memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
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simbolicamente ain<strong>da</strong> no espaço doméstico, não nos colocando “<strong>de</strong> fato” no jogo, conforme<br />
afirma o autor:<br />
O habitus masculino não se constrói e não se realiza senão em relação com o espaço<br />
reservado em que se jogam, entre homens, os jogos sérios <strong>da</strong> competição, quer se<br />
trate dos jogos <strong>de</strong> honra, cujo limite é a guerra, ou dos jogos que, nas socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
diferencia<strong>da</strong>s, oferecem à libido dominandi, sob to<strong>da</strong>s as suas formas, econômica,<br />
política, religiosa, artística, científica, etc., campos <strong>de</strong> ação possíveis. Estando<br />
excluí<strong>da</strong>s <strong>de</strong> direito ou <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>sses jogos, as mulheres ficam limita<strong>da</strong>s ao papel <strong>de</strong><br />
espectadoras ou, como diz Virgínia Wolf, <strong>de</strong> espelhos aduladores, que <strong>de</strong>volvem ao<br />
homem a figura engran<strong>de</strong>ci<strong>da</strong> <strong>de</strong> si mesmo à qual ele <strong>de</strong>ve e quer se igualar, e<br />
reforçam, assim, seu investimento narcísico numa imagem i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong> <strong>de</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>.<br />
(BOURDIEU , 1995,P.167)<br />
Reforço essa linha <strong>de</strong> raciocínio usando a fala <strong>de</strong> Riesco (1998), que ao tentar<br />
historicizar e <strong>de</strong>finir papéis <strong>de</strong> categorias diferencia<strong>da</strong>s na enfermagem obstétrica não refletiu,<br />
aprofundou ou problematizou a per<strong>da</strong> <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r (se é que ele existiu) <strong>da</strong> obstetriz, limitando-se<br />
a dizer que:<br />
Ao longo <strong>de</strong> vários anos, e em especial nos momentos <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nça na legislação <strong>de</strong><br />
ensino, enfermeiras e obstetrizes travaram embates, dos quais restam<br />
estereótipos. As obstetrizes são aquelas que dominam um saber e que não<br />
<strong>de</strong>legam suas atribuições a outras pessoas <strong>da</strong> equipe <strong>de</strong> enfermagem menos<br />
qualifica<strong>da</strong>s ou menos titula<strong>da</strong>s: se igualam com os médicos obstetras em<br />
conhecimentos e habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s técnico-científicos e em liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> atuação; têm<br />
mais conhecimentos específicos e maior respeitabili<strong>da</strong><strong>de</strong> profissional junto à<br />
equipe médica e à clientela; prestam cui<strong>da</strong>dos diretos, com domínio profundo<br />
<strong>da</strong> especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>; não conseguiram manter sua profissão porque foram<br />
subjuga<strong>da</strong>s pelos médicos, em sua formação e atuação. Já, as enfermeiras são<br />
aquelas que dominam o hospital e chefiam as obstetrizes sem, no entanto, terem o<br />
mesmo domínio técnico; são mais científicas e com maior po<strong>de</strong>r administrativo; têm<br />
ganhado espaço acadêmico e, em geral, têm salários mais elevados; se apo<strong>de</strong>raram<br />
do exercício profissional <strong>da</strong>s obstetrizes e <strong>de</strong>scaracterizaram essa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> .<br />
(RIESCO, 1998, P.14) (grifos meus)<br />
O discurso hegemônico na assistência obstétrica pressupõe capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> técnico-científica<br />
para que se alcance legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong> no ato <strong>de</strong> partejar: ora, se as obstetrizes alcançaram um saber<br />
técnico-científico compatível com o dos médicos, a que se <strong>de</strong>ve o fato <strong>de</strong> que as mesmas<br />
foram subjuga<strong>da</strong>s pelo saber-fazer médicos? E se foram os médicos que subjugaram o fazer<br />
<strong>da</strong>s obstetrizes, como foram as enfermeiras quem se apropriaram do saber <strong>da</strong>s mesmas? Fica a<br />
impressão <strong>de</strong> que não existem relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que levaram a esse <strong>de</strong>senrolar dos fatos, e<br />
que essas relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r passam pelas representações que nós mesmas re-elaboramos <strong>da</strong><br />
reali<strong>da</strong><strong>de</strong> a partir <strong>da</strong> própria linguagem, que remete o exercício profissional <strong>de</strong> obstetrizes e<br />
enfermeiras ao que o status quo dominante <strong>de</strong>seja e reforça. No caso específico <strong>da</strong>s<br />
enfermeiras a linguagem <strong>da</strong> cientifici<strong>da</strong><strong>de</strong> produzi<strong>da</strong> pelo discurso acadêmico continua a ser<br />
central, como apanágio <strong>de</strong> solução dos problemas <strong>da</strong> categoria. Há uma construção i<strong>de</strong>aliza<strong>da</strong><br />
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