70Segundo Friedrich, a obra Flores do Mal, após um po<strong>em</strong>a introdutório,antecipando o todo, apresenta seis grupos distintos: primeiro “spleen e i<strong>de</strong>al”, queoferece o contraste entre o voo e a queda; segundo grupo, “Quadros parisienses”,mostrando a tentativa <strong>de</strong> evasão no mundo externo <strong>de</strong> uma metrópole; terceiro, “Ovinho”, a evasão tentada no paraíso da arte, o que também não traz tranquilida<strong>de</strong>; noquarto grupo que t<strong>em</strong> o nome da obra, Flores do Mal, ocorre a fascinação do <strong>de</strong>strutivo;o quinto, a revolta contra Deus, “Revolta”. O último grupo, “A morte”, é a tentativa <strong>de</strong>encontrar a tranquilida<strong>de</strong> na morte. Para Bau<strong>de</strong>laire ter construído a obra Flores do Mal,<strong>de</strong> maneira organizada e consciente, afastou-se do Romantismo. Os livros líricos serepet<strong>em</strong>, quanto ao aspecto formal, na arbitrarieda<strong>de</strong> da disposição, na casualida<strong>de</strong> dainspiração. O mo<strong>de</strong>rnismo <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire, segundo Friedrich, é dissonante do negativo efaz algo fascinador, torna poético o mísero, o <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>nte, o mau, o noturno, o artificial.A frieza e o que há <strong>de</strong> mau na cida<strong>de</strong> pertenc<strong>em</strong> à liberda<strong>de</strong> do espírito. A beleza nalírica <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire resi<strong>de</strong> nas formas métricas e na vibração da linguag<strong>em</strong>. O conceito<strong>de</strong> beleza antigo já não cabe aos objetos <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire e justifica-se no dissonante einquietante gosto <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagradar; Bau<strong>de</strong>laire parece sentir prazer <strong>em</strong> provocar algo noleitor.XIIISpleenPluviôse, contra toda a cida<strong>de</strong> irritado,De sua urna <strong>de</strong>speja um frio tenebrosoAos pálidos e sós do c<strong>em</strong>itério ao ladoE a mortanda<strong>de</strong> a cada arrabal<strong>de</strong> brumoso.Meu gato procurando cama no acolchoadoAgita s<strong>em</strong> cessar seu corpo <strong>de</strong> leproso;A alma <strong>de</strong> um velho poeta erra pelo telhadoCom sua triste voz <strong>de</strong> fantasma chuvoso.O bordão se lamenta, e, chiando, a acha <strong>de</strong> lenhaAcompanha <strong>em</strong> falsete a pêndula roufenha,Enquanto num baralho, entre maus cheiros juntos,Herança <strong>de</strong> uma velha hidrópica, parente,Uma dama e um valete vão, sinistramente,Recordando entre si seus amores <strong>de</strong>funtos.(BAUDELAIRE, p. 88-90-91)
71O po<strong>em</strong>a XIII Spleen <strong>de</strong> Bau<strong>de</strong>laire e o po<strong>em</strong>a O Sentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal 6 <strong>de</strong>Cesário Ver<strong>de</strong> são ex<strong>em</strong>plos da ocorrência do tédio nas obras <strong>de</strong>sses poetas. Em XIIISpleen há o distanciamento do eu-lírico, apresentado ao leitor como poeta com alma <strong>de</strong>velho e com voz triste <strong>de</strong> fantasma, tal como um gato no telhado (“A alma <strong>de</strong> um velhopoeta erra pelo telhado / Com sua triste voz <strong>de</strong> fantasma chuvoso. No po<strong>em</strong>a OSentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal, <strong>de</strong> Cesário Ver<strong>de</strong>, ocorre o posicionamento do sujeito líricona primeira estrofe: “Nas nossas ruas, ao anoitecer, / Há tal soturnida<strong>de</strong>, há talmelancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia / Despertam-me um <strong>de</strong>sejoabsurdo <strong>de</strong> sofrer.” A visão das sombras que se acentuam, o escutar dos sonsincessantes gradualmente abafados e o cheiro <strong>de</strong> maresia exalado pelo rio, <strong>de</strong>spertam o<strong>de</strong>sejo absurdo <strong>de</strong> sofrer, expressão subjetiva da melancolia da própria cida<strong>de</strong>. Há umclima <strong>de</strong> tristeza e tédio <strong>em</strong> ambos os po<strong>em</strong>as. Porém, no primeiro texto, o sujeito líricoaponta a “Pluviôse”, o estado chuvoso como um fator negativo, que aprisiona eentristece: De sua urna <strong>de</strong>speja um frio tenebroso / Aos pálidos e sós do c<strong>em</strong>itério aolado / E a mortanda<strong>de</strong> a cada arrabal<strong>de</strong> brumoso”, el<strong>em</strong>entos que cooperam com umambiente <strong>de</strong> morte reforçado pela sinestesia do som e do olfato: “Acompanha <strong>em</strong> falsetea pêndula roufenha, / Enquanto num baralho, entre maus cheiros juntos,”.Em O Sentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal o eu-lírico <strong>de</strong>ambula pela cida<strong>de</strong>. Junto aosedifícios e o céu baixo sente também um ambiente <strong>de</strong> prisão. Percorre a t<strong>em</strong>ática do<strong>de</strong>sespero e protesto que atormenta um “oci<strong>de</strong>ntal”, face a face à cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa,percorrida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o anoitecer até a <strong>completa</strong> escuridão das “horas mortas”. A cida<strong>de</strong>representa também o todo da civilização oci<strong>de</strong>ntal a que Portugal pertence, e osentimento que ela provoca, “melancolia”, “enjôo”, “<strong>de</strong>sejo absurdo <strong>de</strong> sofrer” é, aomesmo t<strong>em</strong>po, um produto <strong>de</strong>ssa civilização e um protesto contra elaEm O Sentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal o sujeito lírico se solidariza com a situação.Em ambos os po<strong>em</strong>as há um ambiente <strong>de</strong> tédio e <strong>de</strong> melancolia. Porém, no texto <strong>de</strong>Bau<strong>de</strong>laire não existe solidarieda<strong>de</strong> da parte do sujeito lírico, a situação é apresentadacomo fruto <strong>de</strong> algumas circunstâncias: “Herança <strong>de</strong> uma velha hidrópica, parente, / Umadama e um valete vão, sinistramente, / Recordando entre si seus amores <strong>de</strong>funtos.”.Charles Bau<strong>de</strong>laire distingue o dândi do flâneur “[...] pois a palavra dândi implica umaquintessência <strong>de</strong> caráter e uma compreensão sutil <strong>de</strong> todo mecanismo moral <strong>de</strong>ste6 O texto completo está disponível na seção Anexos <strong>de</strong>sta dissertação.
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CONSIDERAÇÕES INICIAISAo entardec
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