Inversamente, muitas donas <strong>de</strong> casa julgam que po<strong>de</strong>m entrar noquarto da empregada, até sem bater. Nesse sentido, por <strong>de</strong>finição, aempregada não tem privacida<strong>de</strong>.Com exceção <strong>de</strong> privacida<strong>de</strong>, cada um <strong>de</strong>sses conceitos tem duasvertentes: uma refere-se a espaço físico, cujas proprieda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>mser aferidas <strong>de</strong> maneira objetiva e uma segunda vertente que refleteuma avaliação subjetiva, pessoal/social por parte do indivíduo, especialmentedo indivíduo enquanto parte <strong>de</strong> um grupo: espaço pessoal,territorialida<strong>de</strong> e privacida<strong>de</strong>, especialmente significando o inverso <strong>de</strong>aglomeração, têm função <strong>de</strong> estabelecer, esclarecer e manter relaçõessociais, da mesma maneira como são consequência <strong>de</strong> acordos sociais.A <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> territorialida<strong>de</strong> como algo “baseado em controle percebido,tentado ou real” implica que território não é algo estável, mas<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> acordos sociais entre o <strong>de</strong>tentor <strong>de</strong> direitos e os que respeitam,ou não. Acrescentamos que tais acordos sociais igualmente seaplicam a espaço pessoal, privacida<strong>de</strong> e, até certo ponto, a aglomeração.Se espaço pessoal é algo “cercando o corpo <strong>de</strong> uma pessoa na qualintrusos não são permitidos”, tal regra somente faz sentido diante daexistência <strong>de</strong> outra, que potencialmente po<strong>de</strong> se tornar um intruso.Privacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida como “controle seletivo do acesso a si mesmo oua seu grupo” igualmente supõe um outro acesso que precisa ser controlado.Aglomeração, i<strong>de</strong>m, supõe que outro(s), esteja(m) presente(s)ou não. Observa-se, finalmente, que embora amplamente estudadosno contexto da <strong>Psicologia</strong>, esses quatro conceitos se aplicam em diferentescontextos. A seguir apresento um exemplo do contexto Trânsito,para mostrar como os conceitos <strong>de</strong> espaço pessoal, privacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>e territorialida<strong>de</strong> impactam sobre a mobilida<strong>de</strong> urbana.AplicaçãoPara ilustrar a relação entre espaço pessoal, territorialida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>e privacida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> um lado, com o conceito da mobilida<strong>de</strong>, apresentona Figura 5 uma fotografia <strong>de</strong> uma cena urbana. Mostra um ônibus euma calçada bastante apertada. Nessa calçada não existe divisão entreo espaço reservado para bicicletas e para pe<strong>de</strong>stres. Vemos um pe<strong>de</strong>stre154
que está um pouco reticente para entrar no espaço, está olhando oque está acontecendo. Selecionei essa cena porque retrata a mobilida<strong>de</strong>urbana, a mobilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vários participantes do trânsito: ônibus,pe<strong>de</strong>stre, bicicleta. No caso, é o ônibus que mais <strong>de</strong>limita e restringe oespaço. O espaço que sobra, assim, é o espaço entre o ônibus, que estána via, e a pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> um prédio. No meio, bicicletas e pe<strong>de</strong>stres têm <strong>de</strong>se acomodar <strong>de</strong> uma forma ou <strong>de</strong> outra. De que maneira, então, essacena po<strong>de</strong> ser analisada sob a ótica da mobilida<strong>de</strong> urbana?Olhamos a cena inicialmente sob a perspectiva <strong>de</strong> espaço pessoal.À medida que a bicicleta se aproxima dos pe<strong>de</strong>stres, estes recuam.O espaço pessoal do pe<strong>de</strong>stre está sendo invadido. Em alemão se tematé agora uma gíria que fala em surfando, surfando os idosos. Istoquer dizer que o ciclista aproxima-se perigosamente do pe<strong>de</strong>stre idoso,assusta-o e vai embora. Um exemplo extremo <strong>de</strong> um “barato urbano”,baseado na invasão do espaço pessoal do idoso e no <strong>de</strong>sconfortoque isso gera. Por outro lado, o monte <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stres ocupando espaço,como estamos vendo, a ciclista <strong>de</strong> mochila vermelha vê suas opções,seu espaço limitado, ficando mais lenta. A ciclista sabe que à medidaque avança, inva<strong>de</strong> o espaço pessoal das pessoas.A segunda dimensão analítica nesta cena <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> urbanatoca na questão do território. Afinal <strong>de</strong> contas, <strong>de</strong> quem é acalçada? Dos pe<strong>de</strong>stres? Dos ciclistas? Não observamos nenhuma<strong>de</strong>marcação no chão. Embora as regras do trânsito requeiram, pelomenos, uma <strong>de</strong>marcação clara das calçadas no caso <strong>de</strong> uso compartilhado,as bicicletas estão, <strong>de</strong> fato, invadindo cada vez mais oespaço dos pe<strong>de</strong>stres. Consi<strong>de</strong>rando as consequências para ambasas parte no caso <strong>de</strong> uma colisão entre bicicleta e pe<strong>de</strong>stre, é claroque o pe<strong>de</strong>stre ce<strong>de</strong> e aceita a invasão do seu território. Po<strong>de</strong>mos,assim, verificar como mobilida<strong>de</strong> implica, também, uma disputa <strong>de</strong>território. Claramente o rapaz <strong>de</strong> mochila clara está sinalizando:vale a pena entrar nessa disputa <strong>de</strong> território.A terceira dimensão da mobilida<strong>de</strong> diz respeito à <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong>.Como po<strong>de</strong>mos ver, o espaço aqui representado é muito apinhado,a <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> é alta. As pessoas e as bicicletas estão ocupando155
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