memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Estava nas atribuições <strong>da</strong> maieuta arranjar e celebrar casamentos, escolhendo as<br />
parceiras mais a<strong>de</strong>qua<strong>da</strong>s, e elas tinham gran<strong>de</strong> saber sobre afrodisíacos. [...]<br />
Fazendo analogia com o ofício <strong>de</strong> sua mãe, Fenareta, também praticava <strong>de</strong> forma<br />
muito competente e respeitável, Sócrates diz a Teeteto ter o mesmo ofício, apenas<br />
que, em vez <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r a mulher a <strong>da</strong>r à luz as pessoas, aju<strong>da</strong> os homens a <strong>da</strong>r à luz as<br />
idéias. Sócrates chama esse método filosófico <strong>de</strong> maiêutica. (DINIZ 1996, p.55)<br />
O ato <strong>de</strong> partejar entre as antigas parece ter sido fortemente marcado por um traço que,<br />
<strong>de</strong> maneira distinta e guar<strong>da</strong><strong>da</strong>s as <strong>de</strong>vi<strong>da</strong>s diferenças culturais, encontra-se presente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as<br />
egípcias até as greco-romanas, que é a presença <strong>da</strong>s divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s femininas permeando e<br />
matizando os rituais <strong>da</strong> parturição. Estas tradições <strong>da</strong> antigüi<strong>da</strong><strong>de</strong> eram marca<strong>da</strong>s pelo culto<br />
<strong>da</strong>s divin<strong>da</strong><strong>de</strong>s genitais, em que a sexuali<strong>da</strong><strong>de</strong> era parte integrante do cotidiano, po<strong>de</strong>ndo até<br />
mesmo ser um caminho para a elevação espiritual como é encontrado no Tantrismo. E é esta<br />
visão <strong>de</strong> mundo que se <strong>de</strong>sfaz no oci<strong>de</strong>nte a partir <strong>da</strong> I<strong>da</strong><strong>de</strong> Média.<br />
2.2 O ato <strong>de</strong> partejar entre as mulheres <strong>da</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> média à mo<strong>de</strong>rni<strong>da</strong><strong>de</strong> no oci<strong>de</strong>nte<br />
O momento do parto não era só o leque <strong>de</strong> movimentos físicos aprendidos e<br />
<strong>de</strong>scritos pela ciência médica. A dor e a angústia que envolviam a parturiente eram,<br />
sim, interpreta<strong>da</strong>s por gestos e práticas <strong>de</strong> uma cultura feminina que <strong>de</strong> certa forma<br />
caminhava paralela ao olhar <strong>da</strong> medicina. Através <strong>de</strong>ssa cultura feminina sobre o<br />
parto, as mulheres resgatavam sua individuali<strong>da</strong><strong>de</strong> e exercitavam suas alianças <strong>de</strong><br />
gênero. A<strong>de</strong>stra<strong>da</strong> a madre, cui<strong>da</strong><strong>da</strong> e sana<strong>da</strong> no sentido <strong>de</strong> tornar-se<br />
permanentemente procriativa, cabia às mulheres conceber e aos médicos historicizar<br />
esse momento que foi, até a obstetrícia firmar-se como ciência, um momento <strong>de</strong><br />
exclusiva vivência feminina”. (.DEL PRIORE, 1993 p.255)<br />
Muito se tem escrito sobre as práticas <strong>da</strong> parturição no oci<strong>de</strong>nte, em que se sobressaem<br />
as práticas médicas instrumentaliza<strong>da</strong>s 3 como hegemônicas e cientificamente fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>s.<br />
Entendo que o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> compreensão <strong>da</strong> inserção <strong>de</strong>ssas práticas na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong>, a<br />
luz <strong>da</strong> historici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong>s mesmas, nos coloca diante <strong>da</strong> dimensão <strong>de</strong> como as relações que as<br />
caracterizam, <strong>de</strong>terminam as relações <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r entre os sexos, discriminando as mulheres<br />
conforme diz Barstov (1995, p.13) “Quanto mais trabalhei nos eventos dos séculos XVI e<br />
XVII, mais <strong>de</strong>scobri sua relevância para os problemas <strong>da</strong> violência e <strong>da</strong> discriminação contra<br />
as mulheres <strong>de</strong> hoje”.<br />
Po<strong>de</strong>-se então inferir que o ato <strong>de</strong> partejar bem como o saber/fazer/cui<strong>da</strong>r relacionados à<br />
reprodução e perpetuação <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> humana no mundo oci<strong>de</strong>ntal está intrinsecamente<br />
3 Utilizo a expressão “instrumentalização” enten<strong>de</strong>ndo que a entra<strong>da</strong> dos homens (varão) na cena do parto, usando<br />
instrumentos cirúrgicos privativo do médico, trouxe consigo um arsenal <strong>de</strong> instrumentos que não era usado pelas <strong>parteiras</strong>.<br />
Diniz (1996) afirma existir na atuali<strong>da</strong><strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 300 mo<strong>de</strong>los diferentes <strong>de</strong> fórceps além <strong>de</strong> cranioclastos, basiótribos,<br />
ganchos, tesouras <strong>de</strong> <strong>de</strong>gola e <strong>de</strong> <strong>de</strong>smembramento.<br />
25