19.05.2013 Views

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Nos neuróticos são até mesmo freqüentes os casos em que projeções fantásticas constituem as únicas vias<br />

possíveis de relações humanas. Um indivíduo que eu percebo principalmente graças à minha projeção é<br />

imago [imagem] ou um suporte de imago ou de símbolo. Todos os conteúdos de nosso inconsciente são<br />

constantemente projetados em nosso meio ambiente, e só na medi<strong>da</strong> em que reconhecemos certas<br />

peculiari<strong>da</strong>des de nossos objetos como projeções, como imagines [imagens], é que conseguimos<br />

diferenciá-los dos atributos reais desses objetos. Mas se não estamos conscientes do caráter projetivo <strong>da</strong><br />

quali<strong>da</strong>de do objeto, não temos outra saí<strong>da</strong> senão acreditar, piamente, que esta quali<strong>da</strong>de pertence<br />

realmente ao objeto. To<strong>da</strong>s as nossas relações humanas afun<strong>da</strong>m em semelhantes projeções e quem não<br />

tivesse uma idéia clara deste fato, em sua esfera pessoal, bastar-lhe-ia atentar aparar a psicologia <strong>da</strong><br />

imprensa dos países beligerantes. Cum grano salis vêem-se sempre as próprias faltas inconfessa<strong>da</strong>s no<br />

adversário. To<strong>da</strong>s as polêmicas pessoais disso nos fornecem exemplos eloqüentes. Quem não possuir um<br />

raro grau de autocontrole não pairará acima de suas projeções mas, na maioria <strong>da</strong>s vezes, sucumbirá a<br />

elas, pois o estado de espírito normal pressupõe a existência de semelhantes projeções. A projeção dos<br />

conteúdos inconscientes é fato natural, normal. É isto o que cria nos indivíduos mais ou menos primitivos<br />

aquela relação característica com o objeto, que Lévy-Bruhl designou, com acui<strong>da</strong>de, pelo nome de<br />

"identi<strong>da</strong>de mística" ou "participação mística" 169 . Assim, todo contemporâneo normal que não possua um<br />

caráter reflexivo acima <strong>da</strong> média, está ligado ao meio ambiente por todo um sistema de projeções<br />

inconscientes. O caráter compulsivo de tais relações (ou seja, precisamente o seu aspecto "mágico" ou<br />

"místico-imperativo") permanece inconsciente para ele, "enquanto tudo caminhar bem". Mas logo que se<br />

manifestam distúrbios paranóides, to<strong>da</strong>s estas vinculações inconscientes de caráter projetivo aparecem<br />

sob a forma de outras tantas vinculações compulsivas, reforça<strong>da</strong>s, em geral' por materiais inconscientes<br />

que, notemo-lo, constituíam, já durante o estado normal, o conteúdo dessas projeções. Por isto, enquanto<br />

o interesse vital, a libido, puder utilizar estas projeções como pontes agradáveis e úteis, ligando o sujeito<br />

com o mundo, tais projeções constituem facilitações positivas para a vi<strong>da</strong>. Mas logo que a libido procura<br />

seguir outro caminho e, por isto, começa a regredir através <strong>da</strong>s pontes projetivas de outrora, as projeções<br />

atuais atuam então com os maiores obstáculos neste caminho, opondo-se, com eficácia, a to<strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira<br />

libertação dos antigos objetos. Surge então um fenômeno característico: o indivíduo se esforça por<br />

desvalorizar e rebaixar, o máximo possível, os objetos antes estimados, a fim de poder libertar deles a sua<br />

libido. Como, porém a precedente identi<strong>da</strong>de repousa sobre a projeção de conteúdos subjetivos, uma<br />

libertação plena e definitiva só pode realizar-se, se a imago refleti<strong>da</strong> no objeto for restituí<strong>da</strong>, juntamente<br />

com sua significação, ao sujeito. Produz-se esta restituição, quando o sujeito toma consciência do<br />

conteúdo projetado, isto é, quando reconhece o "valor simbólico" do objeto em questão.<br />

[508] É certo que essas projeções são bastante freqüentes e tão certo quanto o desconhecimento de<br />

sua natureza. Sendo assim, não devemos nos admirar de que as pessoas desprovi<strong>da</strong>s de senso crítico<br />

admitam, a priori, e como evidente à primeira vista, que, quando se sonha com o Senhor X, esta imagem<br />

onírica denomina<strong>da</strong> "Senhor X" é idêntica ao Senhor X <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Este preconceito está inteiramente<br />

de acordo com a ausência geral de espírito crítico que não vê diferença entre o objeto em si e a idéia que<br />

se tem dele. Considera<strong>da</strong> sob o ponto de vista crítico, a imagem onírica — ninguém o pode negar —<br />

guar<strong>da</strong> apenas uma relação exterior com o objeto. Na reali<strong>da</strong>de, porém esta imagem é um complexo de<br />

fatores psíquicos que se formou espontaneamente — embora sob o influxo de certos estímulos exteriores<br />

— e, por conseqüência, se compõe, essencialmente, de fatores subjetivos, característicos do próprio<br />

indivíduo e que muitas vezes não têm absolutamente na<strong>da</strong> a ver com o objeto real. Compreendemos<br />

sempre os outros como a nós mesmos, ou como procuramos compreender-nos. O que não<br />

compreendemos em nós próprios, também não o compreendemos nos outros. Assim, por uma série de<br />

motivos, a imagem que temos dos outros é, em geral, quase inteiramente subjetiva. Como sabemos, uma<br />

amizade íntima com uma pessoa nem sempre é garantia de que o conhecimento que temos a seu respeito<br />

seja ver<strong>da</strong>deiramente objetivo.<br />

[509] Se começarmos — com a escola freudiana — por considerar como "irreais" ou "simbólicos"<br />

certos conteúdos manifestos do sonho e por declarar que o sonho, quando fala de uma "torre de igreja",<br />

designa um "falo", estaremos apenas a um passo de afirmar que o sonho muitas vezes designa<br />

"sexuali<strong>da</strong>de", mas nem to<strong>da</strong>s as vezes designa realmente a sexuali<strong>da</strong>de, e, igualmente, que o sonho fala<br />

169 Lévy-Bruhl, Les fonctions mentales <strong>da</strong>ns les sociêtés injérieures, p. 140. É de lamentar que o Autor tenha cancelado, em edição posterior<br />

de sua obra, o termo extremamente apropriado de "místico". É provável que ele tenha sucumbido à fúria dos estúpidos que viam na palavra<br />

"místico" os seus próprios disparates.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!