ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto
ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto
ontem e hoje - Repositório Aberto da Universidade do Porto
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
LUANDA LITERÁRIA A VARIAS CORES - O TEMA DO RACISMO EM LUANDINO VIEIRA E UANHENGA XIIU<br />
: ............................................................................................................................... "<br />
No que respeita a este casal, é o narra<strong>do</strong>r que enfatiza sempre a impossibili<strong>da</strong>de<br />
de uma relação entre eles, pois adverte que os casamentos inter-rácicos eram raros e<br />
que "a questão <strong>da</strong> raça era muito viva", levan<strong>do</strong> a "vexames na vi<strong>da</strong> profissional e<br />
social" de quem os praticava e a consequentes discriminações. Especificamente entre<br />
estas duas personagens havia "grandes barreiras" decorrentes não só <strong>da</strong> cor <strong>da</strong> pele,<br />
mas também de vivências sociais, familiares e educacionais (Xitu, s.d.: 124). Arlete é<br />
branca, ou, melhor, mestiça7, e Marajá é indígena e negro, um indígena conforma<strong>do</strong><br />
(Xitu, s.d.: 118), o que inviabiliza uma luta pela ascensão social.<br />
Em termos sintéticos <strong>do</strong> que pode observar-se na forma como se desenvolvem<br />
as relações entre os <strong>do</strong>is pares de personagens, recorro à combinação <strong>da</strong>s duas lógicas<br />
com que Michel Wieviorka caracteriza o racismo. Este implica uma lógica inigualitária<br />
-pois "corresponde a um princípio de inferiorização <strong>do</strong> grupo segrega<strong>do</strong>" - e outra<br />
diferencialista -já que tem subjacente "uma vontade de rejeição, de colocação à<br />
distância, de exclusão e, nas situações mais extremas, de expulsão, quan<strong>do</strong> não de<br />
destruição" (1995: 12-13).Assim, e pelo que já foi observa<strong>do</strong>, as distâncias consagra<strong>da</strong>s<br />
entre as personagens medem-se por três ordens de factores. Os <strong>do</strong>is primeiros, a cor<br />
<strong>da</strong> pele e o tipo de relações sociais que se estabelecem entre elas, já foram analisa<strong>do</strong>s.<br />
Um terceiro factor será enforma<strong>do</strong> pelas hetero-identificações, ou seja, pelas opiniões<br />
que as personagens secundárias veiculam sobre a proximi<strong>da</strong>de entre Marina e Ricar<strong>do</strong><br />
e Arlete e Marajá.<br />
A distância entre as personagens, então, também é mensurável pelas consi-<br />
derações que as restantes personagens secundárias sobre elas tecem, em processos<br />
de construção de identi<strong>da</strong>des. Com estes processos, visa-se afastar Marina de Ricar<strong>do</strong><br />
e Arlete de Marajá e consoli<strong>da</strong>r a separação como permanecente; visa-se, afinal, manter<br />
uma ordem social (assente na lógica colonial), que se veria ameaça<strong>da</strong> com relações<br />
mais estreitas entre pessoas com diferentes cores de pele. A temática <strong>do</strong> racismo<br />
entronca então em questões não só de identi<strong>da</strong>de, mas também de relações de poder,<br />
com o exercício <strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de colonial e a sua produção de diferenciações e de práticas<br />
discriminatórias (cf. Bhabha, 1995: 111).<br />
6Emconversa coma <strong>do</strong>utor Camargo, um braçileiro"<strong>do</strong>utor em filosofia, sociologia, umanh-opólogo,<br />
einólogo e professor de direito", o pai de Arlete mostra a sua indignação não pela per<strong>da</strong> <strong>da</strong> virgin<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />
filha, mas parqueisso "se deu com umrapaz preto, um servente <strong>do</strong> clube, sem qualquer possibili<strong>da</strong>de de<br />
vir a ser pessoa". A resposta de Camargo faz-se sob o signo <strong>da</strong> miçcigenaçáo (que náo énegativa, antes<br />
natuml) e <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de um negro ser "um futuro homem" (Xitu, s.d.: 112-113. Siibiinl~a<strong>do</strong> meu),<br />
sentença <strong>da</strong><strong>da</strong> por iuna personagem que, pelas diversas formações e pelo teor <strong>da</strong> sua mensagem, tem iim<br />
propósito de autori<strong>da</strong>de conciliatória na abra. Note-se, de qualquer forma, a polarizagão não humano/<br />
possibili<strong>da</strong>de de ser humano, umadicotomia deextremaviolênciaque éexemplo<strong>da</strong> temática<strong>da</strong> coisficnçio<br />
que aliei ao racismo no início deste artigo.<br />
'Arlete não era brnncn, já que era "a mais escura <strong>do</strong>s irmáos, como quem diz, notava-se ter sangue<br />
negro, uma cabrita clara, não tanto como os seusmanas,que passavamniti<strong>da</strong>mentepor brancos". Afamilia<br />
de Arlete condençava várias regiões <strong>do</strong> então império português: a bisavó era negra piineeiise casa<strong>da</strong><br />
com um xoês. cuia filha (avó de Arlete) nascera em Cabo Verde e casara com um vortuguès;Dona . .. Amélia<br />
iiasccra em Muq.imbi.quc co scnh~ir Pinto em SioT~inl, ten<strong>do</strong> Arlctc c alguiù irmios nnsciioem Angola<br />
. .' hsini. a bclr.zn <strong>da</strong> ju\wm "rr'l>rcseiilnva qiias* que o aiitigd ImpL'rio Coloiitd i'urtiigiiCi" (Xini, 3.d: 9?.<br />
i 133