memórias de parteiras - Repositório Institucional da UFSC
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vocação. Porque até enfermeira mesmo tem que ter vocação. A enfermeira O<strong>da</strong>léa<br />
era uma que tinha vocação para parteira, a gente notava nela. Como eu que entrei<br />
para a materni<strong>da</strong><strong>de</strong> para trabalhar como aten<strong>de</strong>nte, até pedi para a costura, mas<br />
queria só ficar na sala <strong>de</strong> parto, achava aquilo lindo <strong>de</strong>mais. Então aquele amor ao<br />
serviço, aquele trabalho, isso aí é que faz bem para a pessoa e para a mãe porque é<br />
aquela garra assim com aquele serviço. (D. Eunice)<br />
5.3.2Vocação eminentemente liga<strong>da</strong> aos papéis <strong>de</strong> gênero (papéis sexuais)<br />
Fica bastante evi<strong>de</strong>nte que os papéis que se espera <strong>de</strong> homens e mulheres <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong><br />
socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, e por conseguinte na área <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro do hospital, marca as narrativas <strong>da</strong>s<br />
<strong>parteiras</strong>. Percebe-se que a vocação analisa<strong>da</strong> sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>da</strong>s <strong>parteiras</strong>, tem a ver<br />
com o fato <strong>de</strong> ser mulher no sentido <strong>de</strong> que mulher tem atributos (sentimentos) muito mais<br />
apropriados ao cui<strong>da</strong>r que os homens, e isto em obstetrícia seria fun<strong>da</strong>mental. Já o homem<br />
não: se ele apresenta quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s mais liga<strong>da</strong>s aos sentimentos ele então é visto como especial,<br />
porque possui atributos como carinho, gentileza, paciência, que são essenciais, mas estes<br />
sentimentos pertencem, no imaginário <strong>de</strong>las, ao espaço feminino.<br />
Esse “jeito <strong>de</strong> mulher” justificaria o fato <strong>de</strong> que são mesmo as mulheres que <strong>de</strong>vem<br />
fazer partos por possuírem inclusive um atributo essencial que é a paciência, que <strong>de</strong> maneira<br />
geral os homens não possuem. Além do mais são elas que fazem todo o tipo <strong>de</strong> trabalho que<br />
possibilitam o bom an<strong>da</strong>mento do serviço no caso dos hospitais.<br />
Lavar material, limpar, porque senão vai faltar. Organizar para quando a outra<br />
paciente chegar está tudo prontinho, não faltar material, equipar a sala Até chão a<br />
gente limpava, a mesa do parto, sangra bastante, bastante coisa, a gente aí já<br />
limpava, não tem uma servente para limpar, eu limpo, enten<strong>de</strong>, parteira tem isso aí,<br />
tem que trabalhar, e aí com esse negócio <strong>de</strong> facul<strong>da</strong><strong>de</strong>, elas ficam muito assim, não<br />
isso não é meu serviço, levar numa maca não! (D.Eunice).<br />
Parece ser este um ponto nevrálgico nas questões relativas ao fazer em enfermagem,<br />
esta associação <strong>de</strong> vocação com um fazer feminino ligado às práticas, digamos, mais<br />
domésticas, majoritariamente <strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s por mulheres. Alguns trabalhos <strong>de</strong>senvolvidos<br />
por estudiosas <strong>de</strong> gênero e enfermagem já apontam nesta direção lançando luzes a esta<br />
questão. (LOPES, 1996) faz uma distinção entre cui<strong>da</strong>r e tratar que eu entendo como<br />
fun<strong>da</strong>mental para o <strong>de</strong>svelamento <strong>da</strong>s práticas <strong>de</strong> enfermagem hoje, em contraponto ao seu<br />
discurso teórico científico.<br />
A relação que existe entre as práticas médicas (o tratar) e as <strong>da</strong> Enfermagem (o<br />
cui<strong>da</strong>r), traduz, por exemplo, as ligações que existem entre natureza e legitimi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />
entre gênero, classe e po<strong>de</strong>r. A (re) construção cotidiana do po<strong>de</strong>r médico e a<br />
dominação que exercem as práticas do tratar sobre as práticas do cui<strong>da</strong>r se articulam