memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
colchões para elas <strong>de</strong>itarem porque era mais macio e usava como<br />
proteção o saco <strong>de</strong> cimento preparado porque não tinha plástico<br />
naquela época. Uma pilha <strong>de</strong> saco <strong>de</strong> cimento. Chegava nessas<br />
casas e às vezes nem água tinha para botar na panela.<br />
Antes eu preparava as senhoras, eu chamava e todo mês elas<br />
vinham aqui para ver se a gravi<strong>de</strong>z estava normal. Atendia<br />
assim no postinho, man<strong>de</strong>i até fazer a mesa, uma mesa alta,<br />
então eu fazia os exames pré natal, auscultava o bebê, uma vez<br />
por mês, fazia exame <strong>de</strong> urina to<strong>da</strong> semana, qualquer<br />
anormali<strong>da</strong><strong>de</strong> que apresentasse a parturiente (e<strong>de</strong>ma, dor <strong>de</strong><br />
cabeça), não tinha aparelho <strong>de</strong> pressão, corria, man<strong>da</strong>va a<br />
paciente para o doutor Humberto, outras vezes eu mesma levava<br />
a parturiente até o Dr. Humberto. Lá então ele medicava e<br />
tomava providência. Agora quanto era um parto difícil eu<br />
man<strong>da</strong>va chamar o médico, man<strong>da</strong>va uma pessoa <strong>da</strong> família ir<br />
falar com o médico que viesse urgente. Eles atendiam com muita<br />
precisão e aí eu já tirava a minha responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>, não<br />
estava sozinha compreen<strong>de</strong>? E foram muitos partos que precisava<br />
<strong>de</strong> médico. Tinha o hospital em Buritizeiro mas era um hospital<br />
muito simples, só tinha o Dr.Malard, ele operava, fazia<br />
apêndice, essas operaçõezinhas simples. Fora isso tinha os<br />
admitidos lá a maioria <strong>de</strong> clínica geral. Então, assim eu<br />
fiquei trabalhando aqui: era casa <strong>de</strong> rico, casa <strong>de</strong> pobre, não<br />
tinha esse negócio não, era qualquer hora do dia ou <strong>da</strong> noite.<br />
Uniformiza<strong>da</strong>, an<strong>da</strong>ndo <strong>de</strong> bicicleta, <strong>de</strong> noite, com chuva, <strong>de</strong><br />
madruga<strong>da</strong>, sozinha. D. Cardoso faz um aparte: entrava em ca<strong>da</strong><br />
ambiente pesado, perigoso. ao que D. Oliveira respon<strong>de</strong><br />
enfaticamente: Não, não era! Pirapora não era como hoje não.<br />
Há alguns anos atrás você podia sair e <strong>de</strong>ixar a chave na porta<br />
que ninguém entrava para pegar na<strong>da</strong>. E a gente se tornou<br />
conheci<strong>da</strong>, quando saía assim <strong>de</strong> noite, muito tar<strong>de</strong>, ia para<br />
casa com tranquili<strong>da</strong><strong>de</strong> porque só aparecia pessoa conheci<strong>da</strong>: eu<br />
conhecia todo mundo, todo mundo me conhecia. Não tinha ladrão,<br />
tinha não! Não tinha mal<strong>da</strong><strong>de</strong>, dificilmente tinha um tiro,<br />
fulano <strong>de</strong>u um tiro em fulano, tinha isso não, não é João? Era<br />
uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> calma, uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> gostosa, todo mundo conhecendo<br />
todo mundo. Muito pobre: esse bairro aqui <strong>da</strong> Pitombeira,<br />
paupérrimo, não tinha na<strong>da</strong>, chegava na casa não tinha água<br />
para botar na panela. A mulher estava lá, chegava a estar umas<br />
pedrinhas, assim três pedrinhas, com uma panelinha encima.<br />
Perguntava: Uai, a sra. não acen<strong>de</strong>u o fogo hoje, não fez café,<br />
na<strong>da</strong>? Pra quê dona, pra esquentar água? Não tinha na<strong>da</strong> para<br />
fazer E o povo era bom! Tinha esses vapores que chegavam<br />
muitos por dia, mas trazia tanta carne! Surubim, aquelas ro<strong>da</strong>s<br />
assim enormes, peixe carnudo <strong>de</strong> <strong>da</strong>r gosto. Não sei como eles<br />
preparavam aquilo, aquela quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, ca<strong>da</strong> um dos<br />
“vaporzeiros” trazia para mim! E era abóbora, aqueles doces <strong>de</strong><br />
buriti, e banana, e mandioca, e frango, e tudo! Enchiam tudo,<br />
uma fartura! Essa casa que eu moro era menor, mas tinha um<br />
quartinho aqui que se <strong>de</strong>stinava a esse fim e enchia todo!<br />
Então eu vinha para casa, sempre acompanha<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma pessoa <strong>de</strong><br />
123