memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
143<br />
na dupla conjunção entre sexo e classe. Esta dupla conjunção <strong>de</strong>fine os conteúdos<br />
<strong>da</strong>s primeiras - masculinas, científicas, portadoras <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira<br />
qualificação profissional - frente às segun<strong>da</strong>s - relaciona<strong>da</strong>s às “quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s”<br />
femininas, empíricas, etc.. (LOPES, 1996, p. 82)<br />
Nota-se que vocação <strong>de</strong>marca um campo <strong>de</strong> fazer específico do trabalho feminino no<br />
contexto hospitalar, marcado muito mais pelo que Lopes <strong>de</strong>fine como “quali<strong>da</strong><strong>de</strong>” que está<br />
relaciona<strong>da</strong> ao papel <strong>de</strong> gênero feminino, em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> “qualificação profissional”. A<br />
medicina seria reconheci<strong>da</strong> pela qualificação profissional valoriza<strong>da</strong> em <strong>de</strong>trimento <strong>da</strong>s<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s femininas do cui<strong>da</strong>r muito liga<strong>da</strong>s à vocação e <strong>de</strong>svaloriza<strong>da</strong>s socialmente. No<br />
caso específico <strong>da</strong> obstetrícia essa qualificação profissional valoriza<strong>da</strong> e reconheci<strong>da</strong><br />
socialmente justificaria inclusive a presença do médico na sena do parto, enquanto os não<br />
médicos só são aceitos se do sexo feminino.<br />
Esta visão mantém a enfermeira, enfermagem, <strong>parteiras</strong> subjuga<strong>da</strong>s às estratégias <strong>de</strong><br />
po<strong>de</strong>r engendra<strong>da</strong>s na instituição, conforme analisa Lopes:<br />
No entanto, a sua concepção enquanto savoir-faire feminino, baseado em um<br />
sistema <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o <strong>de</strong>s-singulariza e subsidia sua ação, inscrevendo-a em uma<br />
dinâmica móvel <strong>de</strong> divisão e <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> trabalho ditados em parte pelo saber<br />
médico, mas também pela gestão organizacional Eis que essas concepções e a<br />
qualificação (competências e valores) <strong>de</strong>fini<strong>da</strong>s pelo empregador (o hospital e a<br />
prática médica) sustentam, <strong>de</strong> um lado, a hierarquia e os baixos níveis salariais do<br />
trabalho <strong>de</strong> Enfermagem e, <strong>de</strong> outro, os postos mais valorizados no plano salarial e<br />
<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. (LOPES ,1986, p.82-83)<br />
Tal situação leva a uma <strong>da</strong>s conseqüências mais persistentes na área <strong>da</strong> saú<strong>de</strong>, à<br />
exemplo do que ocorre na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como um todo: a invisibili<strong>da</strong><strong>de</strong> do trabalho feminino, sua<br />
<strong>de</strong>svalorização e os baixos salários. Percebe-se hoje que o gran<strong>de</strong> entrave colocado pelos<br />
médicos ao parto feito por enfermeiras está no fato <strong>de</strong> que o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> autorizou o<br />
pagamento <strong>de</strong>stas profissionais por parto normal realizado equiparado ao valor pago ao<br />
médico. É interessante observar nas narrativas que sempre as <strong>parteiras</strong> fizeram os partos sem<br />
nenhum problema com os médicos porque eles podiam fazer suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s em outros locais<br />
e mesmo não realizando os partos recebiam por eles.<br />
Esporadicamente o médico atendia, faziam pouco partos, muito poucos. Também<br />
eles não tinham tempo para isso não é?. Não tinham tempo porque eles tinham os<br />
consultórios para aten<strong>de</strong>r, em coisas que rendiam mais. Porque eu acredito que eles<br />
até nem tivessem um ganho como hoje eles têm, talvez economicamente[...]Tu já<br />
pensasse se um médico, que tem outras atribuições lá fora, fosse aten<strong>de</strong>r um parto<br />
em enfermaria? É uma casa particular, não pagava. Isso não ficava conveniente<br />
financeiramente pra eles”. Nós ganhávamos só o salário <strong>da</strong> materni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Sabe qual é<br />
a minha aposentadoria hoje <strong>de</strong>sta materni<strong>da</strong><strong>de</strong>? Quatrocentos reais! (D. Army)