to<strong>do</strong>s<br />
os cantos deste e de outros países muitos e muitos queren<strong>do</strong> e mesmo<br />
precisan<strong>do</strong> vir. E viver a <strong>Bahia</strong>.<br />
generalidade, denotan<strong>do</strong> vários significa<strong>do</strong>s”. Somente a título de ilustração e possível síntese – saben<strong>do</strong> <strong>do</strong><br />
risco de ser breve, extremamente sucinta e superficial! – tomamos como referência o exercício teórico <strong>do</strong><br />
antropólogo baiano Roberto Alberagria (2001a, 2001b) quan<strong>do</strong> se propõe a a<strong>na</strong>lisar essa diversidade de leituras<br />
sobre o tema da baianidade. Segun<strong>do</strong> o autor, a grosso mo<strong>do</strong> pode-se dizer que existem duas grandes teorias<br />
pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntes acerca da baianidade, a saber: a essencialista, que trabalha com a idéia de que existe uma <strong>Bahia</strong><br />
“endóge<strong>na</strong>”, que emerge de baixo para cima, sustentada em um “ethos” próprio, resultante <strong>do</strong> sincretismo das<br />
diferentes matrizes étnicas (afro-luso-tupi) que compareceram <strong>na</strong> formação social <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, e que por sua vez,<br />
propiciou um certo número de idiossincrasias que tor<strong>na</strong>ram a <strong>Bahia</strong> inconfundível. Ilustran<strong>do</strong> esse pensamento<br />
diz assim o autor: “A <strong>Bahia</strong> seria um fruto maduro da chamada mistura de culturas ou mesmo das raças. Seria<br />
um cal<strong>do</strong> de cultura, cujo cozimento e cuja digestão dependeriam <strong>do</strong>s altos e baixos da nossa economia<br />
dependente, fazen<strong>do</strong> com que essa Cidade-Porto vá, ora abrin<strong>do</strong>-se agitadamente para o mun<strong>do</strong>, facilitan<strong>do</strong> as<br />
influências, ora fechan<strong>do</strong>-se preguiçosamente sobre si mesma, condensan<strong>do</strong> sua identidade, tor<strong>na</strong>n<strong>do</strong>-se<br />
singularíssima. Nessa visão essencialista , existiria realmente um “ser baiano”. Parte-se aí da idéia de uma certa<br />
baianidade que vai pouco a pouco cristalizan<strong>do</strong>-se entre nós, especialmente <strong>na</strong> cidade <strong>do</strong> Salva<strong>do</strong>r e no<br />
Recôncavo, tradicio<strong>na</strong>lizan<strong>do</strong>-se a figura <strong>do</strong> “baiano”, da <strong>na</strong>ção “baia<strong>na</strong>”, de uma certa etnicidade local”<br />
(ALBERGARIA, 2001a, p.1-2). A outra corrente é chamada pelo antropólogo de desconstrucionista, já que os<br />
pensa<strong>do</strong>res que a formulam consideram to<strong>do</strong> esse imaginário de uma <strong>Bahia</strong> total como uma representação<br />
identitária que foi sen<strong>do</strong> construída de fora para dentro – uma imagem que foi sen<strong>do</strong> tecida a partir da<br />
perspectiva de não-baianos –, de cima para baixo – uma construção elaborada pelas elites intelectuais e<br />
dissemi<strong>na</strong>da por entre vários meios e recursos – e de trás para frente – <strong>na</strong> medida em que projeta sobre o passa<strong>do</strong><br />
os interesses <strong>do</strong> presente de mo<strong>do</strong> a reinventar ciclicamente nossas tradições. Tentan<strong>do</strong> apreender a diversidade<br />
de ideários que gravitam em torno da conceituação de uma identidade baia<strong>na</strong>, o sociólogo Milton Moura vai<br />
defini-la também como um construto, como um texto urdi<strong>do</strong>, através de diversas representações icônicas, por<br />
uma variedade de agentes, sejam eles artistas, escritores, baianos e não-baianos, como Carybé, Jorge Ama<strong>do</strong>,<br />
Dorival Caymmi, Carmem Miranda, Ari Barroso. Mas também por empresários <strong>do</strong> turismo e pelas elites<br />
políticas que vêm assumin<strong>do</strong> o coman<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo estadual e municipal ao longo <strong>do</strong>s últimos trinta anos “que<br />
souberam captar e re-elaborar o capital simbólico da baianidade <strong>na</strong> forma de uma propaganda” (MOURA, 2001,<br />
p.9). Em resumo, segun<strong>do</strong> esse autor, a baianidade seria “um to<strong>do</strong> complexo de contornos relativamente<br />
defini<strong>do</strong>s, e por outro la<strong>do</strong>, suficientemente flexíveis para permitir reparos e reformulações” (p.165). Como se<br />
vê, um conceito complexo, abrangente e altamente permissivo.