O acento na vivência po<strong>de</strong> sugerir <strong>de</strong>s<strong>de</strong> encontrar uma resistênciaàs institucionalida<strong>de</strong>s postas no dia a dia, como <strong>de</strong>cifraros termos <strong>de</strong>sumanizadores do que pesa do alto e <strong>de</strong> fora e atingea vida cotidiana do homem comum. Até o limite da constituiçãodo tempo cotidiano como a negação do tempo histórico, comotempo pseudocíclico 40 . Não vivemos as socieda<strong>de</strong>s tradicionais,com seus estilos <strong>de</strong> vida, mas enredamo-nos em um tempo queparalisa nossa ação e consciência, em relação às transformaçõespossíveis. O tempo da história aparta-se, separa-se, <strong>de</strong> nós. Asformas particulares <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> humana, inclusiva, superada,a mobilida<strong>de</strong> do trânsito, expõem a totalização das alienaçõestêmporo-espaciais: as separações.O tempo espacializado, alienado, o ritmo linear do trabalho abstrato,realizado como tempo <strong>de</strong> trabalho, <strong>de</strong> Georges Lukács 41 , estendidoe <strong>de</strong>sviado por Guy Debord, remete à alienação espacial: à perdada qualida<strong>de</strong> do trabalho, acresce-se àquela <strong>de</strong> todos os lugares,qualida<strong>de</strong> perdida e espaço reduzido a espaço livre da mercadoria 42 .Equivale à perda <strong>de</strong> espaços e tempos dos indivíduos, mergulhados namercantilização generalizada, que envolve seus espaços e tempos <strong>de</strong>trabalho, <strong>de</strong> moradia, <strong>de</strong> lazer; <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> modo geral.Sinaliza-se um momento importante da interpretação da subjetivida<strong>de</strong>humana possível e das formas <strong>de</strong> seu comprometimento. O sujeitoaparece, neste momento, vivenciando a personificação <strong>de</strong> todo esse processoabstrato: a <strong>de</strong>stituição <strong>de</strong> sua subjetivida<strong>de</strong>, personificando os objetose superobjetos; o carro, por exemplo 43 . Há estudos sobre as metamorfosescomportamentais dos indivíduos nesta situação: o po<strong>de</strong>r do carro; ahumilhação vivida com os limites dos transportes coletivos; a concorrênciaentre os transportes <strong>de</strong> cargas, <strong>de</strong> pessoas, transporte privado e público...40 DEBORD, Guy. La Société du Spectacle. Paris: Gallimard, 1992.41 LUKÁCS, Georg. História e Consciência <strong>de</strong> Classe – estudos sobre a dialéticamarxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003.42 DEBORD, Guy. La Société du Spectacle. Paris: Gallimard, 1992.43 Sobre os objetos e superobjetos, ver: LEFEBVRE, Henri. Du rural à l’urbain.Paris: Anthropos, 2001, 3. ed.200
A mobilida<strong>de</strong> do trânsito sinaliza, em seu fundamento, não somente umproblema <strong>de</strong> circulação, stricto sensu, mas os termos da produção socialgeral e do mundo mercantil, enquanto vivência problemática da subjetivida<strong>de</strong>humana. A migração pendular nas cida<strong>de</strong>s cumpre as distânciasdo lugar <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong> moradia, em um universo mercantil; universoeste que produz a segregação socioespacial e amplia as distâncias físicase sociais, apesar do aparato técnico à disposição, encurtando distâncias,como o metrô, por exemplo – sem consi<strong>de</strong>rar que diante da dimensão daproblemática da circulação diária da população, ele ainda pouco significa.Ainda a consi<strong>de</strong>rar que este aparato material e técnico valoriza os lugarese equivale, também, à expropriação <strong>de</strong> sua população originária (potencialmente).As exigências do sistema <strong>de</strong> circulação acabam por tornar as gran<strong>de</strong>svias espaços produtivos, no sentido, por exemplo, <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir sistemascondominiais nas suas proximida<strong>de</strong>s, e, atualmente, estruturas logísticasapropriadas à circulação mais rápida das mercadorias. Aqui a noção <strong>de</strong> separaçãose explicita: a cisão na proximida<strong>de</strong> 44 .A mobilida<strong>de</strong> do trânsito ampliada e re<strong>de</strong>finida como mobilida<strong>de</strong>humana aprofunda sua concepção, no interior <strong>de</strong> uma teoriacrítica, pois se aproxima da essência da problemática em questão:a mobilida<strong>de</strong> do trabalho, ampliada como mobilida<strong>de</strong> do habitat,consi<strong>de</strong>rando a produção do espaço e sua valorização, nos termoshistóricos <strong>de</strong> realização da mobilida<strong>de</strong> humana.A mobilida<strong>de</strong> do trabalho, inerente à realização da socieda<strong>de</strong>mo<strong>de</strong>rna, que equivale a <strong>de</strong>semprego, mudança <strong>de</strong> emprego, migraçõesinternas e externas – nacionais, regionais, internacionais–, enfim, a crise do trabalho, também implica a mobilida<strong>de</strong> pendularcotidiana, como tempo obrigatório da cotidianida<strong>de</strong>.Po<strong>de</strong>mos, como dissemos anteriormente, indicar no interiorda mobilida<strong>de</strong> do trabalho, a mobilida<strong>de</strong> do habitat, diante dasvalorizações constantes do espaço produzido, propondo novascentralida<strong>de</strong>s. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> superação da cotidianida<strong>de</strong>posta, sem atingir os conteúdos fundamentais <strong>de</strong>s-44 DEBORD, Guy. Le déclin et la chute <strong>de</strong> l’économie spectaculaire-marchan<strong>de</strong>.Abbeville: Jean-Jacques Pauvert Aux Belles Lettres, 1993.201
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