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ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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A iRAÇA. OU A ILUSÃO DE UMA IDEMIDADE DEFINITIVA<br />

.. . .. . . ... . .. . ..... . .. . . . .... . .. .. . .... . .. . .. . . . .. . .. . .. . .. . .. . .. . .. . .... . .. . .. .. . ... . ... . . .. . ... . .. ..... . . .. . . .. . ... . ... . .. . . . .. . .. . .... , e que o dão enquanto parte de uma cultura ou de uma socie<strong>da</strong>de determina<strong>da</strong>s e <strong>do</strong>s<br />

demais subsistemas que nelas se integram. Se, no senso estrito, identi<strong>da</strong>de faz de<br />

alguém fulano ou sicrano, no lato, ela o toma por parente de uma familia, angolano<br />

ou moçambicano, católico ou protestante, adulto ou criança.<br />

O professor congolês (Icinshasa) V. Y. Mudimbe afirma que, desde o século XV, a<br />

ideia de África vem na Europa, associa<strong>da</strong> à obtenção de novos conhecimentos <strong>da</strong><br />

geografia e <strong>da</strong>s ciências complementares de que seriam de ressaltar a botânica e a<br />

zoologia. Porém, no atinente aos homens até lá desconheci<strong>do</strong>s, o autor destaca<br />

igualmente que esse alargamento de horizontes se entremeia com noçóes tais que<br />

"primitivismo" e "selvajaria" que depressa turvam o olhar europeu sobre as alteri<strong>da</strong>des<br />

que ora transitam <strong>do</strong>s vagos contornos de uma fantasia de toque teratológico<br />

para objectos concretos <strong>da</strong> observação directa. Ao europeu, esse confronto, em<br />

particular com os negros, provoca uma abundância de impressões que prontamente<br />

descambam para um amplo campo semântico onde pre<strong>do</strong>minam os predica<strong>do</strong>s<br />

negativos. E estes estipulam, desde então, para os africanos um paradigma de<br />

diferença que segue imbuí<strong>da</strong> de uma dimensão moral e estética de inferiori<strong>da</strong>de que<br />

não mais é que a representação de um duplo de si recalcad~.~ Contu<strong>do</strong>, será sobre<br />

esta visáo ambígua <strong>do</strong> próprio e <strong>do</strong> outro que os europeus ce<strong>do</strong> fabricarão to<strong>da</strong> uma<br />

literatura que, malgra<strong>do</strong> o intento de tornar a África inteligível, a embacia pelo seu<br />

eurocentrismo desenfrea<strong>do</strong>.<br />

Antes <strong>do</strong> advento <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem crítica e profana <strong>do</strong> Iluminismo à reali<strong>da</strong>de, a<br />

compreensão teológica <strong>do</strong> homem, basea<strong>da</strong> na visão agostiniana <strong>da</strong> dicotomia <strong>da</strong><br />

alma e <strong>do</strong> corpo, fazen<strong>do</strong> deste um circunstancial e assaz pobre invólucro <strong>da</strong>quela a<br />

quem cumpre valorizar, permite que onegro se salve através <strong>da</strong> a<strong>do</strong>pção<strong>da</strong> fé «certa».<br />

A apreciar pelas palavras <strong>do</strong> cronista cristão-novo que viveu a maior porção <strong>da</strong> sua<br />

vi<strong>da</strong> em Angola, António de Ca<strong>do</strong>rnega, isso ocorreria certamente com o alto dignitário<br />

<strong>do</strong> Reino de N'Dongo e tan<strong>da</strong>la, capitão-mor <strong>da</strong> «guerra preta», Dom António<br />

Dias Musungo a Anga, que "era hum valente homem ain<strong>da</strong> que de côres pretas ",<br />

aliás, "preto só em côres, que o mais tu<strong>do</strong> tinha de bran~o."'~ Conquanto, para o<br />

imaginário europeu coevo, a pele negra deste militar traísse algo que se relacionava<br />

com o mal, a primazia <strong>da</strong> alma e a «limpeza», que a sua cristianização infligiu à<br />

«bruteza» de nascença, garantiram obviamente um confortável posto no céu <strong>do</strong>s<br />

brancos a uma individuali<strong>da</strong>de que Beatrix Heintze denuncia como um riquissimo<br />

MUDIMBE, V.Y. Tlie Iden Of Africn Indiana UMversity Press Bloomington and lndiãnapolis /<br />

James Currey, Lan<strong>do</strong>n. 1994. Pp.xi-xii.<br />

'°CADORNEGA,António de Oliveira deHistónaGera1DasGuerrasAneoianas 1680Tomo I. Anotn<strong>do</strong><br />

e corrigi<strong>do</strong> por José Mniins Delga<strong>do</strong> Agência Geral Da Ultramar. Lisboa 1972.-~p.134, 182-185. A *guerra<br />

pretar era uma tropa africana auxiliar <strong>do</strong> exército colonial português.<br />

i 143

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