Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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‘natural’ <strong>de</strong> construir comunida<strong>de</strong>s) ela nada faz e tal falta <strong>de</strong> reação mostra o quão<br />
submissa estava às condições a ela impostas. Entretanto, ela pensa, observa e<br />
compreen<strong>de</strong> b<strong>em</strong> a própria condição:<br />
(...) Os comerciantes, com suas mentes assassinas, suas bocas<br />
apertadas e amargas. Eu tento não olhar nos olhos <strong>de</strong> ninguém.<br />
(...) Eles olham primeiro para os homens. Um comprador aperta<br />
o bícepis <strong>de</strong> Lucas com uma vara. Se um comerciante compra<br />
um hom<strong>em</strong> ele é levado para lá do rio. Para morrer. (...) As<br />
famílias que precisam <strong>de</strong> <strong>em</strong>pregados domésticos, ou os<br />
fazen<strong>de</strong>iros que precisam <strong>de</strong> mulheres para procriar, eles olham<br />
para nós e esperam sua vez. Eu sou muito velha para procriar.<br />
[(…) The tra<strong>de</strong>rs, with their trigger-happy minds, their mouths<br />
tight and bitter. I try not to look into anybody’s eyes. (…) They<br />
look firstly at the men. A tra<strong>de</strong>r prods Lucas’s biceps with a<br />
stick. If a tra<strong>de</strong>r buys a man, it is down the river. To die. (…)<br />
The families in need of domestics, or the farmers in need of<br />
breeding wenches, they look across at us and wait their turn.<br />
I’m too old for breeding. (PHILLIPS, 1994, p. 77)].<br />
O leilão é o ponto máximo <strong>de</strong>sta objetificação, porque mostra <strong>em</strong> fatos o que se<br />
praticava <strong>em</strong> discurso. Os escravos não tinham voz. As negociações eram feitas como se<br />
tratass<strong>em</strong> <strong>de</strong> coisas s<strong>em</strong> um momento qualquer <strong>de</strong> consciência por parte dos<br />
compradores que estavam comercializando pessoas. Martha enten<strong>de</strong> b<strong>em</strong> isso: “Animais<br />
<strong>de</strong> fazenda. Mobília. Ferramentas <strong>de</strong> fazenda” [Farm animals. Household furniture.<br />
Farm tools (PHILLIPS, 1994, p. 76)]. Mas ela dá o primeiro passo para a subjetificação:<br />
ela tinha consciência da sua condição <strong>de</strong> objeto e do pertencimento a alguém. Ela t<strong>em</strong><br />
voz, pelo menos <strong>em</strong> seu pensamento, o que mostra uma mulher naturalmente livre e<br />
subversiva.<br />
Por fim, Martha fora vendida para a família Hoffman, ou seja, seus laços<br />
familiares foram cortados e ela ficara s<strong>em</strong> história e s<strong>em</strong> passado. Seu marido fora<br />
vendido para outro amo, b<strong>em</strong> como sua filha, característica marcante do colonialismo.<br />
Até suas coisas pessoais ficavam cada vez mais reduzidas: “Todas as suas coisas<br />
estavam penduradas numa trouxa que ela segurava na mão. Ela não tinha mais marido<br />
ou filha, mas a m<strong>em</strong>ória <strong>de</strong> sua perda era clara [All her belongings dangled in a bundle<br />
that she held in one hand. She no longer possessed either a husband or a daughter, but<br />
the m<strong>em</strong>ory of her loss was clear (PHILLIPS, 1994, p. 78, grifos nossos)]. Tal estratégia<br />
era muito útil ao amo, pois o escravo passava a pertencer somente a ele e sua vida era<br />
construída e moldada conforme as necessida<strong>de</strong>s do branco. Como se vê no final do<br />
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