memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
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usquem transformar o ensino em educação, passando <strong>de</strong> meras transmissoras <strong>de</strong><br />
conhecimentos, à fomentadoras <strong>da</strong> formação <strong>de</strong> seres humanos integrais;<br />
Quando fazia as transcrições <strong>da</strong>s entrevistas, as narrativas me “tocavam”, o que me<br />
levava a refletir sobre o universo <strong>de</strong> categorias com que elas se articulavam: no discurso <strong>da</strong><br />
hegemonia, <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ologias, <strong>da</strong>s classes sociais marca<strong>da</strong>s pela divisão (aqui em especial a<br />
divisão entre trabalho intelectual X trabalho manual, trabalho masculino X trabalho feminino)<br />
o saber enquanto po<strong>de</strong>r que segrega tantas pessoas. E, embora tenha aparecido nas narrativas<br />
que o po<strong>de</strong>r é constantemente negociado entre as partes envolvi<strong>da</strong>s, ele se dá <strong>de</strong> forma<br />
assimétrica, principalmente entre os gêneros, como se fosse natural.<br />
Tal situação insere-se em um espaço em que i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s são construí<strong>da</strong>s <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um<br />
sistema <strong>de</strong> valores socialmente aceitos, reafirmados por várias instâncias do saber humano,<br />
conforme argumenta Simone <strong>de</strong> Beauvoir no seu estudo clássico “O Segundo Sexo”.<br />
161<br />
É porque do ponto <strong>de</strong> vista dos homens - e é o que adotam os psicanalistas <strong>de</strong> ambos<br />
os sexos - consi<strong>de</strong>ram-se femininas as condutas <strong>de</strong> alienação, e viris aquelas em que<br />
o sujeito afirma sua transcendência. Um historiador <strong>da</strong> mulher, Donaldson,<br />
observava que as <strong>de</strong>finições: “O homem é um ser macho, a mulher é um ser fêmeo”,<br />
foram assimetricamente mutila<strong>da</strong>s; é particularmente entre os psicanalistas que o<br />
homem é <strong>de</strong>finido como ser humano e a mulher como fêmea: to<strong>da</strong>s as vezes que ela<br />
se conduz como ser humano, afirma-se que ela imita o macho. (BEAUVOIR, 1980,<br />
p. 72)<br />
Destarte acredito que a humanização volta<strong>da</strong> para novas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>r com<br />
quali<strong>da</strong><strong>de</strong> pressupõe o resgate <strong>da</strong>s muitas práticas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, e especialmente, o <strong>de</strong>svelamento<br />
do que significa sermos mulheres cui<strong>da</strong>doras. Este tecido <strong>de</strong> múltiplas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />
,imaginado para que sejamos mais felizes, mais <strong>de</strong>mocráticas, só será possível se cui<strong>da</strong>doras e<br />
mulheres cui<strong>da</strong><strong>da</strong>s se permitirem; enten<strong>de</strong>rem seus corpos, seus <strong>de</strong>sejos, sua sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />
como preferem <strong>da</strong>r à luz. É preciso que aconteça o empo<strong>de</strong>ramento <strong>da</strong>s mulheres, e a meu ver<br />
ele só é possível na medi<strong>da</strong> em que nos permitirmos visibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> fato. Uma humanização<br />
do parto que se propõe transformadora <strong>de</strong>ve começar com um ensino voltado para a<br />
transcendência <strong>da</strong>s/os futuras/os profissionais no sentido do crescimento enquanto seres<br />
humanos, mulheres e homens. E fun<strong>da</strong>mentalmente é preciso sonhar, acreditar em utopias<br />
transformadoras como diz Bodstein (1999, p.191) “Projetos pe<strong>da</strong>gógicos para a emancipação<br />
po<strong>de</strong>riam ser já concebidos a partir <strong>da</strong> escolha <strong>da</strong> utopia que se queira construir. Sem a utopia,<br />
as ações <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m utilitária continuarão fabricando o eficaz para o social, mas quase nunca<br />
como reflexo dos <strong>de</strong>sejos coletivos”. E que num futuro não muito distante possamos,<br />
mulheres e homens, em uníssono proclamar: