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ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto

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Nos textos literários em análise, os leitores deparam-se com uma socie<strong>da</strong>de<br />

desequilibra<strong>da</strong>, porque desumaniza<strong>da</strong> ou que se desumanizou de tanto elaborar<br />

processos de coiçil;cnçio. As palavras <strong>da</strong>s restantes personagens brancas e negras sobre<br />

as relações entre os <strong>do</strong>is pares são disso um exemplo. De mo<strong>do</strong> a corroborar esta<br />

afirmação, atente-se na mãe (branca) de Marina e em Josefa, a governanta (negra) <strong>da</strong><br />

família Pinto.<br />

Se, durante a infância, Ricar<strong>do</strong>, o filho <strong>da</strong> lavadeira, é para a mãe de Marina,<br />

"um pretinho muito limpo e educa<strong>do</strong>" (Vieira, 1978: 92. Note-se a ironia <strong>do</strong> emprego<br />

<strong>do</strong> diminutivo), nesta fase já não é benéfico que sejam amigos. Como ela lembra à<br />

filha, "um preto é um preto ... As minhas amigas to<strong>da</strong>s falam <strong>da</strong> minha negligência<br />

na tua educação. Que te deixei.. . Bem sabes que não é por mim!". Num crescen<strong>do</strong> de<br />

ponderações com base nesta discriminação, a mãe pede-lhe que deixem de ser amigos<br />

(Vieira, 1978: 95). Por sua vez, Josefa reflecte longamente sobre a impossibili<strong>da</strong>de de<br />

uma relação entre Marajá e Arlete e sobre as diferenças entre as familias <strong>do</strong>s <strong>do</strong>iss,<br />

mostran<strong>do</strong> um quadro de alienação mental, de vergonhn dn cor (Xitu, s.d.: 127-131).<br />

Avisáo maniqueísta de Josefa e a sua construção de um mun<strong>do</strong> a branco e preto<br />

imacula<strong>do</strong>s encontra como reflexo oposto, passe o aparente para<strong>do</strong>xo, um <strong>do</strong>s eixos<br />

centrais <strong>do</strong> conto de Luandino: o tema geral <strong>da</strong> cor9. Como há a constituição de campos<br />

opositivos entre os <strong>do</strong>is la<strong>do</strong>s <strong>da</strong> fronteira <strong>do</strong> asfalto, sejam físicos ou humanos, há<br />

também diferenças no que toca à presença <strong>da</strong>s cores.<br />

São notórios o violeta <strong>da</strong>s flores; o azul <strong>do</strong>s olhos de Marina; o amarelo <strong>da</strong> casa<br />

de Ricar<strong>do</strong>, <strong>da</strong>s tranças de Marina, <strong>do</strong> seu próprio grito ven<strong>do</strong> o amigo morto; o cor-<br />

de-rosa <strong>da</strong>s paredes <strong>do</strong> quarto de Marina e a sua posterior escuridão; o caqui <strong>do</strong><br />

polícia; o vermelho <strong>do</strong>s laços de Marina, <strong>da</strong> terra <strong>do</strong> musseque, <strong>do</strong> sangue de Ricar<strong>do</strong><br />

inanima<strong>do</strong> no chão; a brancura <strong>da</strong> neve e <strong>da</strong> cor <strong>da</strong> pele <strong>da</strong> menina; a negrura <strong>do</strong>s<br />

"sapatos pretos" de Marina, <strong>da</strong> carapinha de Ricar<strong>do</strong>, <strong>da</strong> sua pele ou a escuridão<br />

"<strong>da</strong>s casas de zinco e <strong>da</strong>s mulembas". Com a chega<strong>da</strong> <strong>da</strong> noite, fica uma cor síntese:<br />

"A lua punha uma cor crua em tu<strong>do</strong>" (Vieira, 1978: 91-97. Sublinha<strong>do</strong> meu).<br />

BJ~~efa,<br />

como se percebenas suas caractedsticasaolongo de Os Discirrsos <strong>do</strong> "Mcsfre"Tnmodn, constitui-<br />

-se por um processo a que Memmi designa como mistificnpio, pois a<strong>do</strong>ptou a ideologia <strong>do</strong>minante <strong>do</strong><br />

coloniza<strong>do</strong>r para se compor enquanto actante social e personagem (1973: 117). Atente-se, por exemplo,<br />

nas seguintes palavras, num discursa conçtd<strong>do</strong> sobre lupóteses hihiras e com base numa ditali<strong>da</strong>de<br />

antinómica realiza<strong>da</strong> por uma coloniza<strong>da</strong>: "Vieram <strong>do</strong> mato, <strong>da</strong>s matutos, a apresentarem-se na casa<strong>do</strong>s<br />

consogros. Sentam-se na meça, não sabem comer com garfo, nemcom colher, pegam com as mãos o peke,<br />

a carne e o arroz, o molho a cair-lhes entre os de<strong>do</strong>s para a toalha bor<strong>da</strong><strong>da</strong> e branca como a neve; as<br />

comi<strong>da</strong>s a cairem [sic] no tapete; a pedirem mais vinho, bêba<strong>da</strong>s e a quererem <strong>da</strong>nçar a <strong>da</strong>nça delas <strong>do</strong><br />

mato. <strong>do</strong>s gentios, numa casa cheia de tapetes de Iiwo e de espelhos a que uma delas ao querer abracar a<br />

sua própria imagembateu coma cabeça e partiu0 espelho allieia" (Xitu, s.d.: 130). O discurso de Josefa, tal<br />

como o discurso colonial, caracteriza-se pela sua ambivalência que produz a diferenga em excesso sob<br />

Conçhuçõeç metonímicas e de semelhança (Bbabha, 1995: 86-90).<br />

Salvata Trigo, numa obra dedica<strong>da</strong> ao estu<strong>do</strong> <strong>da</strong>s textos literários de Luandino Vieira, considera<br />

que a cor é "um mofino literário em C. I. [A Cidndr e n Infincin]" (Trigo, 1981: 211. Itálico no original).

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