A segunda consi<strong>de</strong>ração está relacionada às concepções e aos sentidosdados às respostas psicológicas pós-evento. Precisa existir clareza<strong>de</strong> que, em um primeiro momento, as reações das pessoas ao evento sãonormais, o que não é normal é a ocorrência do evento e os danos causados.O que é anormal é um aci<strong>de</strong>nte que mata quatro membros <strong>de</strong> umamesma família, e o familiar sobrevivente precisar ir ao Instituto <strong>de</strong> MedicinaLegal (IML). O que é anormal é um ônibus <strong>de</strong> colégio ser dilaceradopor um caminhão, e não a reação dos familiares à perda <strong>de</strong> seus filhos.A proposta é para que o atendimento dos sobreviventes e dos familiaresseja em uma vertente <strong>de</strong> acolhimento, e não diagnóstica. Não é que você<strong>de</strong>pois não vá fazer outros encaminhamentos, mas, em um primeiro momento,as ações <strong>de</strong>vem ser guiadas pela <strong>de</strong>manda da pessoa que precisado acolhimento, como, por exemplo, ajudá-la a comunicar-se com umfamiliar ou fazer companhia até o familiar chegar ao local. Isso é <strong>Psicologia</strong>.Eu estou preocupada com o cuidar daquela pessoa. Então, quandoeu estou distribuindo cobertores, quando eu estou organizando fila paraalimentação após um gran<strong>de</strong> evento, isso é <strong>Psicologia</strong>, porque eu estoupreocupada para que todos tenham acesso àquele tipo <strong>de</strong> atenção. Pensar<strong>de</strong>ssa forma diferenciada na hora <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar a esse tipo <strong>de</strong> atendimentoé valorizar e i<strong>de</strong>ntificar as capacida<strong>de</strong>s individuais e comunitárias.Outra questão que foi discutida é se o atendimento é inter, é multi,é trans. Eu e a professora Vera Mincoff Menegon, que trabalhava comigono estágio <strong>de</strong> <strong>Psicologia</strong> da Saú<strong>de</strong>, pensamos <strong>de</strong> outra forma sobre o queé a transdisciplinarida<strong>de</strong>. Para nós, a transdisciplinarida<strong>de</strong> é uma forma<strong>de</strong> acolher também profissionais <strong>de</strong> nível técnico e médio nas equipesque vão discutir a problemática, porque, geralmente, quando uma equipeinterdisciplinar vai ser organizada, nós contemplamos as áreas <strong>de</strong> formaçãonas universida<strong>de</strong>s. Vamos trazer o nutricionista, o fisioterapeuta, ofonoaudiólogo, o psicólogo, o assistente social, o médico, o enfermeiro,o terapeuta ocupacional, o engenheiro, o arquiteto, entre outros profissionais,mas não se pensa em trazer para a equipe as pessoas que vãoestar lá na ponta também dando as informações. Como eu trabalho emUBSs e Crass, <strong>de</strong> que adiantaria eu ter um excelente grupo <strong>de</strong> apoio paraaten<strong>de</strong>r os usuários se a pessoa que trabalha lá no balcão <strong>de</strong> entrada112
não sabe da existência <strong>de</strong>sse grupo, se ela não po<strong>de</strong> me informar qual omelhor horário para fazer esse grupo. Então, quando trouxemos o termotransdisciplinar para o nosso artigo, era <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa vertente, <strong>de</strong> tiraressa i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> exclusivida<strong>de</strong> das disciplinas formais e trazer também pessoasque tinham muito a contribuir com os seus saberes e fazeres para aconstrução e a operacionalização do grupo.Como trabalhar com prevenção <strong>de</strong> emergências e <strong>de</strong>sastres e suasconsequências? Realmente, eu ainda não estou com o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> dizerque a partir <strong>de</strong> hoje não vai mais haver <strong>de</strong>sastres, tais como terremotos,enchentes, bem como aci<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> carro. Lamentavelmente, enquantoeu estou falando, tudo isso está acontecendo, mas o que nós po<strong>de</strong>mosdiscutir com relação aos eventos é a eliminação ou redução <strong>de</strong> risco.Quando nós discutimos eliminação ou redução <strong>de</strong> riscos, temos <strong>de</strong> discutir<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> social. Sempre me vem à mente, por exemplo, quandopassam cenas <strong>de</strong> <strong>de</strong>slizamento <strong>de</strong> terra ou <strong>de</strong> enchentes, e alguém fazum comentário como: “Também, vai morar ali!”, como se a pessoa tivessefeito uma escolha. Então, a partir do momento em que você coloca napessoa, exclusivamente, a escolha por morar ali, você isenta <strong>de</strong> qualquerresponsabilida<strong>de</strong> os outros atores que po<strong>de</strong>m estar contribuindo paraa escolha daquela pessoa. A partir do momento em que eu digo queessa pessoa foi empurrada para morar ali, ou, <strong>de</strong> repente, quando sãoconstruídas passarelas em cima <strong>de</strong> rodovia e você vê as pessoas pulandopela rodovia – eu vejo isso quando eu viajo. A questão econômica emergequando você conversa com essas pessoas. Elas dizem assim: “Eu vouper<strong>de</strong>r meia hora, quarenta minutos para cruzar a passarela. Se eu fizerisso, eu perco o ônibus e chego atrasada a meu emprego e vão <strong>de</strong>scontardo meu salário”. Para a pessoa, é mais importante ter dinheiro paraa alimentação dos meus filhos em casa. Então, nós não po<strong>de</strong>mos julgaras pessoas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> nossos próprios parâmetros, do que eu consi<strong>de</strong>rovalioso para a minha vida, mas sim pela percepção do outro, do que eleou ela consi<strong>de</strong>ra valioso na vida <strong>de</strong>les.Com relação à questão da eliminação ou da redução das vulnerabilida<strong>de</strong>s,você precisa i<strong>de</strong>ntificar se é uma vulnerabilida<strong>de</strong> natural, física,social, econômica ou política. Essas vulnerabilida<strong>de</strong>s precisam ser expos-113
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