A Ideologia da Decadência – Leitura antropo - Nova Cartografia ...
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através deste “diagnóstico” uma idéia de cientifici<strong>da</strong>de, que bem corroborasse<br />
as suas soluções apresenta<strong>da</strong>s. Basta bem ver que se entreverá<br />
uma tentativa formal de ajustar a ca<strong>da</strong> um dos denominados males,que<br />
também podem ser lidos como lacunas ou faltas, um meio adequado<br />
para saná-lo. Em outras palavras a ca<strong>da</strong> falta pressenti<strong>da</strong> sempre irá<br />
corresponder uma medi<strong>da</strong> capaz de suprí-la. Tal preenchimento representa<br />
o recurso apropriado e lícito para se alcançar determinado fim. E<br />
o objetivo visado se coaduna com as ideologias do progresso, que perseguem<br />
a chama<strong>da</strong> prosperi<strong>da</strong>de.<br />
Encontram-se também sujeitos a esta vulgarização os determinismos<br />
geográficos e biológicos, que marcaram profun<strong>da</strong>mente as<br />
interpretações dos denominados patronos e clássicos. As noções preconcebi<strong>da</strong>s<br />
que produziram em relação aos quilombolas, aos indígenas e<br />
aos pequenos produtores agrícolas do sertão classificando-os segundo<br />
uma indolência e uma ociosi<strong>da</strong>de capazes de justificar os mecanismos<br />
de imobilização de mão-de-obra e <strong>da</strong> implantação do trabalho compulsório,<br />
tornaram-se versões correntes e espontâneas de usufruto de um<br />
público difuso e heterogêneo.<br />
O projeto elaborado pelos porta-vozes dos chamados lavradores,<br />
isto é, os grandes proprietários <strong>da</strong>s fazen<strong>da</strong>s de algodão de fins de<br />
século xviii e início do século xix, espraiou-se consistindo numa percepção<br />
senso-comum do mundo savant. O poder <strong>da</strong>s palavras, conforme<br />
diria Bourdieu 3 sempre supõe outras espécies de poder. As interpretações<br />
dos patronos têm sido assimila<strong>da</strong>s porque dominantes de fato não<br />
apenas no domínio <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> intelectual.<br />
O fato de serem reconhecidos como patronos e clássicos não se<br />
restringe pois, a uma simples homenagem póstuma, conforme possa<br />
sugerir. Em ver<strong>da</strong>de, as mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de percepção que concorreram<br />
para fixar na vi<strong>da</strong> intelectual regional ficaram crava<strong>da</strong>s profun<strong>da</strong>mente<br />
no inconsciente cultural (Bourdieu, 1968: 136). São elas que conferem<br />
eficácia à tradição, recolocando-a segui<strong>da</strong>mente e confirmando suas<br />
premissas a ca<strong>da</strong> trabalho sobre a história regional.<br />
As estruturas interioriza<strong>da</strong>s e divulga<strong>da</strong>s de maneira ampla, graças<br />
ao poder de transmissão <strong>da</strong>s formulações dos chamados patronos,<br />
contribuem para que os textos sejam lidos e assimilados tal como estão<br />
3. Cf. Bourdieu, Pierre. Os Doxósofos. In: Thiollent, Michel. Crítica Metodológica e<br />
investigação social e enquete operária. São Paulo: Ed. Polis, pp. 153-167, 1980. (extraído<br />
de Minuit, n.º 1, novembro de 1972).<br />
A ideologia <strong>da</strong> decadência · 149