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Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso ...

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vassalos. 110<br />

A Graça Régia é, no enten<strong>de</strong>r <strong>de</strong> Antonio Manuel Hespanha, [...] o domínio <strong>de</strong> afirmação da<br />

vonta<strong>de</strong>, pela qual se criam, espontânea e arbitrariamente, situações novas, a saber, se transmitem<br />

bens ou se outorgam estados. 111 Por via da graça, o Rei tinha o arbítrio <strong>de</strong> estabelecer mudanças<br />

profundas no estado social dos súditos, nos seus bens e nas vantagens que adquiria a posterida<strong>de</strong> do<br />

agraciado como um milagre divino, on<strong>de</strong> Deus cura uma doença ou livra da morte àquele que o<br />

suplica pela oração fervorosa. No caso <strong>de</strong> Portugal, o Rei certamente não era Deus, mas a ele cabia<br />

algumas prerrogativas que <strong>mais</strong> ninguém po<strong>de</strong>ria usufruir, pois <strong>de</strong>pendia da sua tão pleiteada mercê.<br />

O soberano po<strong>de</strong>ria legitimar filhos bastardos, nomear negros do Brasil em postos <strong>de</strong> alta<br />

patente militar por reconhecimento <strong>de</strong> sua bravura nas guerras, emancipar filhos, perdoar e soltar<br />

criminosos presos, conce<strong>de</strong>r ou retirar bens e recursos daqueles que são alvo da graça ou da<br />

<strong>de</strong>sgraça régia.<br />

Ao Rei eram atribuídos po<strong>de</strong>res excepcionais reconhecidos e pactuados socialmente,<br />

conforme enten<strong>de</strong>u Norbert Elias; 112 a benevolência do monarca manifestava-se em forma <strong>de</strong><br />

mercê, prerrogativa utilizada politicamente e com vistas estratégicas <strong>de</strong> controle e or<strong>de</strong>namento<br />

social, cujo motor <strong>de</strong> concessão e negação <strong>de</strong> favores encontrava-se na figura régia. 113<br />

No Antigo Regime Português, o monarca era o referencial da or<strong>de</strong>m e da paz social, a ele<br />

cabia ministrar a justiça, no sentido tomista <strong>de</strong> atribuir a cada um o seu, fosse castigo, fosse prêmio.<br />

O iuris naturalis romano também corroborava com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> centralida<strong>de</strong> do po<strong>de</strong>r e da justiça nas<br />

mãos do soberano. 114 Raphael Bluetau enten<strong>de</strong> justiça por uma das quatro virtu<strong>de</strong>s cardinais;<br />

consiste em dar a cada um o seu, prêmio & honra ao bom, pena & castigo ao mal. 115<br />

Com esta prerrogativa, a realeza mediava conflitos e outorgava benesses, esta benevolência<br />

110 Fernando Bouza Álvarez tem se tornado uma referencia entre os estudiosos da cultura epistolar <strong>de</strong>senvolvida pelas<br />

monarquias Ibéricas mo<strong>de</strong>rnas, os pressupostos teórico-metodológicos utilizados para a compreensão dos vários saberes<br />

que envolviam a cultura escrita são tratados em ÁLVAREZ, Fernando Bouza. “Corre manuscrito: la circulación <strong>de</strong><br />

manuscritos em España y em Portugal durante los siglos XVI y XVII.” In: ALVAREZ, Fernando Bouza. Corre<br />

Manuscrito: uma historia cultural <strong>de</strong>l siglo <strong>de</strong> oro. Madrid: Marcial Pons, 2001. P. 27-75.<br />

111 Segundo Hespanha, na chamada economia da Graça incluía idéias “<strong>de</strong> liberalida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> amiza<strong>de</strong>, <strong>de</strong> carida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong><br />

magnanimida<strong>de</strong>.” A graça era entendida, no Antigo Regime, <strong>mais</strong> como uma disposição da benevolência do Rei que a<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>monstrar o cumprimento do seu <strong>de</strong>ver, porém, os agraciados estabeleciam, assim, uma relação <strong>de</strong><br />

gratidão com a realeza e prestação <strong>de</strong> serviços mútuos, que po<strong>de</strong>ria durar muitas gerações. HESPANHA, Antonio<br />

Manuel. “A mobilida<strong>de</strong> social na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime.” In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF. 2006. p<br />

138.<br />

112 ELIAS, Norbert. A socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Corte. Jorge Zahar, 2001. P. 186.<br />

113 Para um maior aprofundamento sobre a chamada “economia <strong>de</strong> mercês” em diálogo com os conceitos <strong>de</strong> “nobreza da<br />

terra”, compartilhados na América Portuguesa, ver: BICALHO, Maria Fernanda Baptista. “Conquista, mercês e po<strong>de</strong>r<br />

local: a nobreza da terra na América Portuguesa e a cultura política do Antigo Regime.” In: Almanack Braziliense.<br />

São Paulo: n. 2, nov. 2005. p. 21-34.<br />

114 Sobre os critérios <strong>de</strong> mobilida<strong>de</strong> social que regimentavam as socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Antigo Regime, bem como as i<strong>de</strong>ias<br />

aristotélico-tomistas que estabeleciam a or<strong>de</strong>m natural da socieda<strong>de</strong> lusófona seiscentista, ver: op. cit. HESPANHA,<br />

Antonio Manuel. “A mobilida<strong>de</strong> social na socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Antigo Regime.”In: Revista Tempo. Vol11, n.21, Niterói: UFF.<br />

2006, p. 121-143.<br />

115 BLUTEAU, Raphael, v.4, p230-232.<br />

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