78Camões. Há variantes entre a edição avulsa e sua publicação no livro póstumo. A<strong>de</strong>dicatória a Guerra Junqueiro aparece nas publicações durante a vida do poeta e ossubtítulos das quatro seções numeradas aparec<strong>em</strong> na edição <strong>de</strong> 1887 <strong>de</strong> O Livro <strong>de</strong>Cesário Ver<strong>de</strong>. Para Higa e <strong>de</strong>mais estudiosos, estas variantes não afetam o texto dopo<strong>em</strong>a.O po<strong>em</strong>a é composto <strong>de</strong> quarenta e quatro quadras e estão subdivididas <strong>em</strong>quatro partes, todas nomeadas: primeira parte com o subtítulo Ave Marias; segundaparte Noite Fechada; terceira parte Ao Gás e a quarta parte Horas Mortas. As quadrassão constituídas por um <strong>de</strong>cassílabo e três alexandrinos, preferência que <strong>de</strong>riva do teor<strong>de</strong>scritivo, do modo analítico <strong>de</strong> observar a realida<strong>de</strong> circunstante e do gosto pelo exato.Ao longo do texto, o poeta vai evocando suas experiências <strong>de</strong> repetidas <strong>de</strong>ambulaçõespela cida<strong>de</strong>, que o <strong>de</strong>prim<strong>em</strong> e nauseiam. A estrutura estrófica escolhida é a que melhorse ajusta ao fragmentarismo da percepção do real, valorizado pelas pausas métricas.Observa-se que o poeta fez uso constante <strong>de</strong> frases exclamativas, para traduzir asreações subjetivas à realida<strong>de</strong> exterior, sejam elas <strong>de</strong> inveja, <strong>de</strong> amor, <strong>de</strong> pieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>indignação, <strong>de</strong> revolta ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo.A <strong>em</strong>oção, na poesia <strong>de</strong> Cesário, fica, às vezes, reduzida à sensação <strong>de</strong> surpresa,<strong>de</strong> prazer e <strong>de</strong> espanto que o real, apenas pelo fato <strong>de</strong> existir, provoca no sujeito lírico.Observa-se também que <strong>em</strong> todas as quadras, a rima é interpolada e <strong>em</strong>parelhada,segundo o esqu<strong>em</strong>a rimático ABBA. Po<strong>de</strong>mos assinalar as rimas <strong>em</strong> eco, comoturba/perturba; andas/varandas; larga/alarga, entre outras, ou rimas por associaçãodos mesmos sufixos: viveiros/carpinteiros; <strong>de</strong>ntistas/logistas; catolicismo/histerismo,etc. Há também rimas por vocábulos <strong>de</strong> categorias gramaticais diferentes (rima rica):navais/jamais; rubramente/quente; exacerbe/imberbe, entre outras; rimas apenas para oouvido ou somente para os olhos: roubos/lobos; cousas/esposas; nos/nus, etc. Hátambém rima interna, como nos versos: E as frotas dos avós 9 e os nómadas ar<strong>de</strong>ntes /Flocos <strong>de</strong> pós <strong>de</strong> arroz pairam sufocadores / Da solidão regouga um cauteleiro rouco.”Também o uso da aliteração se faz notar, aproveitando a entida<strong>de</strong> fônica natural daspalavras e <strong>de</strong>monstrando que o poeta imprime à sua poesia o ritmo do natural, s<strong>em</strong>convencionalismos. Eis ex<strong>em</strong>plos <strong>de</strong> aliteração <strong>em</strong> r, b e <strong>em</strong> k:9 Grifos nossos.
79Ah! como a raça ruiva do porvirEnlevo-me, a cismar, por boqueirões, por becos,Ou erro pelos cais a que se atracam botes.Na primeira estrofe do Po<strong>em</strong>a I, Ave-Marias, <strong>de</strong>signação das seis da tar<strong>de</strong>,ironicamente sugestiva da organização da vida, <strong>de</strong> acordo com o ritmo das gran<strong>de</strong>scida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> unida pela <strong>de</strong>voção religiosa, o poeta abre com a<strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> uma angustiada reação psicológica ao impacto do anoitecer nas ruas quelhe são familiarizadas - nas nossas ruas – <strong>de</strong> Lisboa: “Nas nossas ruas, ao anoitecer, /Há tal soturnida<strong>de</strong>, há tal melancolia, / Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia /Despertam-me um <strong>de</strong>sejo absurdo <strong>de</strong> sofrer.”.A visão das sombras que se acentuam, os sons abafados (o bulício) e o cheiro damaresia exalado pelo rio (o Tejo, a maresia) <strong>de</strong>spertam no eu lírico um <strong>de</strong>sejo absurdo<strong>de</strong> sofrer (verso 4), ou seja, a melancolia provocada pela cida<strong>de</strong>. Na segunda estrofe, anoite <strong>de</strong>sce opressivamente: O céu parece baixo e <strong>de</strong> neblina, e nessa crescenteescuridão, os prédios e os seres fun<strong>de</strong>m-se numa massa informe, num todo orgânico: Eos edifícios, com as chaminés, e a turba/ Toldam-se duma cor monótona e londrina.Expan<strong>de</strong>m-se, nesse sentido, as associações evocadas pela <strong>de</strong>scrição da cida<strong>de</strong>,l<strong>em</strong>brando que Londres era a gran<strong>de</strong> capital mercantil da Europa no século XIX, assimcomo Paris é a cida<strong>de</strong> presente nas telas <strong>de</strong> Camille Pissarro.Em continuação, na terceira estrofe, há o efeito aprisionador da cida<strong>de</strong>, que sefecha <strong>em</strong> si próprio, à medida que <strong>de</strong>screve as sombras e o ar que contamina e provocaum <strong>de</strong>sconforto fisiológico (O gás extravasado enjoa-me, perturba,). Descrev<strong>em</strong>-se osque vão <strong>de</strong> carro <strong>de</strong> aluguel ou por via férrea para Madrid, Paris, Berlim, SãoPetersburgo e o mundo, <strong>de</strong>monstrando que a felicida<strong>de</strong> está muito além das mazelas dacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa:Bat<strong>em</strong> os carros <strong>de</strong> aluguer, ao fundo,Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!Ocorr<strong>em</strong>-me <strong>em</strong> revista, exposições, países:Madrid, Paris, Berlim, S. Petesburgo, o mundo!No primeiro verso há uma projeção ligada à vida movimentada da cida<strong>de</strong>; aofundo, os carros <strong>de</strong> aluguel que levam às vias férreas. Essa <strong>de</strong>scrição da cida<strong>de</strong> revela aoleitor o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fugir, não necessariamente às cida<strong>de</strong>s nomeadas, mas para o
- Page 1 and 2:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁCE
- Page 4 and 5:
DEDICATÓRIADedicamos esta disserta
- Page 6 and 7:
Cesário diz-me muito: gostava de f
- Page 8 and 9:
ABSTRACTThe Portuguese poet Joaquim
- Page 10 and 11:
SUMÁRIORESUMO.....................
- Page 12 and 13:
CONSIDERAÇÕES INICIAISAo entardec
- Page 14 and 15:
12revelando nos versos a crise port
- Page 16 and 17:
14grau, ao seu contexto histórico
- Page 18 and 19:
16se começa a falar em método com
- Page 20 and 21:
18faleceu em Connecticut, em 1995.
- Page 22 and 23:
20do tipo original/cópia, centro/p
- Page 24 and 25:
22No entanto, Nitrini (2000, p. 184
- Page 26 and 27:
24Essa verificação de que “a ar
- Page 28 and 29:
26Os homens sempre utilizaram sinai
- Page 30 and 31: 28intelectual. Segundo Lichtenstein
- Page 32 and 33: 30observar bem para apreender a sem
- Page 34 and 35: 32apud AGUIAR e SILVA, 1990, p. 167
- Page 36 and 37: 34e justificam a proposta poética
- Page 38 and 39: 36A terceira tendência revolucion
- Page 40 and 41: 38incluindo-se Camille Pissarro. Na
- Page 42 and 43: 40mercado foi desenvolvido no exter
- Page 44 and 45: 42Pissarro morreu em novembro de 19
- Page 46 and 47: 44O segundo artista é Claude Monet
- Page 48 and 49: 46Figura 5 refere-se à tela A pont
- Page 50 and 51: 48fazem parte do segundo plano. O p
- Page 52 and 53: 50Silva Pinto, que se tornara colec
- Page 54 and 55: 52desdobramento da lírica. Do cont
- Page 56 and 57: 54Classes Laboriosas, em 1852, que
- Page 58 and 59: 56Faria e Maia, Manuel de Arriaga,
- Page 60 and 61: 58De forma aprimorada.E eu vou acom
- Page 62 and 63: 60poemas narrativos como “Don Jua
- Page 64 and 65: 62O que se configura na poesia de C
- Page 66 and 67: 64do modelo Aristotélico” (2001,
- Page 68 and 69: 66Ocorrem mudanças na sociedade bu
- Page 70 and 71: 68interpretação do verso contradi
- Page 72 and 73: 70Segundo Friedrich, a obra Flores
- Page 74 and 75: 72mundo; mas, por outro lado, o dâ
- Page 76 and 77: 744. CESÁRIO VERDE E CAMILLE PISSA
- Page 78 and 79: 76ao relacioná-lo com a abdicaçã
- Page 82 and 83: 80mundo, ironicamente representado
- Page 84 and 85: 82sombrios da ordem social) é segu
- Page 86 and 87: 84Verde no século XIX que sabe que
- Page 88 and 89: 864.3 LEITURA DA PAISAGEM URBANA DO
- Page 90 and 91: 88Figura 8. PISSARRO, Camille. Boul
- Page 92 and 93: 90construções muito altas, árvor
- Page 94 and 95: 92Levou tempo para as pessoas se ac
- Page 96 and 97: 94data a expansão foi rápida, mas
- Page 98 and 99: 96Nas telas Boulevard Montmartre So
- Page 100 and 101: 98A carta é datada do dia 29 de ju
- Page 102 and 103: 100Na segunda estrofe, da parte I d
- Page 104 and 105: 102subjetiva, descreve pintando a c
- Page 106 and 107: 104da libra e do “shilling”, /
- Page 108 and 109: 106apresentam uma vida desgastada e
- Page 110 and 111: 108florestas em que há corsas, / N
- Page 112 and 113: 110falta de incentivo fiscal, técn
- Page 114 and 115: 112Figura 13. PISSARRO, Camille. Ho
- Page 116 and 117: 114da encosta do sexto plano com a
- Page 118 and 119: 116As Encostas de Vesinet, Yvelines
- Page 120 and 121: 118Imagem presente no poema OSentim
- Page 122 and 123: 120CONSIDERAÇÕES FINAISO homem in
- Page 124 and 125: 122Essas imagens chegam ao leitor e
- Page 126 and 127: 124REFERÊNCIASAGUIAR e SILVA, V. M
- Page 128 and 129: 126MOISÉS, M. A Literatura Portugu
- Page 130 and 131:
128Vê-se a cidade, mercantil, cont
- Page 132 and 133:
130E evoco, então, as crônicas na
- Page 134 and 135:
132E de uma padaria exala-se, inda
- Page 136 and 137:
134Fugiu da capital como da tempest
- Page 138 and 139:
136E assim postas, nos barros e are
- Page 140 and 141:
138Tinhas caninos, tinhas incisivos
- Page 142 and 143:
140Todos os tipos mortos ressuscito
- Page 144 and 145:
142De como, às calmas, nessas excu
- Page 146 and 147:
144Chorassem de resina as laranjeir
- Page 148:
146Se inda trabalho é como os pres