crianças que não conseguiram se alimentar a<strong>de</strong>quadamente, quantaspessoas adoeceram e não tiveram condições <strong>de</strong> ser tratadas. Então, aseca é um <strong>de</strong>sastre sim, do mesmo modo a questão do trânsito. Por isso,uma abordagem, consi<strong>de</strong>rando uma perspectiva social e preventiva, ajudariaa expor os fatores que contribuem para essa invisibilida<strong>de</strong>.No Brasil, as pesquisas sistemáticas na área do trânsito e dasemergências e dos <strong>de</strong>sastres são relativamente recentes, consi<strong>de</strong>randoa perspectiva social e preventiva. A maioria das pesquisas contempla,muitas vezes, uma visão individualista do fato, tentando i<strong>de</strong>ntificar osresponsáveis pelo problema: quem é culpado, que característica <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>levaria a pessoa a cometer tal ou qual infração. A discussãodos fatores anteriores aos eventos, como <strong>de</strong>senvolver estratégias<strong>de</strong> prevenção em escolas, universida<strong>de</strong>s, hospitais, locais <strong>de</strong> trabalho, équase inexistente. A ênfase é sempre voltada para a etapa posterior aoevento, consi<strong>de</strong>rando uma perspectiva diagnóstica. Temos <strong>de</strong> discutir ascomorbida<strong>de</strong>s anteriores ao evento, e que, muitas vezes, o <strong>de</strong>sastre é ogatilho do quadro que os sobreviventes <strong>de</strong>senvolvem.Os <strong>de</strong>sastres são fenômenos eminentemente humanos e sociais,em consequência, <strong>de</strong>vemos <strong>de</strong>spojá-los da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> naturais, quegera uma sensação <strong>de</strong> que o mundo é assim e não po<strong>de</strong>mos fazernada para evitá-los. A rodovia é assim, a frente da escola é assim,o <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> terra é assim, o terremoto é assim. Não! Quandovamos fazer uma análise sobre <strong>de</strong>sastres, temos <strong>de</strong> discutir <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>social. Nem todos são afetados da mesma forma. Eu já trabalheina área da seca, já trabalhei com regiões com furacão e com terremotoe, com certeza, para as pessoas que são afetadas, a questãoeconômica é uma questão fundamental nessa discussão.Algumas consi<strong>de</strong>rações merecem ser feitas sobre o que nós pensamossobre essa concepção <strong>de</strong> emergências e <strong>de</strong>sastres. A primeira éo espaço para a prática do psicólogo. Lamentavelmente, muitas vezes,a comunida<strong>de</strong> que está lá fora, na qual nós vamos prestar nossos serviços,não enten<strong>de</strong> o que nós fazemos naquele tipo <strong>de</strong> situação, consi<strong>de</strong>randoa perspectiva preventiva e social das estratégias a ser adotadas.Por quê? Porque a nossa profissão, por muitos anos, foi construída con-110
si<strong>de</strong>rando uma visão diagnóstica e patologizante. Eu sou supervisora<strong>de</strong> estágio na área da prevenção e promoção da saú<strong>de</strong> e as ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> estágio são <strong>de</strong>senvolvidas nos Centros <strong>de</strong> Referência <strong>de</strong> AssistênciaSocial (Cras) e também nas Unida<strong>de</strong>s Básicas <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (UBS). Muitasvezes, quando chego nesses locais e apresento a proposta <strong>de</strong> estágio,explicando que vamos trabalhar com grupos para discutir saú<strong>de</strong>, aspessoas dizem: “Mas você não é psicóloga? Você não vem aqui paraaten<strong>de</strong>r quem está doente?” E eu afirmo que esse é um trabalho dopsicólogo, mas discutir promoção da saú<strong>de</strong> e prevenção também é. Porconta dos espaços que ocupamos durante muito tempo, a visão dacomunida<strong>de</strong> sobre nossa prática é que aten<strong>de</strong>mos apenas quem estádoente. E essa visão foi construída a partir das nossas ações, muitasvezes, restritas e fragmentadas.Dessa forma, a nossa proposta é <strong>de</strong> uma <strong>Psicologia</strong> que consi<strong>de</strong>re dapromoção da saú<strong>de</strong> aos cuidados paliativos. Eu respeito profundamenteo atendimento após os eventos, porque eu faço isso, a minha formaçãoé clínica. Eu trabalhei muitos anos com a comissão <strong>de</strong> Aids, no estado daParaíba. Então, eu apenas migrei para outras ativida<strong>de</strong>s que eu po<strong>de</strong>riafazer, mas o meu conhecimento da área clínica continua presente emminhas abordagens. A questão é ampliar a forma <strong>de</strong> pensar a práticapsicológica, o trabalho da <strong>Psicologia</strong>.Anteriormente, quando outros palestrantes <strong>de</strong>ste evento estavamfalando que os alunos, muitas vezes, não enten<strong>de</strong>m por que estudarAntropologia e Sociologia, eu me lembrei <strong>de</strong> um fato recorrente nasminhas disciplinas <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da Saú<strong>de</strong> I e II. Nessas disciplinas,abordo o Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> (SUS) e o Sistema Único da AssistênciaSocial (Suas), e nesse contexto discuto o processo <strong>de</strong> humanização,que está fazendo <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> Humaniza SUS.Às vezes, o alunoquer fazer uma pergunta, eu fico muito empolgada, e surge a pergunta:“Quando a senhora vai falar sobre <strong>Psicologia</strong>?” O Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>é <strong>Psicologia</strong>. Discutir o Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> é cuidar para queseja garantida saú<strong>de</strong> integral para a população. A saú<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida pelaVIII Conferência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> não é apenas a ausência <strong>de</strong> doença,mas o acesso a tudo que se tem direito como cidadão.111
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