Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras
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3.4.2 Hamilton – sujeito fragmentado<br />
O Capitão James Hamilton é um hom<strong>em</strong> branco, <strong>de</strong> 26 anos, cuja viag<strong>em</strong> se<br />
inicia <strong>em</strong> 24 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1752, partindo <strong>de</strong> Liverpool, na Inglaterra, <strong>em</strong> direção à costa<br />
da África. No início do capítulo, há uma lista da tripulação do navio, com os nomes e<br />
respectivas funções – todos subordinados ao capitão.<br />
Deste modo, quando se observa o comportamento do capitão Hamilton, ele é<br />
logo i<strong>de</strong>ntificado como o sujeito (Outro) que outr<strong>em</strong>iza o objeto (outro). Vê-se que ele<br />
sai <strong>de</strong> sua terra (Inglaterra-Europa) na busca da exploração <strong>de</strong> outra terra e seus<br />
habitantes. Ele passeia pela costa da África e isso mostra sua agência naquele lugar. Só<br />
esta postura já justifica assumi-lo como aquele que <strong>de</strong>tém po<strong>de</strong>r e soberania. Além<br />
disso, o registro dos fatos é feito por ele, portanto, sua narrativa é a dominante.<br />
Contudo, a literatura pós-colonial lança dúvidas sobre conceitos como<br />
‘verda<strong>de</strong>’, ‘realida<strong>de</strong>’ etc., (ou seja, sobre as metanarrativas) vistos agora como<br />
produções da linguag<strong>em</strong>; e é com a ferramenta da <strong>de</strong>sconstrução e com a observação da<br />
imanência ou transcendência por parte do sujeito que se trabalha na análise do capítulo<br />
sob estudo, já que se averigua a postura do Capitão <strong>em</strong> sua fragmentalida<strong>de</strong>.<br />
Tal narrativa dominante por ele apresentada é subvertida e rechaçada pelas<br />
brechas <strong>de</strong>ixadas ao leitor <strong>em</strong> seus diários, b<strong>em</strong> como as cartas a sua esposa que<br />
mostram, respectivamente, o ponto <strong>de</strong> vista do escravo e a outra face <strong>de</strong> Hamilton.<br />
Desta forma, há espaço para a pluralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vozes excluídas, para a cultura popular e<br />
aniquilação da distinção entre esta e a alta cultura (BERTENS, 2001, p. 142).<br />
Está aí a subversão do discurso, a tentativa da <strong>de</strong>sconstrução da i<strong>de</strong>ologia do<br />
outro. “Trata-se <strong>de</strong> se apoiar na convicção <strong>de</strong> que oposições (mo<strong>de</strong>lo vs. imitação,<br />
dominador vs. dominado, forte vs. fraco) não são absolutamente naturais, n<strong>em</strong><br />
inevitáveis, mas construções i<strong>de</strong>ológicas que po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>sconstruídas, isto é,<br />
submetidas a estrutura e funcionamento diferentes” (ZOLIN, 2005, p. 183).<br />
O sujeito, a pessoa real, é fragmentado, não importa a que classe, raça ou<br />
gênero pertença. Assim, o texto <strong>de</strong>ixa explícita a subjetivida<strong>de</strong> quebrada <strong>de</strong> Hamilton<br />
(<strong>em</strong> contraposição à objetivida<strong>de</strong> dos escravos e da tripulação), para chamar atenção<br />
para a comunhão <strong>de</strong> brancos e negros sob o <strong>de</strong>nominador <strong>de</strong> ‘sujeito comum’ e para<br />
abrir espaço para a subversão do patriarcalismo exercido sobre o outro.<br />
Há, então, na obra, o engajamento com a pessoa real/concreta, que<br />
naturalmente apresenta contradições e a tomada <strong>de</strong> uma postura não acusatória ou<br />
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