memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
adiantado saí para aten<strong>de</strong>r outro parto, isso costumava<br />
acontecer. Cheguei lá, era uma casinha <strong>de</strong> barro, uma fogueira<br />
feita no chão, com quatro crianças senta<strong>da</strong>s em redor. Uma<br />
tinha só uma calcinha, outro tinha só camisinha e branco <strong>de</strong><br />
gea<strong>da</strong> na rua! A mulher estava <strong>de</strong>ita<strong>da</strong> em cima <strong>de</strong> um monte <strong>de</strong><br />
capim, com uma tira <strong>de</strong> uma manta, porque antigamente fazia<br />
aquelas mantas <strong>de</strong> roupa velha, em cima <strong>de</strong> um pe<strong>da</strong>ço <strong>da</strong>quela<br />
manta e com o outro pe<strong>da</strong>ço cobrindo o corpo <strong>de</strong>la. E <strong>da</strong>í a<br />
pouco o neném nasceu, e aquela manta molhou, eu tinha colocado<br />
couro <strong>de</strong>baixo, mas sabe como é que é, molhou aquela manta <strong>de</strong><br />
baixo. E agora? O neném nasceu, ela não tinha uma roupinha <strong>de</strong><br />
neném e branco <strong>de</strong> gea<strong>da</strong>, o que eu ia fazer? Enfaixei primeiro<br />
o umbiguinho, tinha faixas comigo, peguei o paletó do homem,<br />
um paletó velho, tirei a manga fora, botei o neném <strong>de</strong>nto <strong>da</strong><br />
manga e o outro pe<strong>da</strong>ço do paletó, botei embaixo <strong>da</strong> mulher. Daí<br />
passei em casa dos vizinhos e man<strong>de</strong>i que eles levassem roupa<br />
lá e aten<strong>de</strong>r aquela gente, que senão iam morrer <strong>de</strong> frio.<br />
Então eu cobrava <strong>de</strong> quem podia pagar. Eu cobrava um tanto<br />
que a gente hoje não sabe nem dizer o quanto valia. Aquele<br />
tempo era um valor que a gente calculava, baseado em quem<br />
tinha porcos, quando vendia o porco ou a banha. Por exemplo:<br />
uma lata <strong>de</strong> banha era o que eu cobrava, o equivalente, mas<br />
aquele dinheiro era pouco, aqueles cem “réizinhos”, aquela<br />
nota vermelhinha, que eu nem sei quanto é que vale se comparar<br />
com o dinheiro <strong>de</strong> agora. Era pouca coisa que eu cobrava e<br />
muitos partos eu fazia <strong>de</strong> graça. Não podia pagar como é que eu<br />
ia cobrar? Eu tinha que aju<strong>da</strong>r.<br />
Minha casa tinha seis quartos: um on<strong>de</strong> eu dormia e tinha<br />
cinco quartos menores. Muitas vezes as parturientes que<br />
moravam mais longe, do Costão <strong>da</strong> Serra que ficava a uns vinte<br />
ou vinte e cinco quilômetros <strong>de</strong> distância, eu já man<strong>da</strong>va vir<br />
antes. Às vezes ficavam um mês aqui na minha casa. Esperando<br />
neném elas ficavam aqui comigo. Eu <strong>da</strong>va tudo para elas! Sim, e<br />
nunca faltou comi<strong>da</strong> na mesa! Era difícil, muito difícil, uma<br />
vez que se sentava na mesa e não tinha gente <strong>de</strong> fora comendo<br />
conosco. E nós trabalhávamos muito: o meu marido fazia roça, e<br />
quando as crianças estavam maiores aju<strong>da</strong>vam ele na roça,<br />
tratavam <strong>de</strong> tudo quanto é coisa, olhe, ninguém morreu <strong>de</strong> fome<br />
e todo mundo se criou. Se todo mundo fizesse assim, não viviam<br />
pedindo esmola. Nós éramos pobres, não tínhamos casa, fomos<br />
morar numa casinha aluga<strong>da</strong>, quando nos casamos mas tudo foi se<br />
encaminhando.<br />
Eu precisava <strong>de</strong> remédio, porque era longe <strong>de</strong> recurso e não<br />
era só parto que eu atendia. Também vinha <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong> tudo. Aí<br />
eu fui obriga<strong>da</strong> a montar uma farmaciazinha. Montei uma<br />
farmácia em casa, e veio uma lei que não podia ter farmácia<br />
sem ter o curso prático <strong>de</strong> farmácia. Fui à Florianópolis e fiz<br />
o curso prático <strong>de</strong> farmácia. Ia lá, pegava a minha apostila,<br />
vinha para casa, estu<strong>da</strong>va, voltava lá e prestava os exames,<br />
que eram feitos no Departamento <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>. Depois a gente tinha<br />
que manipular remédio porque naquele tempo existia muito<br />
95