84Ver<strong>de</strong> no século XIX que sabe que vive <strong>em</strong> um mundo que não é mo<strong>de</strong>rno por inteirodifere do apontado por Berman quando finaliza sua introdução ele traz Octavio Paz quelamentou que a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>:[...] tenha sido cortada do passado e tenha <strong>de</strong> ir continuamentesaltando para a frente, num ritmo vertiginoso que não lhe permite<strong>de</strong>itar raízes, que a obriga meramente a sobreviver <strong>de</strong> um dia para ooutro: a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> se tornou incapaz <strong>de</strong> retornar a suas origenspara, então recuperar seus po<strong>de</strong>res <strong>de</strong> renovação (apud Berman, 1986,p. 34).No conjunto das seções <strong>de</strong> O Sentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal e no prosaísmo <strong>de</strong>Cesário Ver<strong>de</strong>, é possível visualizar a Lisboa do século XIX. O jogo dos versosapresenta o percurso que o eu lírico fez durante uma noite, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o anoitecer até ashoras mortas <strong>em</strong> que se encontram menos pessoas às ruas. Em nenhum momento o eulírico se volta para outro período que não seja o da noite. Parece que o dia, com acorreria do trabalho, dos afazeres, não <strong>de</strong>ixa transparecer a verda<strong>de</strong>ira situação <strong>em</strong> quese encontra a cida<strong>de</strong>. Com a noite, paradoxalmente, po<strong>de</strong>-se visualizar, sentir a cida<strong>de</strong> esua gente. O crescimento da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> maneira <strong>de</strong>sorganizada interfere no trabalho, namoradia e na saú<strong>de</strong> da população. É no silêncio da noite que se ouv<strong>em</strong>, enxergam esent<strong>em</strong> as prisões, o clero corrupto, o catolicismo hipócrita, os ladrões, as prostitutas, astransformações na cida<strong>de</strong> provocadas pelo terr<strong>em</strong>oto, as transformações produzidas pelohom<strong>em</strong> como edifícios, chaminés <strong>de</strong> fábricas, b<strong>em</strong> como os guardas, as doenças e outrasmazelas e o hom<strong>em</strong> preso a elas. A cida<strong>de</strong> é uma prisão labiríntica e infernali<strong>de</strong>ntificada com a escuridão, a miséria, a solidão e a morte.Cesário Ver<strong>de</strong> sentiu o seu t<strong>em</strong>po, escrevendo sua poesia utilizando-se <strong>de</strong>el<strong>em</strong>entos da prosa <strong>de</strong> ficção, fato novo para a época. Alguns fatos contribuíram paraesta inovação, sendo que ele foi um dos poucos que soube ler a poesia <strong>de</strong> CharlesBau<strong>de</strong>laire. Sendo Cesário Ver<strong>de</strong> um hom<strong>em</strong> <strong>de</strong> seu t<strong>em</strong>po, retrata o seu momento, suarealida<strong>de</strong>, o espaço urbano e o campo <strong>em</strong> um estilo jocoso e irônico. Charles Bau<strong>de</strong>laire<strong>de</strong>fine o hom<strong>em</strong> do mundo e o artista “Hom<strong>em</strong> do mundo, isto é, hom<strong>em</strong> do mundointeiro, hom<strong>em</strong> que compreen<strong>de</strong> o mundo e as razões misteriosas e legítimas <strong>de</strong> todos osseus costumes; artista, isto é, especialista, hom<strong>em</strong> subordinado à sua palheta como oservo à gleba (1988, p. 167).”, essa <strong>de</strong>finição se esten<strong>de</strong> a Cesário Ver<strong>de</strong> o hom<strong>em</strong> domundo, artista que a partir <strong>de</strong> seu lugar visualiza e compreen<strong>de</strong> uma situação percebidapor poucos. Assim se expressando, não foi compreendido pelos críticos, porque eles
85estavam ligados à “Sincerida<strong>de</strong> lírica que foi um dos aspectos que os revolucionários <strong>de</strong>Coimbra <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>ram contra o convencionalismo estafado do ultra-romantismo” (HIGA,2010, p. 40), lendo a poesia <strong>de</strong> Cesário Ver<strong>de</strong> sob esse aspecto. Higa aponta um CesárioVer<strong>de</strong> influenciado por Bau<strong>de</strong>laire, que incorporou <strong>em</strong> Esplêndida, um <strong>de</strong> seus po<strong>em</strong>as<strong>de</strong> estréia literária, recursos próprios da ficção realista. Inova na poesia, mas t<strong>em</strong> <strong>em</strong>contrapartida a sua presença poética negada no cenário literário <strong>de</strong> então.Consciente do passado e da efervescência do século XIX sente a angústia <strong>de</strong> seuséculo e as transformações que ocorr<strong>em</strong>. Os aspectos positivos e negativos dasmudanças, muitas vezes, são enaltecidos e foge <strong>de</strong>la outras vezes, o seu valor artísticonão reconhecido foi também repelido. Por seu prosaísmo, ele <strong>de</strong>ambula pelo campo epela cida<strong>de</strong>, sentindo a paisag<strong>em</strong> <strong>em</strong> todas as suas nuances e criando a sua obra. Quandofoi publicado O Sentimento dum Oci<strong>de</strong>ntal, <strong>em</strong> uma carta ao amigo Macedo Papança,Cesário Ver<strong>de</strong> lastima: “Uma poesia minha, recente, publicada numa folha b<strong>em</strong>impressa, limpa, com<strong>em</strong>orativa <strong>de</strong> Camões, não obteve um olhar, um sorriso, um<strong>de</strong>sdém, uma observação!” (apud HIGA, 2010, p. 207). Embora haja controvérsiassobre a abordag<strong>em</strong> ou não dos críticos <strong>em</strong> relação ao po<strong>em</strong>a, o fato é que ninguémousou tratar <strong>em</strong> poesia do que Cesário Ver<strong>de</strong>, através da noite, sentiu, ou seja, arealida<strong>de</strong> que seus coevos não trouxeram para a poesia.Hoje, por meio da obra <strong>de</strong> Cesário Ver<strong>de</strong>, visualizamos sua época <strong>de</strong> maneiramenos obscura e compreen<strong>de</strong>mos o artista que foi. Como já afirmado, se pu<strong>de</strong>rmos veratravés dos primeiros mo<strong>de</strong>rnistas, “fazer nossa a sua visão e usar suas perspectivas paranos ver e ao nosso ambiente com olhos mais <strong>de</strong>sprevenidos, concluir<strong>em</strong>os que há maisprofundida<strong>de</strong> <strong>em</strong> nossas vidas que supomos” (BERMAN, 1986, p. 35). Assim, todaprobl<strong>em</strong>ática apontada na obra Cesário Ver<strong>de</strong>, cujo cenário é o século XIX, a mudançada paisag<strong>em</strong>, a máquina a vapor, as fábricas, a cida<strong>de</strong> que cresce <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nadamente ecom os probl<strong>em</strong>as urbanos, as doenças e, <strong>em</strong> consequência, a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> fugir dasaglomerações, se encaixam à contextualização da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> <strong>de</strong>finida por MarshalBerman.Muitos dos probl<strong>em</strong>as representados na poesia cesárica nós v<strong>em</strong>os e sentimoshoje, no século XXI. Cesário Ver<strong>de</strong> representou o século XIX <strong>de</strong> tal maneira que a suaarte irá refletir-se no século XX, na produção dos jovens mo<strong>de</strong>rnistas daquele século.
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