20.04.2013 Views

ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto

ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto

ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Com a vivência de tantas dicotomias e injustiças,"Afronteira de asfalto" institui-<br />

se como um conto de in<strong>da</strong>gações, com uma ambiência dramática e numa cadência<br />

bastante rima<strong>da</strong>. As reflexões e as dúvi<strong>da</strong>s prendem-se também com a distância<br />

entre a infância e o tempo presente e fazem-se pela voz de Marina: "Porque é que ela<br />

não podia continuar a ser amiga dele, como fora em criança? Porque é que agora era<br />

diferente?" (Vieira, 1978: 94). A infância é o tempo de rememoração e de evocacão<br />

neste processo que Ricar<strong>do</strong> usa para fazer valer a sua posição e a incompreensão <strong>do</strong><br />

mun<strong>do</strong> presente. As palavras <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r são bastante apelativas e sintetizam esta<br />

distância entre o antes e o agora: "E lembrava-se <strong>do</strong> tempo em que não havia perguntas,<br />

respostas, explicações. Quan<strong>do</strong> ain<strong>da</strong> não havia a fronteira de asfalto" (Vieira, 1978:<br />

93). O tempo <strong>da</strong> infância é o tempo <strong>da</strong>s utopias concretiza<strong>da</strong>s, o tempo no qual não<br />

existe esta barreira metaforiza<strong>da</strong> na fronteira de asfalto.<br />

A infância pode ser a representação de um tempo contestatário, um tempo de<br />

fantasia, de brincadeira e de negação <strong>da</strong>s imposições adultas, que, no caso <strong>do</strong> conto<br />

de Luandino Vieira, se prendem com a discriminacão pela cor <strong>da</strong> pele. É um perío<strong>do</strong><br />

no qual se encontram diluí<strong>da</strong>s as diferenças, mas que, passa<strong>da</strong> a sua fronteira, estas<br />

impõem-se como estigmas de uma convivência salutar como o fora outrora. José Carlos<br />

Venãncio considera que em A Ci<strong>da</strong>de e n Infdncin e em Quinnxixe, de Amal<strong>do</strong> Santos, a<br />

infância "é vista como um tempo de igual<strong>da</strong>de não só porque a inocência <strong>do</strong>s anos o<br />

permitia,mas também porque o colonialismo e o sistema económico que o sustentava<br />

ain<strong>da</strong> não se haviam feito sentir com to<strong>da</strong> a sua pleniiude em Luan<strong>da</strong>" (1996: 94).<br />

Contu<strong>do</strong>, no caso concreto <strong>do</strong> conto em análise, esta fase <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> não deixa de<br />

comportar uma marca negativa que é lembra<strong>da</strong> por Ricar<strong>do</strong>: ele era o filho <strong>da</strong> lavadeira<br />

que servia para distrair a "menina Nina <strong>do</strong>s caracóis louros" (Vieira, 1978: 93).<br />

Quan<strong>do</strong> se ultrapassam determina<strong>da</strong>s fronteiras, acontece o inespera<strong>do</strong>. De<br />

acor<strong>do</strong> com o exposto, outro tipo de fronteiras estabeleci<strong>do</strong> nas obras agora em esh<strong>do</strong><br />

são a infância e as relações profissionais.<br />

Ultrapassa<strong>da</strong> a infância de Marina e Ricar<strong>do</strong>, a amizade é abruptamente interrom-<br />

pi<strong>da</strong>, primeiro, pelo desejo que eles se afastem e, depois, pela morte de Ricar<strong>do</strong>.<br />

Ultrapassa<strong>da</strong>s a infância, a relação profissional e a amizade de Arlete e Marajá, dá-se<br />

a concretização física <strong>do</strong> seu relacionamento, que acontece na "sala <strong>da</strong>s taças" <strong>do</strong><br />

clube que o pai dela dirige e onde ele trabalha, "num <strong>do</strong>mingo, à tarde", o primeiro<br />

dia <strong>da</strong> semana, que inicia um novo ciclo e que inaugura um tempo e um espaqo<br />

íntimos <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is. Este acontecimento ocorre após terem caça<strong>do</strong> uma barata branca<br />

(Xitu, s.d.: 85-87), que serve para Arlete "saber se ela é igual à barata preta na sua<br />

constiiuição física e comportamento" (Xitu, s.d.: 102), o que faz deste animal uma<br />

metáfora <strong>da</strong> busca <strong>da</strong>s igual<strong>da</strong>des <strong>do</strong>s seres humanos ou, então, uma parábola <strong>da</strong><br />

desconstmção <strong>do</strong> preconceito racista que paira sobre eles. Com a descoberta <strong>do</strong><br />

incidente, dá-se uma série de peripécias que culmina com a ideia de se realizar um<br />

casamento fictício entre Arlete e Marajá, que seria, para o casal Pinto, um "~rirne"~,<br />

para outros pais, "infelici<strong>da</strong>de" certa e, paraDona Laura, um motivo de grande alegria,<br />

por ser "uma bomba" (Xitu, s.d.: 125), pelo que ela começou a preparar o "afilha<strong>do</strong>"<br />

para a cerimónia (Xitu, s.d.: 134-135).

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!