Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso ...
Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso ...
Lourenço de Brito Correa: o sujeito mais perverso e escandaloso ...
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
O <strong>de</strong>bate em torno das performances epistolares elaboradas pelos suplicantes da mercê régia<br />
merece a contribuição <strong>de</strong> Roger Chartier, especialmente no que tange as práticas <strong>de</strong> escrita e <strong>de</strong><br />
leitura no período Mo<strong>de</strong>rno, seus estudos apontam para algumas particularida<strong>de</strong>s materiais, que se<br />
estruturam e se inscrevem nos textos produzidos pelos homens e mulheres do passado. Estas<br />
características são notadas a partir da utilização <strong>de</strong> vários recursos, sejam eles visuais ou físicos,<br />
que orientam a organização da leitura e da escrita dos documentos e dão sentido ao texto produzido.<br />
O autor também indica que a prática da escrita e da leitura está associada a gestos, espaços e<br />
hábitos que, conjuntamente, <strong>de</strong>terminam as diferentes formas que os textos po<strong>de</strong>m ser lidos e<br />
apropriados por [...] leitores que não dispõe dos mesmos instrumentos intelectuais e que não<br />
mantém a mesma relação com o escrito. 120<br />
Portanto, analisar os manuscritos administrativos e as performances textuais formuladas por<br />
letrados da Bahia Seiscentista, interessados em adquirir a graça régia, permite alcançar a [...]<br />
maneira em que uma comunida<strong>de</strong> – qualquer que seja sua escala – vive e analisa sua relação com<br />
o mundo, com outras comunida<strong>de</strong>s e consigo mesma. 121<br />
A partir da escrita, a concessão <strong>de</strong> postos na administração do Ultramar <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser<br />
privilégio exclusivo da aristocracia reinol, pois [...] antigos soldados ou pessoas <strong>de</strong> origem social<br />
não-nobre podiam receber igualmente cargos e ofícios nas conquistas como forma <strong>de</strong> remuneração<br />
<strong>de</strong> seus préstimos ao rei. 122<br />
A concessão ou negação <strong>de</strong> mercês régias são percebidas ao longo <strong>de</strong> todo o Antigo Regime,<br />
em Portugal, no Brasil, na África e na Índia. Vale salientar que o soberano não tinha nenhuma<br />
obrigação em liberar a sua mercê por pagamento <strong>de</strong>stes préstimos, por isto, o favor régio adquiriu<br />
em alguns casos um sentido sobrenatural, uma ajuda extraordinária que concedia ao agraciado<br />
algumas bonificações que podiam transformar a sua vida. O acesso ao disputado mercado da graça<br />
régia que vigorou no século XVII era restrito e os que souberam valer-se <strong>de</strong>ste trânsito salientaram<br />
suas prerrogativas fidalgas [...] para <strong>de</strong>screver o quase - direito dos clientes (máxime, os vassalos<br />
do rei que lhe tivessem prestado serviços) às mercês. 123<br />
As várias instâncias <strong>de</strong>cisórias existentes no complexo ultramarino português do século<br />
XVII foram utilizadas como <strong>mais</strong> um veículo <strong>de</strong> acesso à concessão <strong>de</strong> mercês régias. Leitura e<br />
escrita faziam parte da lógica <strong>de</strong> outorga da graça, visto que a Mesa <strong>de</strong> Consciência e Or<strong>de</strong>ns,<br />
Tribunal da Relação da Bahia e <strong>de</strong> Goa, Desembargo do Paço, Casa <strong>de</strong> Suplicação e Conselho<br />
Ultramarino, foram sínodos que trataram largamente <strong>de</strong> petições <strong>de</strong> mercês régias formuladas por<br />
120<br />
CHARTIER, Roger. A or<strong>de</strong>m dos Livros. Leitores, autores, bibliotecas na Europa entre os século XVI e XVIII.<br />
Barcelona: Gedisa, 1994, p. 25.<br />
121<br />
I<strong>de</strong>m p.21.<br />
122<br />
FRAGOSO, João. “A nobreza da república: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
(séculos XVI-XVII).” In: Topoi Revista <strong>de</strong> História. Rio <strong>de</strong> Janeiro, vol1, 2000, p.69<br />
123<br />
Op. Cit. HESPANHA, Antonio Manuel. 2006, p 139.<br />
45