<strong>Direitos</strong> Hu m a n o s n o Br a s i l <strong>2010</strong>posição do gover<strong>no</strong> federal em defesa de uma política de prevenção encarnada <strong>no</strong> Pronascie os financiamentos atrelados a ele; e a mudança <strong>no</strong> cenário internacional. Nesse sentido,as Olimpíadas já deram a primeira contribuição na consolidação do <strong>no</strong>vo paradigma, poisnão é possível o gover<strong>no</strong> do Rio se apresentar <strong>no</strong> meio de uma guerra e, ao mesmo tempo,convidar o mundo inteiro para participar dos jogos num campo de batalha.Embora as UPPs tenham mostrado um sucesso <strong>no</strong>tável em diminuir os tiroteios e ocontrole dos grupos irregulares, a proporção de favelas incluídas é ainda muito pequenae a expansão é lenta, inclusive por estar atrelada à formação de <strong>no</strong>vos policiais. As UPPsestão localizadas primordialmente na zona sul e em alguns outros locais emblemáticos. Azona oeste e a Baixada, regiões muito violentas, continuam preteridas. O gover<strong>no</strong> pretendetambém concentrar investimentos sociais nas áreas de UPPs. Por um lado, trata-se deum objetivo bem-vindo, na medida em que o déficit de segurança sempre esteve associadoa um déficit social. Mas o risco do cenário atual é dividir a cidade entre áreas que concentramUPPs e investimento social preferencial, por um lado, e o resto das comunidadesabandonado à sua sorte, por outro, incrementando a desigualdade.Além da expansão das UPPs, precisamos de uma política complementar para asáreas e para os policiais que não fazem parte delas. É urgente abordar a reforma policial,com aumento salarial em troca de dedicação exclusiva e da exigência de terceiro grau, fortalecimentoda fiscalização e das corregedorias, e metas de redução da letalidade policial,que continua elevada.Considerando o seu limitado alcance territorial, não cabe esperar que o efeito localdas UPPs reduza rapidamente os índices gerais de violência. Isso só poderia acontecer seas UPPs atingissem um efeito sistêmico, seja na cultura policial (ajudando a acabar com adoutrina que estimula o confronto armado), seja <strong>no</strong>s grupos crimi<strong>no</strong>sos (induzindo-os aadotar estratégias me<strong>no</strong>s violentas, como o tráfico sem armas, presente em algumas áreasde UPP).Sem dúvida, há elementos que convidam ao otimismo, como a redução da pobrezae da desigualdade e a diminuição recente da taxa de homicídios <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>. Entretanto,ainda existe o risco de que tudo fique restrito à pacificação temporal de algumas áreaspara, uma vez esgotados os recursos da Olimpíada, voltarmos ao infer<strong>no</strong> de sempre em2017.O grande vilão da violência <strong>no</strong> Rio de Janeiro é a modalidade de crime baseada <strong>no</strong>controle territorial dos pontos de venda de drogas e a subsequente disputa armada peloespaço, bem como a truculência da resposta estatal. Se o tráfico de drogas se der semcontrole geográfico e sem uma estratégia sistemática de violência armada (et<strong>no</strong>grafias emSão Paulo revelam que a maior facção de traficantes local dispensou as armas em várias“bocas de fumo”), e se a polícia reprimir o tráfico da mesma forma que reprime as milícias,através de investigação e inteligência, o objetivo é possível. O Rio é universalmentefamoso como símbolo de beleza e de violência. O verdadeiro sonho olímpico é ficar apenascom a primeira.144<strong>Direitos</strong> huma<strong>no</strong>s.indd 14411/18/10 12:15:43 PM
O <strong>Brasil</strong> é o quarto país <strong>no</strong> mundo em número de presos. O estado de São Paulo já superoua cifra de 173 mil e, há mais de três a<strong>no</strong>s, o gover<strong>no</strong> estadual não conclui a construção deuma unidade prisional, além de não possuir qualquer política universal para a redução dareincidência. Com a recente Resolução SAP 219, de setembro de <strong>2010</strong>, proibiu-se a inclusãoautomática de presos dos distritos policiais para as unidades prisionais, de modo que asdelegacias voltarão a encher suas celas. Se a tendência for essa, teremos, inevitavelmente,<strong>no</strong>s próximos a<strong>no</strong>s, um caos prisional, com riscos, inclusive, de <strong>no</strong>va megarrebelião. OsCentros de Detenção Provisória permanecem superlotados. Com a aceleração <strong>no</strong> aumentode número de presos, as condições prisionais tendem a piorar, com o baixo número deagentes penitenciários para a efetiva custódia e aumento de doenças infecto-contagiosas.Práticas punitivas brasileiras atuaisJosé de Jesus Filho *IntroduçãoA questão prisional é ampla e seria impossível, num curto artigo, abordar todos ostemas relevantes relacionados a ela. Por essa razão, resolvemos apontar aqueles que mais<strong>no</strong>s preocupam <strong>no</strong> momento. São questões atuais e que merecem atenção do público, nãosó porque revelam as tendências do punitivismo concretizadas pela política criminal epenitenciária brasileira, mas, também, porque expressam, ao seu modo – tomando, aqui,o recorte da segurança pública –, a maneira como está estruturada a sociedade brasileira.Selecionamos quatro temas para trazer ao debate: penitenciárias federais, vigilância eletrônicade presos, direitos dos presos e reserva do possível, e tortura.1. Penitenciárias federaisAs penitenciárias federais foram concebidas para fazer frente a uma suposta demandados estados pelo controle de presos considerados de alto risco, líderes de facções ou,mesmo, para a própria proteção do detido.*José de Jesus Filho é missionários oblato de Maria Imaculada, assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, mestrandoem crimi<strong>no</strong>logia e professor voluntário na Universidade de Brasília (UnB).145<strong>Direitos</strong> huma<strong>no</strong>s.indd 14511/18/10 12:15:43 PM