memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
145<br />
bastante. Com contração elas diziam: Eu não agüento, está doendo. Então sentava<br />
com elas e explicava: a dor é assim mesmo, a gente faz a dor do tamanho que a<br />
gente quer. Eu sempre usava essa expressão, não sei se é correta, eu falava assim: a<br />
gente faz a dor do tamanho que a gente quer. Você está gritando, por quê você está<br />
gritando? Porque muitas chegavam gritando, e se você fosse fazer uma análise, ficar<br />
ali junto, estar lá com ela, <strong>da</strong>ndo uma <strong>de</strong> psicóloga, você ia <strong>de</strong>scobrindo os medos, a<br />
razão <strong>de</strong> tanta gritaria; oh, a criança não tem pai, ah! eu sou separa<strong>da</strong>, problemas<br />
<strong>de</strong>mais em casa.(D. Cardoso)<br />
A mulher tinha um olhar abrangente. Ela cui<strong>da</strong>va em casa dos filhos, ela cozinhava,<br />
ela atendia tudo. [...] Então não tem porque a mulher também não ser mais<br />
profissional na parte <strong>de</strong> obstetrícia como parteira. Porque ela atendia tudo! Então ela<br />
foi pegando experiência: com o nascimento do seu filho ou <strong>da</strong> vizinha, porque ela<br />
foi mais prestativa. Ao longo do tempo a mulher tem uma história muito bonita. E<br />
também é uma questão cultural. Porque o homem não po<strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r? Po<strong>de</strong>, mas o<br />
homem com o machismo per<strong>de</strong>u muito, o patriarcalismo não é bom. (D. Army)<br />
Eu tenho muito orgulho <strong>de</strong> ser parteira e digo que hoje falaria para as jovens que<br />
quisessem ser parteira <strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>: treinar, ter vocação, muita vocação mesmo, ter<br />
paciência, raciocínio rápido, ter raciocínio rápido, é importantíssimo porque ela tem<br />
que saber <strong>de</strong>cidir sem muitas dúvi<strong>da</strong>s. E ser uma pessoa humana, ser humana e<br />
sofrer junto com as pessoas que estão sofrendo, sofrer ali junto. É isso que é preciso.<br />
(D. Tereza)<br />
Assim, todos esses aspectos encaminhavam a uma pergunta que passou a ser constante:<br />
em que medi<strong>da</strong> os sentidos imbricados no termo humanização não são os mesmos, ou estão<br />
muito próximos dos sentidos atribuídos ao cui<strong>da</strong>do, como componente <strong>de</strong> uma cultura ou <strong>de</strong><br />
um valor feminino? Quais as implicações disso para que a concretização <strong>da</strong> “Humanização do<br />
Parto” se dê efetivamente na prática? O que D. Deta falou a respeito <strong>de</strong> parto feito por<br />
médicos e por <strong>parteiras</strong> po<strong>de</strong> servir <strong>de</strong> alavanca para avançarmos nessa análise:<br />
Parto feito por parteira ou feito por médico é a mesma coisa, porque parto é parto!<br />
Só tem uma diferença: os médicos só vinham na hora <strong>de</strong> fazer o parto mas o controle<br />
do parto a parteira fazia. A parteira ficava a noite inteira, então na hora que era para<br />
nascer, se era uma pessoa que exigia, <strong>da</strong>í chamava o médico e ele vinha e fazia o<br />
parto. Só chegavam na hora <strong>de</strong> fazer o parto. Porque o médico não tem paciência <strong>de</strong><br />
esperar progredir um parto. Por isso eles fazem muita cesariana e poucos médicos<br />
faziam o parto, <strong>da</strong>í é muito mais fácil para eles fazer cesariana. Opera rápido, sai <strong>da</strong><br />
cabeça e eles po<strong>de</strong>m aten<strong>de</strong>r outras coisas. (D. Deta)<br />
Quando ela diz que parto é parto in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> quem o faça é claro que ela está<br />
referindo-se ao parto normal, à técnica utiliza<strong>da</strong> para partejar, mesmo porque até as <strong>parteiras</strong><br />
tradicionais foram aos poucos absorvendo a técnica do parto a partir <strong>da</strong> visão médica,<br />
incorporando procedimentos que elas não realizavam como é o caso <strong>da</strong> episiotomia. E quando<br />
o médico chega à cena do parto a técnica utiliza<strong>da</strong> por ele não tem necessariamente que ser a<br />
do parto fisiológico, ele po<strong>de</strong> muito bem optar pelo parto cirúrgico, a cesariana. Enfim, é ele