memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
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quem <strong>de</strong>tém a alta tecnologia <strong>da</strong> parturição, o conhecimento científico necessário e<br />
automaticamente a qualificação profissional <strong>de</strong> alta complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> que se exige para esse fim.<br />
A parteira ficava com o controle do parto o tempo que fosse necessário. Vejamos o<br />
que contém esse “controle do parto” realizado pela parteira, que a meu ver po<strong>de</strong> ser analisado<br />
a partir <strong>de</strong> dois pontos <strong>de</strong> vista distintos: do ponto <strong>de</strong> vista dos partos domiciliares e do ponto<br />
<strong>de</strong> vista dos partos institucionais realizados em materni<strong>da</strong><strong>de</strong>s ou hospitais gerais.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista dos partos realizados em casa esse controle do parto pela parteira<br />
durante várias horas implicava em um envolvimento afetivo e efetivo com as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
reais <strong>da</strong>s mulheres <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seu mundo: sua casa, os filhos, o marido, a mãe, as necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
materiais reais em todos os aspectos. Isso levava a um envolvimento bastante intenso entre<br />
<strong>parteiras</strong> e mulheres cui<strong>da</strong><strong>da</strong>s, em que os cui<strong>da</strong>dos iam além do controle do parto<br />
propriamente dito. Esses cui<strong>da</strong>dos direcionavam-se então para os afazeres cotidianos comuns<br />
às mulheres (D. Deta mesmo relata que fazia pão e costurava nas casas em que atendia),<br />
criando um clima <strong>de</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> capaz <strong>de</strong> fazer com que elas provi<strong>de</strong>nciassem roupas e até<br />
alimentos para essas mulheres. Em muitos casos elas continuavam a acompanhar a mulher e o<br />
concepto após o parto até pelo menos oito dias, mantendo um vínculo cui<strong>da</strong>tivo real.<br />
Do ponto <strong>de</strong> vista do parto institucionalizado esse controle do parto toma<br />
características diferentes, apesar <strong>de</strong> que novamente essa responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> seja <strong>da</strong> parteira, ou<br />
<strong>da</strong> aten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> enfermagem, ou <strong>da</strong> auxiliar, ou <strong>da</strong> enfermeira, enfim <strong>de</strong> uma mulher. Só que<br />
no espaço institucional o controle está submetido a uma rotina muitas vezes rígi<strong>da</strong>, a uma<br />
prescrição médica, aos espaços <strong>de</strong>terminados para ca<strong>da</strong> fase i<strong>de</strong>ntificável <strong>da</strong> evolução do<br />
parto. As mulheres aqui já não têm nome ou qualquer tipo <strong>de</strong> problema social ou familiar que<br />
as aflijam, ficaram lá fora, bem distante. As cui<strong>da</strong>doras se suce<strong>de</strong>m <strong>de</strong> acordo com as escalas<br />
<strong>de</strong> plantão. Mas existem aquelas que ficam mais próximas, confortam, animam, explicam,<br />
escutam, enfim têm a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> feminina e <strong>de</strong>sejável às mulheres que cui<strong>da</strong>m. Não é à toa que<br />
muitos hospitais que na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> empenham-se no processo <strong>de</strong> reconhecimento para<br />
alcançarem o título <strong>de</strong> “Materni<strong>da</strong><strong>de</strong> Segura” têm chamado aos serviços como voluntárias as<br />
“doulas” que em algumas regiões foram <strong>parteiras</strong> no passado.<br />
Vejamos então o que é possível <strong>de</strong>preen<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ssa conjuntura apresenta<strong>da</strong> nesse estudo<br />
até então, e quais as possíveis conseqüências para a humanização do parto. Tentemos<br />
primeiramente compor o conjunto <strong>de</strong> “atributos” relativos à qualificação profissional e<br />
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