Voltando aos impactos, se fizermos, novamente, aquela conta daparticipação do transporte coletivo e do individual, o coletivo vai participarcom apenas 15% <strong>de</strong>sses custos e o individual, motocicleta e automóvel,com 85%, estando a motocicleta subindo com velocida<strong>de</strong> assustadoranessa participação, embora ainda seja pequena, perto do automóvel,porque a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> motos em circulação ainda é pequena, mas hojejá se produz e se ven<strong>de</strong> tanta moto quanto automóvel.Um último indicador seria o consumo <strong>de</strong> energia, em que, tambémcomparando a distribuição entre o individual e o coletivo, vemos que otransporte coletivo respon<strong>de</strong> por apenas um quarto do consumo totalda energia consumida nessas viagens. Nesse caso, a energia é medidaem toneladas equivalentes <strong>de</strong> petróleo, mesmo para a energia elétrica,para ter um indicador comum. Conclusão, um quarto <strong>de</strong> toda a energianecessária para toda essa mobilida<strong>de</strong> urbana é consumido por transportecoletivo e três quartos pelo transporte individual.Se pegarmos isso tudo junto, temos uma distribuição <strong>de</strong> uso e umadistribuição <strong>de</strong> impactos <strong>de</strong> emissões, <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes e <strong>de</strong> consumo <strong>de</strong> energia.Na verda<strong>de</strong>, nosso mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> transporte tem uma série <strong>de</strong> impactose consequências, mas eles são majoritariamente gerados por apenas umdos agentes <strong>de</strong>sse processo: o transporte individual. Quem opta por usarautomóvel polui mais, gasta mais, consome mais, congestiona mais e matamais. Na visão que eu estou colocando, as políticas nacionais que nos levama usar o transporte individual fazem que esses custos, que chamamos<strong>de</strong> externalida<strong>de</strong>s, sejam altamente subsidiados pela maior parte dapopulação em benefício <strong>de</strong> poucos. Na verda<strong>de</strong>, as pessoas que usam otransporte individual geram um custo para a socieda<strong>de</strong> que não é pago porelas. Ele é pago pelo INSS, para as pessoas que precisam se aposentar maiscedo <strong>de</strong>vido aos aci<strong>de</strong>ntes, pela política <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, para tratar das doenças<strong>de</strong>correntes da poluição, pelos órgãos <strong>de</strong> trânsito e por uma série <strong>de</strong> estruturasque tratam <strong>de</strong> garantir esse mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>. Qual é a consequência?Qual é a primeira conclusão que po<strong>de</strong>mos tirar <strong>de</strong>ssa leitura? Queo mo<strong>de</strong>lo brasileiro, que é o mo<strong>de</strong>lo que seguiu muito a visão americana,<strong>de</strong> basear a mobilida<strong>de</strong> e a própria expansão urbana no automóvel, nocaminhão, no ônibus, é extremamente <strong>de</strong>sigual.142
As cida<strong>de</strong>s construídas pelo e para os automóveis são bastante espraiadas,com uma parcela <strong>de</strong>sproporcional <strong>de</strong> espaços públicos <strong>de</strong>stinadosaos automóveis, que po<strong>de</strong>ria ser muito mais bem aproveitada se fossemutilizados os transportes coletivos. Enquanto que, para transportar75 pessoas em uma viagem, são necessários 60 automóveis, com umaocupação média <strong>de</strong> 1,5 pessoa por carro, ou seja, ocupando três faixas <strong>de</strong>quase uma quadra inteira, essas mesmas 75 pessoas po<strong>de</strong>riam ser confortavelmentetransportadas em apenas um ônibus, e elas usariam muitomenos espaço da via. Se usassem um VLT, ou um metrô, o consumo <strong>de</strong>espaço seria muito mais favorável ainda. Até se usassem bicicletas, essarelação seria mais favorável do que o uso do automóvel. Então, na verda<strong>de</strong>,o mo<strong>de</strong>lo que nós usamos em mobilida<strong>de</strong> é extremamente voraz.Ele consome energia, espaço, polui e mata com os aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> trânsito.O problema não po<strong>de</strong> ser atribuído apenas ao tamanho das cida<strong>de</strong>s.O que a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo, em 1950, e a <strong>de</strong> Belo Horizonte, hoje, têmem comum? Ambas essas cida<strong>de</strong>s contavam com a população <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>dois milhões e meio <strong>de</strong> habitantes, mas seus problemas <strong>de</strong> circulação erammuito distintos. Então, o problema não é o tamanho. Essas duas cida<strong>de</strong>stinham populações semelhantes, porém, ocupavam o espaço <strong>de</strong> maneiratotalmente diferente. Nos anos 50, o Brasil se movimentava pelos trens,pelos bon<strong>de</strong>s, hoje nossas cida<strong>de</strong>s se movimentam basicamente pelo transporterodoviário. A área que São Paulo ocupava naquela época era <strong>de</strong> 300km², enquanto Belo Horizonte ocupa hoje 900 km², três vezes mais, o quesignifica uma enorme pressão sobre a provisão dos serviços públicos, água,asfalto, luz, coleta <strong>de</strong> lixo, transporte e talvez saú<strong>de</strong> também. Por fim, enquantoa frota <strong>de</strong> veículos automotores que circulava em São Paulo era <strong>de</strong>50 mil veículos, a frota atual <strong>de</strong> Belo Horizonte chega a 800 mil veículos, ouseja, 16 vezes mais carros, caminhões e ônibus do que tínhamos naquelaépoca, para transportar, a princípio, o mesmo número <strong>de</strong>. pessoas.É claro que o padrão <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> mudou, a socieda<strong>de</strong> mudou suamaneira <strong>de</strong> se organizar. Mas o fato é que as cida<strong>de</strong>s que se estruturavampelo transporte coletivo <strong>de</strong>pendiam <strong>de</strong> outro padrão <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong>e contavam com uma estrutura que lhes permitia ser mais eficientes. Issoé uma discussão dos urbanistas, uma discussão do uso do solo, <strong>de</strong> como143
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