ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto
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tam o Islão como um Islão "globaliza<strong>do</strong>r" <strong>da</strong>s dimensões profana e sagra<strong>da</strong>, o to<strong>do</strong><br />
subordina<strong>do</strong> ao sagra<strong>do</strong>, evidentemente.<br />
Esta visão "legalista", por assim dizer, que transpõe o quadro tradicional <strong>do</strong><br />
século VI1 <strong>do</strong> tempo <strong>do</strong>s quatro primeiros califas para a vi<strong>da</strong> moderna <strong>do</strong> século XXI,<br />
esconde sub-repticiamente fins políticos não explícitos numa primeira fase e que só<br />
serão revela<strong>do</strong>s à luz <strong>do</strong> dia, geralmente sob a formamais violenta, aquan<strong>do</strong><strong>da</strong> futura<br />
toma<strong>da</strong> <strong>do</strong> poder.<br />
Foi o que aconteceu com os Talibaus no Afeganistão, os quais mostraram clara-<br />
mente até onde o islamismo político poderá ir se a ocasião for ofereci<strong>da</strong> aos integristas<br />
religiosos muçulmanos de porem em prática as suas ideias.<br />
Há alguns anos o antigo ministro <strong>da</strong> Justica <strong>do</strong> Sudão, Hassan A1-Turabi, deu<br />
uma longa entrevista ao canal televisivo francês TV5 sobre desenvolvimento e<br />
modemi<strong>da</strong>de. O seu discurso era um modelo de inteligência, de serena democra-<br />
tici<strong>da</strong>de e de justeza que entusiasmou muitos telespecta<strong>do</strong>res. Estes não sabiam,<br />
porém, que Hassan Al-Turabi, durante os poucos anos que esteve 110 poder,foi talvez<br />
o ministro que mais mãos man<strong>do</strong>u cortar na história <strong>do</strong> Sudão, geralmente por<br />
pequenos roubos, e é certamente um <strong>do</strong>s políticos mais extremistas <strong>da</strong>quele pais.<br />
Como muitas vezes acontece com os islamitas, os princípios "de fnchndn"que Turabi<br />
proclamou durante a entrevista na<strong>da</strong> tinham a ver com a filosofia integrista que<br />
realmente defendia ...<br />
Esta imagem redutora <strong>do</strong> Islão tem conteú<strong>do</strong>s meto<strong>do</strong>lógicos e epistemológicos<br />
que se diferenciam <strong>do</strong>s fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> modernidnde. Nela o saber islâmico é percebi<strong>do</strong><br />
como um conjunto de <strong>da</strong><strong>do</strong>s externos e absolutos, cujas fontcs são exclusivamente o<br />
Coráo e a Suna toma<strong>do</strong>s "à letra" como se no século VI1 nos encontrássemos.<br />
Esta visão "clássica" não corresponde a uma procura <strong>do</strong> desconheci<strong>do</strong>,mas antes<br />
a um processo mecânico para reunir e controlar o que é conheci<strong>do</strong>.<br />
Um autor muçulmano disse que o processo cognitivo islamita é um processo<br />
cognitivo passivo. O saber, acrescentou, não é considera<strong>do</strong> como uma acção activa<br />
para alcancar o desconheci<strong>do</strong>, mas sim uma aquisição passiva <strong>do</strong> saber já estabeleci<strong>do</strong>.<br />
Assim, o saber religioso é, por um la<strong>do</strong>, a razão exegética que subestima o raciocínio<br />
independente e crítico para se tornar ela própria um saber autista incontesta<strong>do</strong>; e,<br />
por outro la<strong>do</strong>, é um saber cíclico, por assim dizer, que funciona num circuito fecha<strong>do</strong><br />
onde a legitimacão se passa no interior <strong>do</strong> próprio paradigma.<br />
Isto traduz de certo mo<strong>do</strong> uma auto-suficiência epistemológica que consiste em<br />
contentar-se de um conjunto axiomático de postula<strong>do</strong>s que só precisam de justificação<br />
na "fé", o que impede a sua inter-relação e diálogo com disciplinas científicas,<br />
bastan<strong>do</strong>-se a si própria.<br />
Olivier Roy notou que o letra<strong>do</strong> islâmico (em particular no caso <strong>do</strong> islâmico<br />
radical ou islnrnitn como acima ficou defini<strong>do</strong>) elimina a questão <strong>do</strong> laicismo como<br />
irrelevante. Para ele o paradigma que defende é um paradigma irredutivelmente<br />
compartirnenta<strong>do</strong>, quer dizer ancora<strong>do</strong> no transcendente e, desde logo, não crítico.<br />
Este conceito de "nio crítico" é importante porque admite sem hesitação a possibili<strong>da</strong>de