memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
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<strong>de</strong> fazer parto porque eu tinha que esterilizar tudo como<br />
luvas. Porque não tinha estufa, e eu não tinha na<strong>da</strong> nem panela<br />
<strong>de</strong> pressão, nadinha naquele tempo. Então eu esterilizava<br />
<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uns cal<strong>de</strong>irões <strong>de</strong> ferro gran<strong>de</strong> que eu tinha. Eu<br />
botava uns dois pauzinhos, botava o tamborzinho em cima com as<br />
luva e todo o material e <strong>de</strong>ixava duas horas em cima do fogão à<br />
lenha para esterilizar. Tudo isso eu levava <strong>de</strong>ntro do meu<br />
“pissuelo” para aten<strong>de</strong>r as parturientes, às vezes eu ia <strong>de</strong> uma<br />
casa para outra sem chegar em minha casa. E assim foi passando<br />
a minha vi<strong>da</strong>, eu fazendo partos em casa tendo que levar tudo.<br />
A primeira coisa que eu fazia quando chegava na casa <strong>da</strong><br />
parturiente, era ver como ela se encontrava: examinava para<br />
ver se já estava em trabalho <strong>de</strong> parto. Se ela estava em<br />
trabalho <strong>de</strong> parto olhava se tinha os pés inchados, como estava<br />
a pressão, se estava alta ou se estava baixa. Se estava baixa<br />
e estava com os pés inchados eu não me preocupava muito, mas<br />
se ela tinha pressão alta e os pés inchados, eu sempre levava<br />
um tubo <strong>de</strong> ensaio, pegava um pouco <strong>de</strong> urina e aí colocava umas<br />
gotinhas <strong>de</strong> ácido acético <strong>de</strong>ntro, para ver se aparecia<br />
albumina. Tinha que prevenir porque era longe <strong>de</strong> médico, muito<br />
longe <strong>de</strong> recursos, e se <strong>de</strong>sse alguma anormali<strong>da</strong><strong>de</strong> eu tinha que<br />
transportar ela antes que <strong>de</strong>sse um ataque <strong>de</strong> eclampsia porque<br />
era muito perigoso. Podia morrer a mãe, podia morrer o filho,<br />
e às vezes a gente tinha parto muito difícil.<br />
Eu chegava em casa <strong>da</strong>s parturientes e acompanhava o<br />
trabalho <strong>de</strong> parto: a gente <strong>de</strong>ixava evoluir normalmente o parto<br />
e ficava observando como é que estava os batimentos <strong>da</strong> criança<br />
<strong>de</strong> vez em quando escutando, e vendo como é que progredia a<br />
dilatação. E trabalhando junto com ela: aju<strong>da</strong>va a fazer o<br />
serviço <strong>da</strong> casa, o que ela estava fazendo. Às vezes enquanto<br />
ela <strong>de</strong>scansava eu fazia pão, limpava a casa, lavava roupa e<br />
fazia todo o serviço junto com ela até que o neném nascesse.<br />
Depois do parto, se eu não fosse chama<strong>da</strong> para outro urgente,<br />
eu ficava umas duas horas, eu ficava lá porque podia <strong>da</strong>r uma<br />
hemorragia ou uma outra coisa. Enquanto isso eu já lavava a<br />
roupa do parto, já <strong>de</strong>ixava tudo pronto. Muitas vezes cheguei a<br />
costurar roupinha <strong>de</strong> neném. Porque elas não estavam<br />
preveni<strong>da</strong>s, às vezes as mães não explicavam na<strong>da</strong> e eu chegava<br />
lá não tinha nem roupinha para botar no neném. Eu me sentava<br />
na máquina e costurava camisinhas, costurava roupinha para o<br />
neném. Fazia fraldinhas <strong>de</strong> capa <strong>de</strong> coberta e <strong>de</strong>ixava tudo<br />
muito bem arrumado.<br />
Se me perguntarem quantos partos eu fiz? Domiciliares uns<br />
três mil! Nessa região to<strong>da</strong>, era longe, às vezes eu tinha que<br />
viajar à cavalo umas oito horas até chegar à casa <strong>da</strong><br />
parturiente. E olha que não tive nenhuma morte <strong>de</strong> parturiente:<br />
criança sim, às vezes a gente chegava a criança estava morta,<br />
como acontece a mesma coisa hoje em dia na materni<strong>da</strong><strong>de</strong>, às<br />
vezes a criança antes <strong>de</strong> nascer já estava morta. Às vezes um<br />
parto muito difícil, não é, mas eu nunca levei uma parturiente<br />
a um hospital, que eles me dissessem: olhe, tu esperastes<br />
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