80mundo, ironicamente representado pelos carros que conduz<strong>em</strong> as pessoas às estações <strong>de</strong>tr<strong>em</strong>. O poeta vê a cida<strong>de</strong> aprisionante também <strong>em</strong> pequenas prisões inacabadas, comona estrofe 4, numa <strong>de</strong>finição expressionista/surrealista: “S<strong>em</strong>elham-se a gaiolas, comviveiros, / as edificações somente <strong>em</strong>a<strong>de</strong>iradas: / Como morcegos, ao cair dasbadaladas, / Saltam <strong>de</strong> viga <strong>em</strong> viga os mestres carpinteiros.”. Tal como numa telasurrealista os carpinteiros “saltam <strong>de</strong> viga <strong>em</strong> viga” como morcegos. A edificação dasgaiolas da cida<strong>de</strong> surge como uma ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sse anoitecer associada à imag<strong>em</strong>sinistra do morcego.A cida<strong>de</strong> vai adquirindo no contexto do po<strong>em</strong>a gradações simbólicas que seintensificam. O caminhante solitário ganha as ruas que vão se abrindo: Embrenho-me, acismar, por boqueirões, por becos/ Ou erro pelos cais a que se atracam botes. Surg<strong>em</strong>as personagens citadinas, como os calafates sujos <strong>de</strong> carvão e aos grupos, cuja função éa <strong>de</strong> vedar com estopas <strong>em</strong>bebidas <strong>em</strong> alcatrão as juntas, os buracos ou fendas das<strong>em</strong>barcações. Os pequenos barcos atracados no cais renovam o seu <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> fugir daopressão da cida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>sejo expresso pelo mundo do passado heróico, numa viag<strong>em</strong>nostálgica pelo t<strong>em</strong>po, ao rel<strong>em</strong>brar Camões e a gran<strong>de</strong> fase criadora do passadoportuguês. Em enumeração, o poeta evoca: Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!A cida<strong>de</strong> continua a ser <strong>de</strong>scrita nas estrofes seguintes entre a realida<strong>de</strong> objetivado presente e a subjetivida<strong>de</strong> do sujeito lírico, com a justaposição dos hotéis da moda aocouraçado inglês, simbolizando a alta burguesia citadina nos hotéis da moda, nas louçase talheres do jantar, e o po<strong>de</strong>r naval representado pelos couraçados ingleses. E é nessecontexto social que outras personagens que representam a vida burguesa vão surgindonas estrofes seguintes, que encerram a primeira parte do po<strong>em</strong>a: os <strong>de</strong>ntistas, o patéticoarlequim, os querubins do lar, os lojistas tediosos que esperam os fregueses, as varinasvistas como animais como um sopro <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> vindo do mar o (...) cardume negro,hercúleas, galhofeiras/ Correndo com firmeza, assomam as varinas/ Vêm sacudindo asancas opulentas! (...) Descalças. Essas personagens assim apresentadas revelam ascondições sociais das varinas, da sujeira e do mau cheiro do peixe podre. Cesário pintacruamente a realida<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Lisboa e das pessoas, numa <strong>de</strong>scrição naturalista.Em Noite Fechada, o eu-lírico encontra-se <strong>de</strong>primido e a quadra inicialreintroduz o t<strong>em</strong>a da prisão (estrofe 1) “Tocam-se as gra<strong>de</strong>s, nas ca<strong>de</strong>ias. Som / Qu<strong>em</strong>ortifica e <strong>de</strong>ixa umas loucuras mansas! / O Aljube, <strong>em</strong> que hoje estão velhinhas e
81crianças, / B<strong>em</strong> raramente encerra uma mulher <strong>de</strong> “dom”!”. O <strong>de</strong>sejo absurdo <strong>de</strong> sofrer<strong>de</strong>spertado pela soturnida<strong>de</strong> e pela melancolia do anoitecer nas ruas <strong>de</strong> Lisboa t<strong>em</strong> umparalelo nas loucuras mansas dos sons que anunciam a noite nas celas da prisão, oAljube <strong>de</strong> Lisboa que funcionou anteriormente como prisão eclesiástica, passando aespaço <strong>de</strong> mulheres e crianças que vêm das classes populares. A <strong>de</strong>scrição da escuridãodas celas contrasta com a luz dos hotéis da moda, configurando a linguag<strong>em</strong> visualista eplástica <strong>de</strong> Cesário e o objetivo <strong>de</strong> apresentar uma crítica social implícita. Com oacen<strong>de</strong>r das luzes nas ruas, o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> sofrer acentua-se numa melancolia tão profundaque o sujeito lírico chega a suspeitar <strong>de</strong> que pa<strong>de</strong>ce <strong>de</strong> uma doença mortal, o aneurisma,na estrofe 13: “E eu <strong>de</strong>sconfio, até, <strong>de</strong> um aneurisma/ Tão mórbido me sinto, ao acen<strong>de</strong>rdas luzes; (...) Chora-me o coração que se enche e que se abisma”. Essa <strong>de</strong>pressão tãovisível e <strong>de</strong>scrita fisiologicamente está ligada às prisões, à Sé, às cruzes.Na continuação <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>scrição da cida<strong>de</strong>, Cesário refere-se às tascas, aoscafés, às tendas, mas acida<strong>de</strong> do presente ainda está dominada pelo negro e pelo fúnebredo passado. Na segunda parte do po<strong>em</strong>a, quinta estrofe “Na parte que abateu noterr<strong>em</strong>oto, / Muram-me as construções retas, iguais, crescidas; / Afrontam-me, no resto,as íngr<strong>em</strong>es subidas, / E os sinos dum tanger monástico e <strong>de</strong>voto.”. Os prédios qu<strong>em</strong>uram e oprim<strong>em</strong> o sujeito lírico são os que se ergueram sobre os corpos soterrados dogran<strong>de</strong> terr<strong>em</strong>oto ocorrido <strong>em</strong> 1755, e o tanger monástico e <strong>de</strong>voto dos sinos marca,psicologicamente, a distância dos séculos. Volta Camões na sexta estrofe,”Mas, numrecinto público e vulgar, / Com bancos <strong>de</strong> namoro e exíguas pimenteiras, / Brônzeo,monumental, <strong>de</strong> proporções guerreiras/ Um épico doutrora ascen<strong>de</strong>, num pilar!”. Essaestátua assim revelada é para l<strong>em</strong>brar que houve um outro passado, associado ao povo eao mar, diferente daquele referido sinistramente ao terr<strong>em</strong>oto e à Inquisição, associado àcida<strong>de</strong>, ao clero e às prisões (quarta estrofe) “Duas igrejas, num saudoso largo, /Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero: / Nelas esfumo <strong>em</strong> ermo inquisidor severo,Assim que pela História eu me aventuro e alargo.” . Depreen<strong>de</strong>-se que o passado épicocantado por Camões não é o mesmo do presente e, sim, o seu oposto.A realida<strong>de</strong> melancólica da cida<strong>de</strong> – Triste cida<strong>de</strong>! – apresenta um contrasteacentuado pela diferença entre as nobres proporções guerreiras da estátua monumentale a massa acumulada <strong>de</strong> corpos enfezados na cida<strong>de</strong> (segunda parte do po<strong>em</strong>a, sétimaestrofe). A ronda da cida<strong>de</strong> é inabalável – a recolha dos soldados (os <strong>de</strong>fensores
- Page 1 and 2:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁCE
- Page 4 and 5:
DEDICATÓRIADedicamos esta disserta
- Page 6 and 7:
Cesário diz-me muito: gostava de f
- Page 8 and 9:
ABSTRACTThe Portuguese poet Joaquim
- Page 10 and 11:
SUMÁRIORESUMO.....................
- Page 12 and 13:
CONSIDERAÇÕES INICIAISAo entardec
- Page 14 and 15:
12revelando nos versos a crise port
- Page 16 and 17:
14grau, ao seu contexto histórico
- Page 18 and 19:
16se começa a falar em método com
- Page 20 and 21:
18faleceu em Connecticut, em 1995.
- Page 22 and 23:
20do tipo original/cópia, centro/p
- Page 24 and 25:
22No entanto, Nitrini (2000, p. 184
- Page 26 and 27:
24Essa verificação de que “a ar
- Page 28 and 29:
26Os homens sempre utilizaram sinai
- Page 30 and 31:
28intelectual. Segundo Lichtenstein
- Page 32 and 33: 30observar bem para apreender a sem
- Page 34 and 35: 32apud AGUIAR e SILVA, 1990, p. 167
- Page 36 and 37: 34e justificam a proposta poética
- Page 38 and 39: 36A terceira tendência revolucion
- Page 40 and 41: 38incluindo-se Camille Pissarro. Na
- Page 42 and 43: 40mercado foi desenvolvido no exter
- Page 44 and 45: 42Pissarro morreu em novembro de 19
- Page 46 and 47: 44O segundo artista é Claude Monet
- Page 48 and 49: 46Figura 5 refere-se à tela A pont
- Page 50 and 51: 48fazem parte do segundo plano. O p
- Page 52 and 53: 50Silva Pinto, que se tornara colec
- Page 54 and 55: 52desdobramento da lírica. Do cont
- Page 56 and 57: 54Classes Laboriosas, em 1852, que
- Page 58 and 59: 56Faria e Maia, Manuel de Arriaga,
- Page 60 and 61: 58De forma aprimorada.E eu vou acom
- Page 62 and 63: 60poemas narrativos como “Don Jua
- Page 64 and 65: 62O que se configura na poesia de C
- Page 66 and 67: 64do modelo Aristotélico” (2001,
- Page 68 and 69: 66Ocorrem mudanças na sociedade bu
- Page 70 and 71: 68interpretação do verso contradi
- Page 72 and 73: 70Segundo Friedrich, a obra Flores
- Page 74 and 75: 72mundo; mas, por outro lado, o dâ
- Page 76 and 77: 744. CESÁRIO VERDE E CAMILLE PISSA
- Page 78 and 79: 76ao relacioná-lo com a abdicaçã
- Page 80 and 81: 78Camões. Há variantes entre a ed
- Page 84 and 85: 82sombrios da ordem social) é segu
- Page 86 and 87: 84Verde no século XIX que sabe que
- Page 88 and 89: 864.3 LEITURA DA PAISAGEM URBANA DO
- Page 90 and 91: 88Figura 8. PISSARRO, Camille. Boul
- Page 92 and 93: 90construções muito altas, árvor
- Page 94 and 95: 92Levou tempo para as pessoas se ac
- Page 96 and 97: 94data a expansão foi rápida, mas
- Page 98 and 99: 96Nas telas Boulevard Montmartre So
- Page 100 and 101: 98A carta é datada do dia 29 de ju
- Page 102 and 103: 100Na segunda estrofe, da parte I d
- Page 104 and 105: 102subjetiva, descreve pintando a c
- Page 106 and 107: 104da libra e do “shilling”, /
- Page 108 and 109: 106apresentam uma vida desgastada e
- Page 110 and 111: 108florestas em que há corsas, / N
- Page 112 and 113: 110falta de incentivo fiscal, técn
- Page 114 and 115: 112Figura 13. PISSARRO, Camille. Ho
- Page 116 and 117: 114da encosta do sexto plano com a
- Page 118 and 119: 116As Encostas de Vesinet, Yvelines
- Page 120 and 121: 118Imagem presente no poema OSentim
- Page 122 and 123: 120CONSIDERAÇÕES FINAISO homem in
- Page 124 and 125: 122Essas imagens chegam ao leitor e
- Page 126 and 127: 124REFERÊNCIASAGUIAR e SILVA, V. M
- Page 128 and 129: 126MOISÉS, M. A Literatura Portugu
- Page 130 and 131: 128Vê-se a cidade, mercantil, cont
- Page 132 and 133:
130E evoco, então, as crônicas na
- Page 134 and 135:
132E de uma padaria exala-se, inda
- Page 136 and 137:
134Fugiu da capital como da tempest
- Page 138 and 139:
136E assim postas, nos barros e are
- Page 140 and 141:
138Tinhas caninos, tinhas incisivos
- Page 142 and 143:
140Todos os tipos mortos ressuscito
- Page 144 and 145:
142De como, às calmas, nessas excu
- Page 146 and 147:
144Chorassem de resina as laranjeir
- Page 148:
146Se inda trabalho é como os pres