Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Carl Gustav Jung - A Natureza da Psique.pdf - Agricultura Celeste
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
incompreensível que não somente o homem mas também o animal só adquiriria a maior parte <strong>da</strong>s coisas<br />
mediante a experiência e a prática" 32 . Existe, entretanto, um pattern of behaviour [padrão de<br />
comportamento] inato e um tesouro também inato de experiências vitais não antecipa<strong>da</strong>s, mas<br />
acumula<strong>da</strong>s; só que não se trata de "representações", mas de esboços, planos ou imagens que, embora não<br />
apresentados realmente ao ego, são, contudo, tão reais quanto os 100 táleres de Kant costurados no<br />
debrum de sua casaca e que o dono esquecera. É possível que Wundt se lembrasse aqui de Chr. A. Wolff,<br />
que ele próprio menciona, e de sua distinção quanto aos "estados inconscientes" cuja existência só<br />
podemos deduzir a partir <strong>da</strong>quilo que encontramos em nossa consciência 33 .<br />
[353] Às categorias <strong>da</strong>s "idéias inatas" pertencem também as "idéias elementares" de Adolf<br />
Bastian 34 , e devemos entendê-las como formas análogas fun<strong>da</strong>mentais de percepção que se encontram por<br />
to<strong>da</strong> parte, ou seja, mais ou menos aquilo que hoje chamamos de "arquétipos". É evidente que Wundt<br />
rejeita este modo de ver, sempre levado pela idéia de que se trata de "representações" e não de<br />
disposições. Ele diz expressamente que o "aparecimento de um só e mesmo fenômeno em lugares<br />
diferentes", "embora não seja absolutamente impossível, é sumamente improvável, de acordo com os<br />
pontos de vista <strong>da</strong> Psicologia empírica" 35 . Ele nega a existência de "um fator psíquico partilhado por to<strong>da</strong><br />
a humani<strong>da</strong>de", nesta linha, e rejeita também a idéia de um simbolismo mitológico interpretável, com a<br />
justificação característica de que não se pode admitir a existência de um sistema conceituai por trás do<br />
mito 36 . A hipótese acadêmica de que o inconsciente constitui justamente um sistema conceituai não<br />
existia na época de Wundt, e tanto menos ain<strong>da</strong> antes ou depois dele.<br />
[354] Seria incorreto supor que a rejeição <strong>da</strong> idéia do inconsciente na Psicologia acadêmica do<br />
final do século passado era mais ou menos geral. Não era isto absolutamente o que acontecia, porque não<br />
somente o próprio Th. Fechner, por ex. 37 , mas, mais tarde, também Theodor Lipps atribuíram inclusive<br />
importância decisiva ao inconsciente 38 . Embora para o último a Psicologia seja uma "ciência <strong>da</strong><br />
consciência", contudo, ele fala também de sensações e representações "inconscientes", as quais,<br />
entretanto, ele considera como "processos". "Um processo psíquico — diz ele — não é, por natureza, ou<br />
mais precisamente por definição, um conteúdo consciente ou uma experiência consciente, mas mais bem<br />
a reali<strong>da</strong>de psíquica que necessariamente deve estar à base <strong>da</strong> existência dum tal processo 39 . A<br />
consideração <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> consciente, porém, nos leva à conclusão de que as sensações e as representações<br />
conscientes. .. se acham presentes em nós não apenas ocasionalmente, mas que to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> psíquica se<br />
processa, quanto ao essencial, sempre através delas, mas aquele fator que age dentro de nós só revela<br />
diretamente sua existência de maneira ocasional e em momentos especiais, através de imagens<br />
pertinentes... 40 Assim, a vi<strong>da</strong> psíquica transcende sempre os limites <strong>da</strong>quilo que está ou poderá estar<br />
presente dentro de nós sob a forma de conteúdos conscientes ou de imagens".<br />
[355] As afirmações de Th. Lipps não estão em contradição com os pontos de vista modernos.<br />
Pelo contrário, elas constituem a base teórica <strong>da</strong> Psicologia do inconsciente em geral. Apesar disto, a<br />
resistência contra a hipótese <strong>da</strong> existência do inconsciente perdurou ain<strong>da</strong> por longo tempo. Assim, por<br />
ex., é característico o fato de que Max Dessoir, em sua obra Geschichte der Neueren Deutschen<br />
Psychologie [História <strong>da</strong> Moderna Psicologia Alemã] (2ª ed., 1902), não menciona C. G. Carus e Ed. v.<br />
Hartmann uma única vez sequer.<br />
B. IMPORTÂNCIA DO INCONSCIENTE PARA A PSICOLOGIA<br />
32<br />
Grundzüge, III, p. 328.<br />
33<br />
Grundzüge, III, p. 326. Wolff, Vernünfftige Ge<strong>da</strong>ncken von Gott, der Welt und der Seele des Menschen, § 193.<br />
34<br />
Ethnische Elementarge<strong>da</strong>nken ire der Lehre vom Menschen e Der Mensch in der Geschichte, I, p. 166s, 203s e II, p. 24s.<br />
35<br />
Völkerpsychologie, V, 2ª parte, p. 460.<br />
36<br />
Op. Cit., IV, 1ª parte, p. 41.<br />
37<br />
Fechner declara: "No estado de inconsciência, as sensações e as representações deixam de ter existência real... mas algo continua<br />
presente dentro de nós: é a ativi<strong>da</strong>de psicofísica", etc. {Elemente der Psychophysik, 2ª parte, p. 439s). Esta conclusão é bastante imprudente,<br />
se considerarmos que o processo psíquico permanece mais ou menos o mesmo, seja ele inconsciente ou não. Uma "representação" não<br />
consiste apenas em ser representa<strong>da</strong>, mas também — e essencialmente — em sua existenciali<strong>da</strong>de.<br />
38<br />
Cf. Der Begriff des Unbewussten in der Psychologie, p. 146s, e Grundtatsachen des Seelenlebens, p. 125s.<br />
39 Leitfaden, p. 64.<br />
40 Op. Cit., p. 65s. Os grifos são meus.